Jornalista e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Servidor público de Cubatão, atua na assessoria de imprensa da prefeitura do município.
Não era longe do porto, mas naquela época a noção de distância era outra. O tempo era mais longo, demorado, ninguém falava em desperdiçar horas ou minutos. Desprezávamos a velhice, ou a ideia de envelhecer; vivíamos perdidos no tempo, as tardes nos sufocavam, lentas: tardes paradas no mormaço. Já conhecíamos a noite: festas no Fast Clube e no antigo Barés, bailes a bordo dos navios da Booth Line, serenatas para a namorada de um inimigo e brigas na madrugada, lá na calçada do bar do Sujo, na praça da Saudade. Às vezes entrávamos pelos fundos do teatro Amazonas e espiávamos atores e cantores nos camarins, exibindo-se nervosamente diante do espelho, antes da primeira cena. Mas aquele lugar, Varandas da Eva, ainda era um mistério.
Escrevi aqui já algumas vezes sobre Roberto Bolaño. Tenho dito aos amigos que me apaixonei pela escrita do autor chileno. Isso transparece neste espaço, mesmo que a coluna não seja especialista em crítica, mas dedicada à busca dos temas históricos contidos na elaboração ficcional. O caso de hoje tenta reconstituir o desenvolvimento da imagem de “detetives selvagens”, do título de sua obra-prima, de 1998.
Com um exemplo sobre um tema comum aos portos, a chegada de clandestinos, escrevi semana passada sobre como a literatura, instrumentalizada com o objetivo de informar, perde a relação adequada entre forma e conteúdo e por causa mesmo disso termina por perder também seu valor como conhecimento concreto do mundo.
Já defendi bastante neste espaço a ficção como forma de conhecimento do mundo, isto é, a própria natureza da invenção literária permite ao autor criar pontos de vista (do narrador ou dos personagens) sobre determinado tema que o jornalismo ou as ciências sociais não podem alcançar.
Muitos dos personagens de Roberto Bolaño são escritores. Logo, como era de se esperar, costumam ler outros escritores, sejam clássicos, desconhecidos, contemporâneos ou simplesmente colegas das tertúlias literárias.