Terça, 03 Dezembro 2024

Roteiro1) A Liminar que suspende a LP do “Plano Integrado Porto Cidade – PIPC” (expansão do Porto de São Sebastião) também depura a 2º ACP de dados e argumentos já discutidos nas fases anteriores do processo.

2) Restam apenas 2 pontos; nos os quais IBAMA e Cia. Docas de São Sebastião não deverão ter dificuldades para esclarecer.

3) A seguida judicialização do processo acaba por retardar o projeto. Mas há pelo menos um lado positivo: Contribui para o desenvolvimento do licenciamento e governança ambiental no Brasil. E, mesmo, portuária.

Quem poderia imaginar? Pois é; mas o Porto de São Sebastião, visto como da “Série-B” (ou “C”?) do setor portuário brasileiro, pode estar mesmo fadado a dar grande contribuição ao debate, à evolução e ao jurisprudenciar do licenciamento ambiental brasileiro. E, talvez, até mais: À sua governança ambiental e portuária (cujo marco regulatório foi recentemente revisado). O tema é complexo. A história é longa. Mas, numa tentativa de síntese:

Após mais de 5 anos de tramitação (01, 02, 03); inúmeras versões do projeto; 152 reuniões (sendo 22 de grande porte) realizadas antes que a documentação fosse protocolada, em SET/2009; pesquisa IBOPE (indicando mais de 2/3 da população à favor do projeto); 2 longas (mais de 6 horas de duração) e concorridas (mais de 1.000 participantes, cada) Audiências Públicas conduzidas pelo IBAMA, em DEZ/2011 (São Sebastião e Ilhabela); a Licença Prévia – LP nº 474/2013 foi expedida, em DEZ/2013 (01, 02, 03, 04), para as primeiras etapas do Plano Integrado Porto Cidade – PIPC (01, 02, 03) - o plano de expansão do Porto de São Sebastião.

Os portuários, o setor festejaram. Mas o histórico do processo não recomendava euforia: “São Sebastião: Batalha vencida; atenção redobrada!” o alertava logo após a emissão da LP.

No final de maio último os MPs, Federal e Estadual, protocolaram uma 2º Ação Civil Pública – ACP (01, 02, 03, 04, 05, 06). Em 17/JUL/2014 o Juiz acolheu alguns dos argumentos da ACP e concedeu liminar (01, 02): A LP está suspensa no aguardo de esclarecimentos adicionais solicitados pelo Juiz.

Um Raio-X - Tais esclarecimentos, importante destacar, restaram confinados a apenas 2 pontos após um primeiro trabalho de depuração, de desconstrução de dados e argumentos requentados nas 111 páginas da ACP; mesmo tendo sido tratados, ad nauseam, no EIA/RIMA, documentação complementar e fases anteriores do processo.

Em muitos desses casos foi preciso que o Juiz, na detalhada análise/fundamentação de sua liminar (19 páginas), explicitasse e esclarecesse que o tema “está analisado” ou “está tratado” no RIMA e/ou no EIA. Ou que não era pertinente; como também já o fizera o juiz que sentenciou e negou todos os pedidos da 1º ACP (2/ABR/2012), sobre tema similar: ACP nº 0001121-19.2010.403.6103 (2010.61.03.001121-3), promovida pelo Instituto Ilhabela Sustentável, Instituto Educa Brasil e Instituto Onda Verde na 3º Vara da Justiça Federal (São José dos Campos).

E, ainda assim, no primeiro desses pontos (sinergias entre projetos), o Juiz descartou 12 dos 13 empreendimentos mencionados, limitando a complementação de informações solicitadas à expansão do TEBAR. Descartou ... e também ensinou: “Seria desproporcional exigir de um empreendedor a análise no EIA/RIMA dos efeitos cumulativos e sinergéticos dos doze empreendimentos sob a responsabilidade de diversos outros empreendedores, alguns empreendimentos inclusive com relação tênue com a ampliação do Porto de São Sebastião” (pg. 7).

IBAMA e Cia. Docas de São Sebastião, através de seus competentes defensores, como já ocorrido na 1º ACP, não deverão encontrar dificuldades no tratamento dessa questão; seja na “Audiência Preliminar de Conciliação”, agendada para 12/AGO próximo, na Delegacia da Capitania dos Portos, em São Sebastião, seja ao apresentar suas defesas para o julgamento final de mérito dessa 2º ACP. Mesmo porque há um novo ambiente normativo para tais expansões (Resolução ANTAQ nº 3.290, de 14/FEV/2014).

Tampouco deverão encontrar dificuldades para esclarecer o 2º ponto; versando sobre o surrado tema dos impactos sobre o Mangue do Araçá: Se “... a alternativa do projeto de cobertura do manguezal é a mais adequada” (conforme depreendido de “manifestações da comunidade científica”) (pg. 17); e se “o manguezal vai ficar no escuro” (pg. 16). Isso porque o Mangue do Araçá simplesmente não será coberto!

Surpresa? Pois é: o que será coberto é parte do espelho d’água da Enseada/Baia do Araçá; e não o pequeno o Manguezal, inexistente quando os portugueses por aqui chegaram (ele foi formado ao longo do Século-XX!). É o que pode ser facilmente observado na foto no site do IBAMA que ilustra a notícia da expedição da LP. Ou as imagens das pg 7, 9, 14 e, principalmente, pg. 15 do EIA/RIMA do PIPC; disponibilizado na internet. E, para não deixar dúvidas, na pg. 10 da própria ACP!

É curiosa, até misteriosa a razão dessa confusão entre “Baía”, “Enseada” e “Mangue” do Araçá... (que produzem tais conclusões equivocadas). Desconhecimento daqueles que induziram e subsidiaram os MPs certamente não é!...

Lições aprendidas - Em alguns casos, a liminar parece extrapolar o foco no “devido processo legal”; como ao emitir opinião sobre a correlação iluminação X biodiversidade do ecossistema (pg. 17). Mas, de uma maneira geral, a detalhada e pedagógica liminar do Juiz, além de depurar, de desconstruir o fantasma de catástrofe ambiental que essa 2º ACP procura apresentar, contribui, subsidiariamente, para cristalização de conceitos e para a jurisprudenciação do tema.

Começa por discutir a fragilidade de alguns dispositivos das principais normas do processo de licenciamento ambiental no Brasil (um cipoal de mais de 30.000 “instrumentos legais”, segundo recente levantamento da CNI!): Um golpe nos que brandem sua excelência; quase perfeição!

“A referida norma não é precisa, utilizando conceitos juridicamente com grande grau de indeterminação, permitindo interpretações diversas quanto a sua extensão” (pg. 6); referindo-se à Conama nº 01/86 (justamente a base do sistema normativo de licenciamento ambiental).

Ao longo de suas 19 páginas, a Liminar enuncia informações, diretrizes, conceitos e conclusões importantes. Algumas dizendo respeito especificamente ao caso do Porto de São Sebastião mas, muitas delas, transbordando-o para ampliar sua abrangência e contribuição. P or exemplo: contraindicando (ou repreendendo?) a utilização de argumentos/expedientes diversionistas; apesar de apresentados como verossímeis: “Ora, quem conhece o Porto de São Sebastião, sabe que não há muito a analisar sobre outras alternativas de expansão, pois está cercado pela cidade, o Tebar, o Araçá e o canal de São Sebastião. Mesmo assim, as alternativas locacionais, inclusive a alternativa de não execução, estão analisadas no RIMA, foram analisadas no EIA/RIMA (fls. 1130/35)” (pg. 14).

“No Relatório de Impacto Ambiental, há a definição das áreas de influência direta e indireta (fls. 1145), na qual não é feita a menção da estação ecológica, que, conforme informa o IBAMA, fica a cerca de 35 km do Porto de São Sebastião”. “Ademais, a Estação Ecológica de Tupinambás não possui zona de amortecimento aprovada, nem plano de manejo, o que evidencia a falta de definição de sua própria zona de influência” (pg. 10).

Ajudando a suprir as apontadas “imprecisões”; lacunas e conflitos do cipoal normativo: “A interpretação do IBAMA é mais condizente com uma leitura sistemática da nossa legislação ambiental. É possível a supressão ou intervenção em vegetação de manguezal em função de obra de utilidade pública, mas sempre em caráter excepcional e mediante compensação ambiental (pg. 15).

Interpretação em sentido contrário tornaria a proteção ambiental um valor absoluto em detrimento do desenvolvimento econômico e social e implicaria na inviabilização da grande maioria de obras de infraestrutura no país” (pg. 16).

Brilhante! Tal visão reforça o primado do conceito de balanço; balanço entre o ambiental, o econômico e o social. Conceito que foi aplicado explicitamente e ratificado: “Não se pleiteia impedir a ampliação do Porto de São Sebastião, mas sim compatibilizá-la com o devido processo legal e o desenvolvimento sustentável, assim entendido como o ponto de equilíbrio entre os aspectos econômico, social e ambiental” (pg. 3).

É curial! Inviabilizar tal utilização, como insistem os recalcitrantes, significaria descartar um dos privilegiados sítios portuários mundiais. Sítio assim vocacionado desde que os portugueses o descobriram, e com mais de meio século de convivência com intenso fluxo de navios; navios de grande porte.

E, é bom que também seja lembrado, para competentemente cumprir essa sua vocação/função é que ele tem experimentado contínuas evoluções, seja na segurança da navegação e de operações portuárias, seja dos cuidados ambientais. P.ex: O Porto foi pioneiro na obtenção de Licença de Operação – LO (2010). E “São Sebastião é o primeiro porto brasileiro de zona costeira a ter Plano de Área para acidentes com óleo”, é o que recentemente noticiou a imprensa (01, 02, 03).

Lógico; o que se espera é que, no julgamento dessa 2º ACP a LP seja mantida. Lógico que a seguida judicialização acaba por retardar o projeto de expansão; com evidentes prejuízos econômicos e sociais. Mas há pelo menos um lado positivo nesse tortuoso processo: Ele está contribuindo, e contribuirá, para o debate e evolução da compreensão dos diversos aspectos do licenciamento ambiental. Na verdade, para o jurisprudenciar e para o desenvolvimento da governança ambiental e, mesmo, portuária.

É já uma primeira grande contribuição de São Sebastião!

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