Quarta, 24 Abril 2024

Pontos-chave:

1) O Governo Federal anunciou e vem de consultar o TCU sobre a reintrodução do critério de maior outorga nas licitações para arrendamentos portuários.

2) Desde a MP-595 canta-se, em prosa e verso, as virtudes do de menor tarifa. Vários setores seguem defendendo-o.

3) A discussão, já em curso, envolve questões bem mais complexas que as brandidas pelos defensores de um e outro critério.

“Debaixo do angu tem carne!”
[Tradicional expressão popular]

Aqueles que defendem o critério de licitação (para arrendamentos portuários) por menor tarifa (na verdade preço – imprecisão agora esclarecida pelo Acórdão do TCU!) têm o argumento na ponta da língua: O dono da carga será beneficiado. E, também, a crítica ao modelo alternativo cogitado: O valor (que o arrendatário) paga pela outorga terá que vir de algum lugar. De onde? Lógico que dos preços cobrados pelos serviços! Portanto, o dono da carga seria duplamente prejudicado.

A defesa do critério de maior outorga não é tão meridianamente claro assim: O Min. Joaquim Levy justifica-o porque “ele é mais simples e eficaz”. O Min. Nelson Barbosa porque “ele melhora a licitação”. Já um grande segmento dos empresários da comunidade portuária, curiosamente (haveria algo a ver com o entendimento regulatório da ANTAQ?) passou a defende-lo porque “a outorga é um critério objetivo”; e porque “deu certo” nas licitações da década de 90, que resultaram nos contratos Pós-93. Sem colocar em dúvida qualquer das conclusões/argumentos, contribuiria para o debate se elas fossem detalhadas/desenvolvidas!

... principalmente, agora, que o tema foi submetido ao TCU.

Mas esse debate envolve diversos outros aspectos; alguns bem menos claros e mais complexos:

  1. Cuidado com as analogias! Clientes de água, energia, telefone, etc. são majoritariamente pessoas físicas - PF. Dos portos são pessoas jurídicas - PJ; grande parte delas grandes empresas. “Modicidade tarifária”, em princípio, tem significados distintos para uns e outros. E o exercício regulatório também.
  2. Cuidado com o (aparentemente) óbvio! O pagamento de outorgas nos arrendamentos dos anos 90, em alguns casos com pesados ágios, não impediu que, portuariamente, investimentos bilionários fossem feitos, a capacidade de movimentação, a eficiência operacional e a produção fossem aumentadas significativamente, e os preços (portuários) caíssem dramaticamente. Tampouco impediu que os arrendatários tornassem, empresarialmente, empresas de sucesso. O aumento de produtividade e a concorrência podem explicar esse aparente paradoxo!
  3. A correlação de preços portuários e custos logísticos não é, nem imediata, nem linear: E “o que o cliente quer são soluções logísticas” – explicita, p.ex, como premissa, o Plano Diretor do Porto de Antuérpia: Na verdade, visão que predomina internacionalmente. Por isso é que mais importante que a concorrência intra-portuária, ou até mesmo, a inter-portuária, é a competição logística!
  4. Em muitos eventos, ao defender o critério de menor tarifa (na verdade, preço!), alguns discursos passam a impressão de que os contratos dele resultantes são isentos de pagamentos de outorgas: Isso não procede! Menor tarifa (eventualmente associado com maior movimentação – combinação nunca clara e cabalmente estabelecida!) é, apenas, o critério de julgamento da licitação. Ou seja, é uma variável do processo. O valor de outorga, nesse caso, deixa de ser uma variável, e passa a ser um valor, determinado, previamente definido no edital de licitação. E vice-versa! P.ex: Se o objetivo do Governo Federal for “fazer caixa” para o “ajuste fiscal”, nada impede que ele fixe uma elevada outorga... mesmo adotando o critério de menor tarifa para julgamento da licitação. Uma coisa é uma coisa... outra coisa é outra coisa!
  5. Difícil discutir-se o tema em tese. As implicações de um e outro critério não são homogêneas. Diferem se se trata de um terminal de contêineres ou de granéis sólidos.
  6. Contêineres: Muitos (talvez os principais) preços cobrados pelo operador do terminal, da mesma forma que algumas das tarifas cobradas pela Administração Portuária, são pagos pelo armador (o dono/operador do navio). Tais preços e tarifas são, em seguida, apropriados como seus custos. E, daí, (uma das) bases para os valores dos fretes por eles cobrados. A relação entre frete, de um lado, preços (dos terminais) e tarifas (das APs), de outro, não são lineares; e, muitas vezes, difícil definir correlações. Isso porque, sendo os armadores, quase em sua totalidade, estrangeiros, tais valores são definidos internacionalmente. E, sobre eles, o poder regulador das autoridades brasileiras é muito tênue. Ou seja: A redução de tais preços e tarifas, ao final da linha, pode chegar ao dono da carga... mas não obrigatoriamente!
  7. Granéis Sólidos: A organização do setor exportador de granéis sólidos (minérios, soja, açúcar, etc) no País é majoritariamente verticalizado. Ou seja: Uma empresa/grupo econômico produz/compra o produto, opera/controla o transporte interior (rodovia, ferrovia e, agora, também a hidrovia), é operador/tem exclusividade de um terminal portuário (arrendatário ou TUP), opera/controla o transporte marítimo, muitas vezes opera/controla centro de distribuição no exterior. Não raro, também, tem instituições financeiras com atuação em cada um desses elos da cadeia logística. Em síntese: Sendo o critério de menor tarifa, e controlando vários desses elos, uma Vale, Bunge, Cargill, ADM, etc pode, perfeitamente, fazer uma proposta de “tarifa” quase simbólica pois, na verdade, o grupo pode ter empresas distintas em lados opostos do “balcão”: Uma como prestadora do serviço portuário, outra como cliente! 

Uma ambiguidade inicial parece já ter sido esclarecida; o destino do arrecadado com as outorgas: Devem ir para as Administrações Portuárias. Pende, todavia, a clara definição: Se para quitar passivos (que são muito altos em diversas Docas) ou se para financiar a ampliação/implantação de infraestrutura básica (de uso comum!); demanda umbilicalmente ligada à expansão/implantação de terminais (arrendamentos ou TUPs). E que, sem ela, pari passu, pode comprometer até mesmo o resultado do investimento privado: BTP X dragagem é um exemplo candente.

Pior (para a logística, para o comércio exterior, etc.) que para quitar passivos, entretanto, seria “drenar” tais recursos do setor portuário para compor o “ajuste fiscal”!

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