Segunda, 09 Dezembro 2024

Convidado pelo Portogente a opinar sobre os rumos dos portos brasileiros e os modelos de gestão "colocados à mesa", Carlos Eduardo Bueno Magano foi claro em apontar a privatização das administrações como solução mais efetiva no momento, "pois limita o risco da União a condições estabelecidas na outorga", e por possibilitar avaliação de desempenho na aplicação de investimentos que jamais foi efetivada na gestão das "atuais" Autoridades Portuárias brasileiras. Segundo ele, "só poderemos falar [no modelo] Landlord no Brasil se o marco regulatório de 2017 for revogado". Estudos que propõem caminhos para a desestatização dos portos de Santos e de São Sebastião foram recebidos na última semana pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Com passagem de 15 anos pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), exercendo desde pesquisa operacional a cargo de direção, Magano também fez uma extensa carreira no Grupo Cosan/Rumo Logística. Crítico da Lei 12.815/2013 e do Decreto 9.048/2017, ele avalia ser impossível comparar o modelo de gestão dos portos brasileiros, em qualquer momento da história, ao modelo Landlord dos portos da Europa Ocidental. "Quanto ao PDZ [Plano de Desenvolvimento e Zoneamento], esse se subordina ao Plano Mestre Federal e estruturalmente não se comunica com a municipalidade, até porque as outorgas são de competência federal".

carlos magano
Magano durante participação no WebSummit Portogente - 4 Anos de Lei dos Portos

Opiniões sobre modelos de gestão dos portos
* Bussinger defende adoção de modelos portuários dos grandes portos e pede "lipoaspiração já" no processo decisório
* Robert Grantham - Consultor defende landlord e diz que desestatizar só seria justificável em estratégia de longo prazo
* Osvaldo Agripino - Modelo de gestão precisa resgatar a função social e estratégica dos portos
* WebSummit Nova Abertura dos Portos

Portogente - Considerando a reforma portuária como a adoção de um novo e mais produtivo modelo de administração portuária no Brasil, qual sua avaliação dos modelos landlord (adotado em vários dos mais movimentados portos do mundo) e de desestatização (proposto pelo Governo Federal)?
Carlos Magano - Preliminarmente, é preciso reconhecer que o modelo Landlord adotado notadamente nos portos da Europa Ocidental é muito diferente do atual modelo em funcionamento no Brasil. Tivemos no Brasil dois marcos regulatórios, o de 1993 e o de 2017. Esse último, suas leis e uma série de decretos e regulamentos determinaram a centralização do processo de outorga de áreas na competência do Governo Federal, inviabilizando a descentralização decisória e a lógica de funcionamento do Landlord autônomo. A história das Cidades-Estado na Europa é compatível com a descentralização. No Brasil, como resultado do histórico autoritarismo de Portugal presente na nossa cultura, o modelo centralista consolidou-se. Restaram apenas as taxas da tarifa portuária e os antigos arrendamentos para as administrações comporem sua receita. Quanto ao PDZ [Plano de Desenvolvimento e Zoneamento], esse se subordina ao Plano Mestre Federal e estruturalmente não se comunica com a municipalidade, até porque as outorgas são de competência federal. Nesse quadro só poderemos falar em Landlord no Brasil se o marco regulatório de 2017 for revogado, o que não se pretende no momento.

Diante do quadro instalado em que as autoridades portuárias brasileiras têm suas competências reduzidas, precisamos entender quais as suas funções: acessos (aquaviário, ferroviário, rodoviário), a receita associada e atividades diversas sem fonte de receita significativa. Diferente das autoridades portuárias européias, a Autoridade Portuária de Santos terceirizou o controle de acesso ao Porto, dando perdimento aos investimentos feitos no setor, terceirizando o serviço para a Praticagem e os serviços de acesso ferroviário igualmente via Portofer. Quanto ao serviço de infraestrutura rodoviária, esse como todos os já citados são carentes de um plano de investimento alinhado com o Plano Mestre de desenvolvimento do Governo Federal, exigindo seguidos aportes cujas somas não resultam em melhorias alinhadas com as necessidade da demanda. No dizer do Ministério da Infraestrutura, se considerarmos o capital posto à disposição dos administradores das autoridades portuárias é inconcebível o resultado pífio ou negativo de algumas delas. Devemos aprimorar essa função a bem do interesse da sociedade.

Assim sendo, não cabe a comparação proposta na pergunta. Não há como implantar o Landlord no Brasil com o atual arcabouço legal. O que pode-se fazer é um contrato de gestão que pode ser feito com administradores de estatal ou a privatização das funções de acesso envolvendo a gestão dos investimentos e a operação. Sendo essa a comparação, não tenho dúvida que a privatização é mais efetiva, pois limita o risco da União a condições estabelecidas na outorga.

Portogente - Qual a sua posição sobre a administração de serviços como acessos terrestres e dragagem pela iniciativa privada? E sobre os CAPs, ainda há espaço para serem deliberativos?
Carlos Magano - Nunca houve na gestão das atuais autoridades portuárias brasileiras avaliação de desempenho na aplicação de investimentos (investimento vs. resultado esperado) que a privatização obrigará e, portanto, sob a ótica da União e do seu resultado financeiro não há dúvida que esse modelo é o melhor. Sob o ponto de vista do controle do mercado do comércio exterior essa é uma condição mais delicada. Não é interesse do importador ou do exportador que a gestão dos acessos beneficie direta ou indiretamente qualquer grupo econômico. Assim, o gestor das funções de acesso do Porto não poderá ter interesse comum a qualquer grupo econômico. Existem vários dispositivos regulatórios que podem garantir as condições desejadas. A que mais me agrada é obrigar que o outorgado seja uma Sociedade de Propósito Específico em que nenhum acionista detenha mais do que 5% do capital e dos votos da empresa. A sugestão é um IPO com esse regramento.

navio canal porto santos
Canal de navegação do Porto de Santos - Imagem de RenatoThadoo por Pixabay

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Portogente - Como enxerga o "emaranhado" de leis e normas que regem o setor portuário? Qual ação considera prioritária para tornar o Brasil mais competitivo no comércio internacional?
Carlos Magano - Para mim, quanto mais perto do Porto estiver o centro de decisões tanto mais efetivas serão as decisões. Com esse pensamento, o marco regulatório de 1993 foi antes de tudo um instrumento de desregulação e descentralização com inúmeras revogações de leis e empoderamento das autoridades portuárias locais. Tivemos também nesse momento a criação dos CAPs no modelo dos portos autônomos franceses e, portanto, a inclusão dos vários interesses no processo decisório dos portos. Isso propiciou uma série de investimentos privados dentro do porto público com imensa valorização do ativo, além da significativa melhoria operacional. Hoje o excesso de burocracia não permite sequer o investimento do outorgado privado sem autorização da agência central, impedindo significativamente o aumento da produtividade do setor. Hoje o sonho do outorgado privado que está dentro do porto publico é virar Terminal de Uso Privado (TUP) e sair do controle e dos custos locais que não têm contrapartida. Com certeza a desregulação, a desburocratização, a desestatização e a descentralização são condições para desamarrar o desenvolvimento do setor. Nesse sentido, tentar criar o Landlord Brasileiro pode ser um caminho, mas que infelizmente só poderá ser iniciado com a revogação das leis relacionadas ao marco regulatório de 2017.

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