Sexta, 17 Mai 2024

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A empresa responsável pela construção do Costa Concordia foi a italiana Fincantieri “The sea ahead” ou Fincantieri Sestri Ponente. O luxuoso empreendimento foi solicitado em 19 de janeiro de 2004, a um custo de aproximadamente 450 milhões de euros, tendo sido lançado em 2 de setembro de 2005. Em 30 de junho de 2006, o navio já fazia parte da esquadra da Costa Cruzeiros e iniciou suas viagens transoceânicas no mês de julho. O cruise ship comportava uma arqueação bruta ou gross tonnage (GT) de 112.000 toneladas, comprimento entre as popas de 247,7 metros, largura moldada de 35,5 metros, 1.500 cabines e atingia uma velocidade máxima de 23.2 nós.

Para o comando do suntuoso navio, foi designado o Capitão Francesco Schettino. Pouco se sabe da vida do Comandante do Costa Concordia. As circunstâncias que culminaram no acidente do cruise ship são bastante confusas. O caso sofreu repercussão no mundo e a imprensa noticiou as primeiras imagens e informações. A única certeza, até aquela manhã, era o nome do responsável pelo acidente – o Capitão Francesco Schettino –, acusado de abandonar o navio após a colisão com o rochedo que causou o naufrágio, o que foi comprovado, posteriormente, pela gravação via rádio realizada pela Guarda Costeira da Itália.

A ocorrência do acidente pode ser explicada por uma soma de fatores. A alteração da rota é, sem dúvida, o mais grave deles; a velocidade excessiva no momento da passagem de reverência também contribuiu para o imenso rasgo que provocou a interrupção da viagem e o naufrágio.

De acordo com a perícia realizada pela Academia Naval norte-americana de Massachusetts, o navio adernou naturalmente na costa da Ilha de Giglio. Ou seja, a maré e os ventos levaram o transoceânico para a costa toscana. Tal assertiva fez surgir alguns questionamentos. Seria possível que a causa da colisão tenha sido gerada por um solavanco do navio no momento da passagem em razão dos ventos litorâneos do Mar Mediterrâneo? E quanto à arrebentação das ondas vindas da costa, elas também teriam contribuído para desestabilizar o navio e provocar a colisão com o rochedo?

Jornais de todo o mundo noticiaram o choque do Costa Concordia, em 13 de janeiro. Os passageiros, com seus celulares e câmeras digitais, registraram imagens e vídeos estarrecedores das últimas horas de pânico, terror e medo a bordo do navio. O que se pôde observar nas filmagens foi o despreparo dos tripulantes e a falta de comando na operação de salvamento. Em alto-mar, as vítimas fatais seriam em maior número.

No dia 14 de janeiro, a Suprema Corte da Itália, por intermédio da Juíza Valeria Montesarchio e do Procurador Francesco Verusio, ambos do Tribunal de Grosseto, decretou a prisão domiciliar do Comandante Schettino, sob a fundamentação de salvaguarda da coletividade. O Capitão está sendo acusado de homicídio culposo, naufrágio e abandono de navio. Caso seja considerado responsável pelas vítimas no julgamento, poderá ser sentenciado a até 15 anos de prisão.

A guarda costeira italiana desempenhou papel fundamental no salvamento dos passageiros e tripulantes que ainda estavam a bordo do navio. Muitas pessoas pularam na água gélida do Mar Mediterrâneo para nadarem até a costa, algumas não tiveram sorte. No total, foram 32 vítimas, 27 passageiros e 5 tripulantes.

Passados dez dias da catástrofe, a Justiça italiana iniciou também investigação contra outras sete pessoas, dentre elas quatro tripulantes e três diretores da empresa Costa Cruzeiros. O Comandante Francesco Schettino e o Primeiro Comissário Ciro Ambrósio foram indiciados por suspeita de homicídio culposo, naufrágio, falta de comunicação com as autoridades marítimas e abandonar o navio antes do resgate dos passageiros e tripulantes.

Perante a Justiça Penal italiana, o Comandante e o imediato respondem, respectivamente, pelos crimes do art. 113 (cooperação em crime culposo), art. 449 (provocar lesão corporal culposa), art. 428 (causar naufrágio) e art. 589 (homicídio culposo), todos do Código Penal italiano. Além disso, Schettino ainda responde pelos crimes previstos nos arts. 81 (concurso formal e crime continuado) e 591 (abandono de menores e pessoas incapazes) do Código Penal italiano, e no art. 1.097 (abandonar navio em estado de perigo pelo comandante) do Código de Navegação italiano.

No Direito Marítimo Internacional, o Comandante do cruise ship tirou conclusões insuficientes na manobra que alterou a rota original. Isso está disciplinado no Artigo 7º do RIPEAM que estabeleceu regras para evitar colisões entre navios e navios e coisas. O despreparo do Capitão Francesco Schettino, do imediato Ciro Ambrósio e dos tripulantes para realizar os procedimentos de salvaguarda de vidas humanas no momento de perigo real, na data dos fatos, demonstra que a política de preparação dos colaboradores da Costa Cruzeiros está em total desarmonia com a convenção SOLAS.

O fato mais marcante no trágico naufrágio, sem embargo, foi o abandono do Comandante antes do salvamento completo dos passageiros e tripulantes. Essa dantesca atitude desobedece à convenção STCW, pois a norma está relacionada com a responsabilidade e honra que sempre acompanharam os homens que andam no mar e, principalmente, os comandantes, que sempre souberam assumir total responsabilidade pelo seu navio e pela sua guarnição.

Na esfera civilista italiana, a empresa Costa Cruzeiros arcará com as indenizações de acordo com a Convenção de Atenas, que atinge os consumidores sobreviventes. Os passageiros poderão acionar a Justiça italiana para receber quantias maiores devido aos transtornos e maus agouros durante a tragédia, desde o abalo psicológico sofrido por passageiros e familiares, até a perda de pertences de grande valor emocional e ativos importantes como informações pessoais e profissionais armazenadas em notebooks ou ferramentas similares de tecnologia da informação.

A Costa Cruzeiros enfrentará uma gama de ações judiciais, caso não consiga fechar um acordo com as vítimas sobreviventes e familiares dos que pereceram na tragédia. A empresa de turismo marítimo publicou em seu website notas de pêsames e desculpas para os passageiros e familiares das vítimas. Além disso, divulgou a forma de pagamento das indenizações pelo transtorno da tragédia. Apurou-se um valor total de indenizações em torno de 300 milhões de dólares.

O montante indenizatório para cada passageiro foi estipulado em 11 mil euros, inclusos a passagem do cruzeiro, os gastos de transporte, o atendimento médico necessário, os danos patrimoniais como a perda das bagagens e pertences pessoais, o sofrimento psicológico e a perda pelo prazer de viajar em cruzeiros marítimos. A conversão desse valor em dólares seria de U$ 13.724,70 e, na moeda brasileira, o montante de R$ 28.426,20. Estima-se que o custo da passagem do transoceânico foi de aproximadamente U$ 2.258,00.

A oferta de 11 mil euros da empresa foi recusada pela CODACONS, organização italiana de consumidores que integra o Comitê de Náufragos do Concordia, cujo papel é representar as vítimas nas negociações com a empresa Costa Cruzeiros.

A Convenção de Atenas determina que o valor da indenização para as vítimas e familiares envolvidos em tragédias com navios de passageiros deve ser próximo a 80 mil dólares. Mesmo assim, o valor estipulado pela Convenção poderá ser ultrapassado, se as ações enfatizarem bastante as causas do naufrágio, como a negligência operacional e má intenção do Comandante quando retirou o navio da rota de navegação segura.

A ação de indenização deverá ser ajuizada na Itália. É fato, pois a bandeira do navio é genovesa (ITA), o contrato foi realizado no momento da aquisição da passagem, o local do acidente foi na península italiana e o proprietário do navio também é de Gênova (Itália). Advogados norte-americanos impetraram, sem sucesso, uma cautelar para assegurar a competência do caso contra a Carnival Coporation em Miami, mas a Juíza manifestou-se no sentido de afirmar que a competência para julgar o caso é da Justiça italiana.

No caso dos tripulantes, a situação é mais grave. Via de regra, as empresas de cruzeiros contratam tripulantes com uma cláusula no contrato que estipula uma condição desfavorável, isto é, qualquer reclamação de direito deverá ser levada à arbitragem. Nos EUA, os tribunais vêm mantendo essa decisão.

Quanto à responsabilidade civil material e moral, o Artigo 6º da Convenção de Bruxelas, de 1910, disciplina que não existem presunções legais de culpa quanto à responsabilidade pelo abalroamento ou colisão. Contudo, isso não afasta a existência de presunções de fato que serão consideradas e investigadas pelos tribunais com as provas lançadas aos autos. A colisão ocorrida no transoceânico Costa Concordia é de caráter culposo. Nesse caso, a responsabilidade é direta e solidária, tanto do Capitão, como do armador, nada obstante seja resguardado o direito de regresso do armador contra o Comandante. Assim, comprovadas a culpa ou negligência de Schettino, a armadora deverá indenizar os passageiros que sofreram lesões e perdas e as famílias das vítimas. Vale ressaltar que o ônus da prova da culpa ou da negligência incumbe sempre ao requerente.

O seguro básico resguarda os danos materiais e morais para as vítimas sobreviventes. No caso de vítimas fatais, há uma regra que as seguradoras adotam que é a da expectativa de vida do falecido. Nessa equação, calcula-se o restante de vida que ele ou ela poderia ter com base em 2/3 do seu salário, que seria direcionado para a família, uma vez que 1/3 seria utilizado em vida, de forma particular. Se o falecido for desempregado, fixa-se o cálculo no salário-mínimo vigente do país.

Um processo judicial internacional é oneroso, lento e complicado. Ações particulares deverão ser munidas por documentos que comprovem os prejuízos para justificação do pedido indenizatório, e o transtorno psicológico deverá ser ratificado por laudo médico. O importante é não esquecer que, sem prejuízo do pagamento do seguro básico, há sempre possibilidades de maiores indenizações por danos materiais e danos morais. No entanto, um acordo extrajudicial é sempre visto como o caminho mais curto para alcançar a justiça.

As únicas esperanças de respostas concretas para a tragédia estão no Voyage Data Recorders (VDR), a caixa-preta dos navios de passageiros, que geralmente é localizada próximo do Precision Position Finding (DGPS) e do Radar. É nela que estão contidas as gravações das conversas entre a ponte de comando do Costa Concordia e o Porto de Livorno. Segundo informações do Procurador Francesco Verusio, o VDR já foi recuperado, mas a notícia de que há indícios de que o Costa Concordia zarpou do Porto de Civitavecchia com diversos problemas, inclusive com uma caixa-preta danificada desde 9 de janeiro, preocupou o Presidente da CODACONS, Carlo Rienzi. Neste caso, o Comandante não deveria ter autorizado a saída e a navegação do navio.

A desobediência das normas marítimas nacionais e internacionais pelas empresas de cruzeiros marítimos se deve, especialmente, à ambição. Não há política de treinamentos exaustivos, palestras sobre segurança ou contratação de capital humano qualificado para a navegação. No momento em que a vida humana passou a ter um valor pecuniário, o investimento em segurança passou a ser mais um custo obrigatório por imposição legal e não pelo sentimento de preservação humanitária.

O amparo está nos tratados e convenções internacionais e, principalmente, na legislação da bandeira do navio. A tecnologia para navegação marítima também deve ser vista como uma ferramenta estratégica para a segurança dos cruzeiros de turismo marítimos. Entretanto, deve-se ter cautela em não confiar demasiadamente na tecnologia. A solução seria a imposição mais rígida das leis dos portos e da IMO. Isso porque, com um trabalho conjunto, será possível alcançar o objetivo de reduzir os riscos de segurança e aumentar a prevenção de acidentes com navios de passageiros. Até o presente momento, a IMO, o governo italiano e outros Estados membros não se pronunciaram com relação a possíveis mudanças na legislação marítima internacional. Talvez estejam aguardando o desfecho do caso do Costa Concordia para avaliar possíveis mudanças. O que se espera das investigações é que não tomem rumos diversos, pois, com os rumores de problemas de inoperância das cartas náuticas, portas de estanques e caixa-preta com defeito, a Justiça italiana deverá ser eficiente para que esse caso não envergonhe a comunidade marítima internacional.

* Rodrigo Cardoso Silva é advogado, consultor em Gestão de Tecnologia da Informação e Comunicação, professor de MBA na Universidade Católica de Santos (UniSantos) e mestrando em Direito Internacional

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