artigo escrito por Silvio dos Santos, engenheiro civil, opção transportes, formado pela Escola Politécnica da USP
Ao entrar no Mar Mediterrâneo passamos pelo estreito de Gibraltar onde se visualiza os dois continentes: à esquerda a Europa, e à direita a África.
Passagem de intenso tráfego marítimo que na Segunda Guerra Mundial foi importante ponto estratégico defendido por uma fortaleza inglesa nos penhascos de Gibraltar no lado sul da Espanha, que se tornou território pertencente ao Reino Unido. Pelo lado africano temos como destaque a cidade de Tanger.
Minha primeira viagem pelo Mediterrâneo aconteceu quando ainda Segundo Piloto do navio LOIDE VENEZUELA, posteriormente como Primeiro Piloto e Imediato do PEREIRA CARNEIRO e finalmente já como Comandante do navio CORINA.
É um mar menos violento comparado com o Mar do Norte, caracterizado por passagens estreitas, vulcões ainda ativos e frotas de barcos de pesca.
Há locais em que encontramos ventos fortes e mar agitado ao atravessarmos o Golfo dos Leões motivado pelas baixas pressões do Atlântico Norte que atravessam o território francês, quando se navega de Barcelona para Marselha ou vice-versa. Normalmente estes maus tempos acontecem no inverno.
Navegando pelo sul da Espanha escalei em Gibraltar, Granada, Cartagena, Valência, Barcelona e Palma de Mayorca. Na França escalei em Marselha onde próximo a entrada do porto destaca-se a ilha do Chateau D’iffe, famosa pelo castelo relatado na história do Conde de Monte Cristo.
Na Itália escalei em Gênova, porto de famosos transatlânticos, e Marina de Carrara famoso pelo mármore, e porto próprio para pedras de granito descarregadas em grandes quantidades procedente do Brasil, portos estes que ficam no Mar Tirreno.
Durante estadia em Marina de Carrara, por terra tive oportunidade de conhecer o balneário de Viarregio e a cidade de Pisa com sua torre inclinada.
Na direção sul da costa italiana escalei em Nápoles onde ao fundo se destaca o vulcão Vesúvio, aquele que soterrou a cidade de Pompéia.
Durante o verão viajar pelo Mediterrâneo é maravilhoso porque oferece oportunidade de se visitar locais históricos, castelos e ruínas conservadas que encantam os turistas. No meu tempo os navios de carga geral demoravam nos portos dando estas oportunidades, isto sem contar as constantes greves que aconteciam nos portos italianos, principalmente na década de sessenta. Na ilha da Sicília, onde fica o vulcão Etna, escalei no porto de Siracusa.
Em algumas viagens pelo Mediterrâneo naveguei pelo estreito de Bonifácio que fica entre as ilhas de Corsega (França) e Sardenha (Itália), bem como estreito de Messina entre a ilha da Sicília e o continente italiano. Na Sardenha escalei no porto de Cagliari. Tive oportunidade também de navegar próximo ao vulcão Strombole situado na ilha de mesmo nome.
Também é intenso o tráfego de ferry-boats cruzando em várias direções, principalmente ligando o continente as várias ilhas, sendo que no estreito de Messina apesar do trecho ser pequeno, observei os mais velozes ferries fazendo a travessia.
Passando pelo sul da Itália, e já na costa leste subimos pelo Mar Adriático com destino às cidades de Trieste e Veneza.
Determinada época do ano em Trieste sopra um vento muito forte chamado BORA que obriga os navios a reforçar amarração no cais até com correntes das âncoras.
Nas ruas da cidade existem verdadeiros corrimões de corrente para o pessoal se segurar durante os dias de vento forte.
Veneza pela sua característica marcante é recortada de canais e prédios históricos e todo transporte é feito por embarcações onde se destacam as gôndolas.
Em direção ao porto, após entrada do quebra-mar que protege a cidade, o navio passa pelo Grand Canale bem em frente a Praça de São Marco e o palácio dos Doges, principal ponto turístico da cidade.
De volta ao sul ainda no Mar Adriático escalei na Iugoslávia, no porto de Rijeka que hoje pertence a Croácia. No inverno venta muito no Adriático bem como neva com facilidade, e que devido refração algumas vezes os navios apareciam acima do horizonte, bem como os alcances dos faróis vão muito além das distâncias previstas.
Situada no extremo leste do Mediterrâneo, Beirute praticamente não há variação de maré. Para Beirute transportávamos sacos de café onde tinha entreposto do IBC que distribuía para todo Oriente Médio.
Tive oportunidade de conhecer o Cassino do Líbano palco de grandes shows e salões de jogos suntuosos, na época visitado por sheikes e magnatas.
Com destino a Istambul e navegando pelo arquipélago grego do Mar Egeu entramos no estreito de Dardanelos, famoso local de batalha entre ingleses e turcos, onde a visita das autoridades turcas é feita com o navio navegando, e o Imediato desce para a lancha com documentos, para liberação do navio em águas turcas.
Em seguida entramos no Mar de Mármara e algumas horas depois visualizamos a cidade de Istambul destacando-se a mesquita de Santa Sofia com suas minaretas.
Do lado oposto ao continente europeu, em destaque vemos a histórica cidade de Constantinopla que fica no continente asiático. É intenso o tráfego de embarcações entre as duas cidades.
O estreito de Bósforo inicia-se em frente a Istambul, passagem obrigatória para o Mar Negro, também de intenso tráfego de navios com destinos a portos da Bulgária, Romênia e Ucrânia.
De volta pela costa Norte da África escalei na Tunísia nos portos de Sfax e Tunis. Na entrada do porto de Tunis avistei uma cidade diferente com casas pequenas todas brancas estilo mediterrâneo, e o Prático me informou que era Cartago, então me lembrei do meu tempo de escola onde aprendi que os cartagineses atravessaram o Mar Mediterrâneo para batalhar com os romanos do outro lado.
Realmente viajar pelo Mediterrâneo é reviver a história dos povos antigos, ver vulcões ainda em erupção, maravilhas de arquipélagos, passagens estreitas e cidades famosas e de bastantes contrastes, tudo isto proporcionado pela oportunidade de ter iniciado minha vida no mar por outra escola chamada Lloyd Brasileiro, onde os navios variavam de linha dando-me oportunidade de conhecer e navegar em diferentes mares deste planeta.