Sábado, 14 Dezembro 2024

A grande vedete do 1º leilão (02, 03) na vigência da Nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13) foi o terminal graneleiro da Ponta da Praia - Santos; arrematado pelo consórcio LDC Brasil BSL (Louis Dreyfus Commodities e Cargill) que se comprometeu a pagar uma outorga de R$ 303 milhões: 70% dos R$ 430 milhões arrecadados pelo Governo Federal com os 3 lotes (R$ 115 milhões da Fíbria, pela área do Macuco + R$ 12,5 milhões da Marimex, pela de Paquetá; ambas destinadas à movimentação de papel e celulose).

Difícil saber o “porquê” cada empresa pagou o que pagou (pois isso depende de sinergias com outros dos seus empreendimentos, de cenários considerados, de estratégias corporativas... tudo parte do “segredo de negócio”!).

Mas o “o que” paga a outorga, com a qual cada um se comprometeu, é questão pouco discutida; mas de grande importância visto poder ter implicações relevantes sobre tarifas portuárias, programas de investimentos, política de fomento, gestão do “shopping center”, ambiente concorrencial, p.ex.

Desde logo vale ser ressaltado que a outorga é apenas uma das parcelas dos compromissos assumidos. Tome-se, p.ex., o caso da Ponta da Praia (não Ponta da Madeira – este, um TUP maranhense!). A outorga corresponde a apenas cerca de 23% do total – ainda assim significativa.

Voltando à questão proposta: O que paga esse valor? Qual seu “fato gerador” (para usar a categoria/linguagem do mundo tributário)?

No caso das desestatizações (privatizações) do setor petroquímico, de mineração, celulose, etc. dos anos de 1990 era fácil: A empresa vencedora estava comprando uma planta, uma unidade fabril ou sistema produtivo. Ou seja, comprando um ativo. E, isso, definitivamente.

Mas esse não é o caso de um arrendamento portuário! Qual, então, o “fato gerador” da outorga? Seria(m):

i) As benfeitorias (ativos) existentes na área arrendada (um tipo de aluguel ou remuneração do ativo)?

ii) Uma quota-parte (tardia) da infraestrutura básica pré-implantada (um tipo de “luva” para se estabelecer no “shopping center” - como que para se associar a um clube)?

iii) O direito de uso do espelho d´água, imprescindível para o acesso dos navios (um tipo de pedágio)?

iv) O direito de exploração da atividade portuária (um tipo de “royalty”)?

v) Uma participação no “negócio”, como se defendeu, ardentemente, em Santos e em alguns outros portos, há uns 5 anos atrás (um tipo de “comissão” ou “participação nos lucros”)?

vi) Um ajuste dos valores estabelecidos pela avaliação do Poder Público (um tipo de ágio) para os ativos disponibilizados?

Enfim; por que é ela devida? Por que ela é paga? Ou seja; qual o “fato gerador” da outorga?

Difícil entende-la como aluguel ou remuneração do ativo; dado que, para tanto, há uma parcela, explícita, no “pacote”: R$ 811 milhões (quase 2/3 do total).

As outras 5 alternativas são, em tese, plausíveis. Em tese porque, qualquer uma das escolhidas (ou combinação delas) gera a necessidade de um esclarecimento adicional: Por que tal é aplicável a áreas arrendadas (dentro dos Portos Organizados) e não a áreas autorizadas para Terminais Privados – TUPs? Em particular no caso dos terminais arrendados e TUPs que se utilizam de infraestruturas básicas de Portos Organizados (tipo Embraport-Santos ou Portonave-Itajaí).

Detalhe-se:

1) Não há terminal, arrendado ou TUP, sem espelho d´água; certo? Por que, então, cobrá-lo de uns e não de outros? OBS: Uma tal cobrança difere da feita pelo SPU (02) que, ademais, é/seria apartada desta.

2) Até já se praticou cobrança de “royaltyies” no setor portuário brasileiro. Mas, SMJ, nem a Constituição Federal, nem a Lei dos Portos (seja a vigente, seja a anterior – revogada em 2012) o preveem. De qualquer forma, como terminais arrendados e TUPs decorrem de um mesmo dispositivo constitucional ...

3) “Comissão” ou “participação nos lucros” em muito se assemelharia a “royaltyies”.

4) Ágio? Na mesma linha; por que a heteronomia? Ou, até, por que o mecanismo/processo de outorga de arrendamentos possibilita que tal venha a ocorrer?

Parece que até já ouço uma explicação: “Você não percebe? Porque, no caso dos TUPs, a propriedade é privada!”.

Sim! Vale uma reflexão:

Tal explicação só seria plausível em se descartando as alternativas de “luva”, de “royalty”, de “comissão”, de “participação nos lucros”, de ágio e de espelho d´água; certo?

Mas, ainda que sendo descartadas as 5 hipóteses, restaria questionar: Quão verdadeiramente privados são tais “terrenos privados”?

Ao menos os primeiros “33 metros a contar da linha de preamar média do ano de 1831” é “terreno de marinha”; assim como seus “agregados”: Sem eles, é praticamente impossível implantar-se um porto ou um terminal; certo? Sem eles áreas de retroárea teriam valores bem menores; não?

SMJ, todos esses são “bens públicos” e disponibilizados ao privado através de “aforamento” (ato administrativo do Poder Público). Portanto, patrimônio público (ativo público). Assim, esse caminho pouca contribuição aportaria (sem trocadilho!) ao esclarecimento buscado.

Em síntese; persiste a dúvida ou uma lacuna (conflito?) no modelo portuário brasileiro: Esclarecê-la/resolvê-la é da maior importância; seja para a vigência de um “ambiente concorrencial em bases isonômicas” (mormente entre arrendamentos X TUPs), seja como fundamentador da destinação dos recursos apurados.

Com a palavra os designers do modelo! Doutrinadores e lideranças setoriais também!

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