Domingo, 24 Novembro 2024

PERISCÓPIO Nº 201
 

Pontos-chave:

1) “Atividade econômica regulada”: Seria uma solução de compromisso para a discussão hoje polarizada?

2) Se sim, o próximo passo seria o estabelecimento da natureza e do grau de regulação.

3) Talvez as (boas) referências internacionais decepcionem tanto nossos “estato-controladores” como “privato-autonomistas”.


Frederico Bussinger
 
“Diante de impasses,
mais importante que procurar resolver o problema
é formulá-lo de forma diferente”
(Milenares provérbios, chinês e grego)
 

Se intencional for a coincidência dos agendamentos é difícil sabe-lo. Foi grande, todavia, a sinergia entre as audiências públicas da ANTAQ, que discutiram as minutas das Resoluções nº 3.707 e 3.708, e o painel da “Associação de Terminais Portuários Privados – ATP”; dias 11 e 12 passados em Brasília. Tanto pelo grande número de participantes comuns como, principalmente, pelo escopo das discussões: reflexões conceituais (“in tese”, no jargão jurídico) do painel (“Terminais Portuários: Atividade Econômica X Serviço Público”) muito contribuíram para o debate pontual (“in causo”) das normas.

Não se chegou a um consenso, é verdade. Mas a simples explicitação dos pontos de vista e dos fundamentos que ensejam as divergências, por um lado, e de (reais) interesses envolvidos, por outro, gera uma janela de oportunidade para que se logre alcançar base sólida para as discussões subsequentes. Interesses, também, pois, no mais das vezes, tudo se passa (ou se quer fazer crer!) como se as divergências fossem meramente interpretativas dos textos constitucional, legal e da própria minuta da norma.

Uma missão da SEP, com participação de representantes da CODESP e da Deloitte (consultora do “Projeto de Modernização da Gestão Portuária” para os portos fluminenses, paraenses e santista, numa 1º etapa), acaba de concluir um giro de três semanas pelos portos de Barcelona (Espanha), Leixões e Lisboa (Portugal), Cingapura, Busan (Coreia do Sul), Hong Kong (China) e Los Ângeles e Long Beach (USA).

Apesar das inúmeras diferenças entre os países e os portos, certamente a missão teve oportunidade de observar, in loco, operações portuárias muito mais privadas, e com mais autonomia, do que imaginam, esperam e propõe os “estato-controladores” brasileiros; alinhados com o entendimento de “serviço público”. De igual forma, muito mais presença e protagonismo do poder publico (em diversos níveis) nas definições estratégicas do que brandem nossos “privato-autonomistas”; convictos da exegese partindo do conceito de “atividade econômica”.

Mas isso é um mero referencial; subsídio para alargar nossos horizontes e reflexões; mesmo se meramente restrito ao tratamento jurídico da matéria: Como lecionou o respeitado jusfilósofo Miguel Reale, na sua clássica e amplamente adotada “Teoria Tridimensional”, direito é fato, valor e norma. Por conseguinte, contempla fortes componentes históricos, culturais e temporais; razão pela qual a desconstrução (para usar termo do momento!) de argumentos de opositores e/ou o esnobar produtos da última moda do exterior pouco contribuem para avanços consistentes do debate nacional ou para a estabilização do modelo e da governança portuários brasileiros.

Lógico que tridimensionalidade do direito não deve ser uma salvo-conduto para a produção de sucessivas jabuticabas ... (coisas que só existem no Brasil!).

Apesar do ex-Presidente do STF, Min. Carlos Velloso, ter comentado, en passant, que “o STF tende para (a tese) do serviço público”, parece que ainda há muita discussão, muita disputa (tridimensional!) pela frente pois, na verdade, a existência daquelas duas correntes, cada qual com sua convicção fundamentada, indicam que nem a Constituição Federal nem a Nova Lei dos Portos – Lei nº 12.815 foi suficiente para assentar bases meridianamente claras.

A ANTAQ, hoje responsável por resolver lacunas e conflitos (dura missão!), na Exposição de Motivos que apresentou nas audiências públicas, parte da premissa que concessionários, arrendatários (portos públicos) e autorizatários (TUPs) “encontram-se devidamente equiparados, sob a ótica regulatória que recai sobre a prestação de serviços, evidenciando os reflexos do novo marco regulatório estabelecido para o setor portuário nacional, independentemente do regime jurídico de outorga”. E, a partir daí, trabalha com uma formulação que poderia ser uma solução de compromisso: Trata-se de uma “atividade econômica regulada”.

Portanto, se aceita (e legitimada!) a premissa, a discussão seria remetida para a natureza, o grau da regulação a ser praticada.

Se tal formulação será suficiente, se contentará uma e outra corrente, só ficará claro ante a solução que vier a ser dada, p.ex., para a questão da “utilização excepcional das instalações portuárias” (objeto da Resolução nº 3.707), da restrição de participação em licitações para arrendamentos, em nome do “estímulo à concorrência” (da Resolução nº 3.708), ou ao tratamento e grau de fiscalização, controle e ingerência sobre tarifas e preços (presente em ambas).

Pelo que se viu nas audiências públicas, ao menos por ora, a intercessão é um conjunto vazio! E mais: Em meio a visões distintas, os diversos atores tem convicções arraigadas. Alguns, até, um sentido missionário! Ingredientes perfeitos para impasses... OBS: O prazo para o encaminhamento de contribuições, seguindo pleito de todos os setores nas 2 audiências públicas, foi prorrogado até 8/DEZ/2014.

Logo após a aprovação da antiga Lei dos Portos (Lei nº 8.630/93), o quadro era similar: Correntes distintas interpretavam seu espírito, e diversos de seus comandos, de forma bastante distinta. Durante algum tempo era corrente ouvir-se que “a Lei não vai pegar”.

Ao longo de 1993 foram realizadas mais de meia centena de (longas!) reuniões tripartites; governo, empresários e trabalhadores (usuários não estavam claramente organizados como tal), nas quais foram assentados, na prática, os principais pilares de um modelo: Meio que um pacto implícito; não isento de conflitos, mas uma solução de compromisso, balizadora, que vigeu por 2 décadas e tantas transformações e resultados trouxe ao setor portuário brasileiro. Comprovou-se, na prática, os ensinamentos do conhecido estrategista e negociador, Kissinger: “Mudanças negociadas somente  têm início quando os negociadores passam a enxergar, claramente, a próxima etapa”.

Não seria esse um eventual caminho para o assentamento do modelo e da governança portuária brasileira, nesse início do Século-XXI?

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