O procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo, Thiago Lacerda Nobre, inicia uma faxina que há muito se esperava fosse feita no Porto de Santos e, por consequência, deve se estender aos demais portos do Brasil. Com as prisões do diretor-presidente, José Alex Botelho de Oliva, do diretor de Relações com o Mercado e Comunidade, Cleveland Sampaio Lofrano, e do superintendente jurídico, Gabriel Nogueira Eufrásio, para preservar provas na apuração de fraudes em contratos firmados pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), ficam sob suspeição todos os atos adotados por esses envolvidos. Para remediar o problema dos vazios dos cargos, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA) colocou brasa na fogueira ao indicar para a vaga de Cleveland, em diretoria na qual se deram os problemas, José Alfredo de Albuquerque e Silva, ex-presidente do Conselho de Administração (Consad), órgão que aprova e fiscaliza os atos da diretoria sob suspeita. Por ter ocupado esse cargo, Silva também não seria uma ameaça à integridade e segurança dos arquivos que possuem as provas necessárias?
José Alex é preso pela PF em sua residência no Rio de Janeiro - Reprodução: TV Globo
Decerto que as razões que motivaram o Consad a exonerar sumariamente os diretores e superintendente detidos pela Polícia Federal para investigação deveriam, também, valer para o seu ex-presidente Albuquerque e Silva e demais membros do Conselho. Pois, não é demais repetir, cabe ao Conselho fiscalizar a gestão e quaisquer outros atos dos diretores, a qualquer tempo. Portanto, e por fazer parte da estrutura que está sendo investigada, a indicação do presidente do Consad para substituir um dos diretores exonerados afronta a Justiça. Juntos, esse tipo de problema estrutural e solução atabalhoada concorrem para tornar mais emergencial uma saída não política para os portos brasileiros. Todavia, também facilitam o caminho de propostas privatistas, que permitem a captura do Estado pelo privado. Nessa conjuntura, é no quadro de carreira que se deve buscar as competências do Porto de Santos para garantir o seu funcionamento ágil e republicano.
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Lamentavelmente, não se viu até hoje tal presteza da diretoria e do Consad da Codesp e do MTPA em relação ao ruidoso caso de fortes indícios de superfaturamento dos serviços de dragagem executados pela Dragabrás, revelados por Portogente. Nem tampouco o Consad preocupou-se com o escandaloso afastamento do engenheiro fiscal da Codesp das suas funções, como retaliação, por se negar a aprovar a medição da Dragabrás incompatível com os valores por ela faturados. Apesar de o Portogente ter revelado e dado ampla divulgação de terem sido pagos pela Codesp R$ 18 milhões por uma fatura da Dragabrás equivalente a menos de R$ 5 milhões, o Consad presidido por Albuquerque e Silva não se manifestou e, desprezando os princípios da fiscalização dos órgãos públicos, não determinou a apuração dos fatos, através de uma comissão de sindicância. Sem deliberar uma análise técnica competente e isenta, optou por apenas ouvir as explicações do diretor de Engenharia Hilário Gurjão, que até então nunca tinha subido em uma draga, e do superintendente jurídico, Gabriel Eufrásio, que a Polícia Federal prendeu na última quinta-feira.
Ademais, qual a necessidade de substituir os diretores exonerados às pressas, sem o cumprimento do rito previsto na Lei 13.303/2016 das Estatais? Note-se que os substitutos estão sem poder legal para qualquer ato. Fato que comprova não haver necessidade de tais açodadas substituições e, ainda, enseja várias conclusões. Por exemplo, que o Consad pretende apartar-se da mesma estrutura cujos membros estão presos na Polícia Federal e foram exonerados. A menos de dois meses para assumir um novo governo no comando do Brasil, e da posse do novo ministro da Justiça, uma solução às carreiras para suprir lacunas de executivos presos, sem levar em conta um quadro de funcionários concursados, com certeza não convém à operação da Justiça em curso no Porto de Santos.
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Por óbvio, nesse cenário de insegurança e desconfiança não devem ser tratados assuntos de interesse nacional, como é o caso da definição da área do Porto Organizado, cujo traçado está agora sob enorme suspeição. Pelos mesmos motivos, há também que ser feita a revisão dos atos praticados pelo presidente preso e exonerado, e esquadrinhar processos tais como: demissão de funcionários de carreira, contratação de pessoas de chefias fora do quadro da empresa e sem qualificação, auditoria nos contratos de obras e serviços tais como dragagem, contratos de seguros, VTMIS, limpeza, aluguel de carros e outros. A Deliberação do Consad 085/2016, assinada por seu presidente à época, Luiz Fernando Garcia da Silva, determinou que não fosse aprovado pela Codesp "qualquer pleito de repactuação de preço eventualmente solicitado pela empresa contratada" no caso a Dragabrás. Porém, menos de um ano depois, a Deliberação 053/2017 aprovou o pagamento à prestadora de serviços. Hoje, Garcia da Silva está ocupando ilegitimamente o lugar do presidente preso e exonerado José Alex Botelho de Oliva.
O Procurador da República Thiago Lacerda Nobre, também chefe da Operação Lava-Jato em São Paulo, irá fazer uma investigação minuciosa e profunda em tantos indícios de corrupção no Porto de Santos. Neste universo de possíveis ilegalidades está incluído o indício de superfaturamento dos serviços da Dragabrás revelados por Portogente, também objeto do processo TCU 015644/2018-9. Alguns casos investigados e divulgados na mídia alertaram, porém o crime não foi materializado. Entretanto, devido ao elevado número de suspeitas e da complexidade dos casos, as apurações não serão imediatas, mas muitas delas encontram-se em estágio avançado. Ao tomarem conhecimento de suspeitas de crimes envolvendo a Codesp, houve uma união de esforços entre TCU, CGU, Receita Federal, Procuradoria da República e Polícia Federal que reuniu provas de diversos casos que apontam a existência de associação criminosa, fraude em licitações, corrupção ativa e passiva.
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A hipótese sugerida pelo Delegado da Polícia Federal, Daniel Vilmon Vizicato, de que "as apurações mostram haver indícios de fraude em diversos processos licitatórios, não só da Codesp e na Secretaria Especial de Portos, mas também em outros órgãos federais", parece prenúncio de um bem-esperado Portolão.