escrito por Frederico Bussinger, ex-secretário de transportes do Estado de São Paulo, presidente da CPTM e SPTRANS e diretor do Metrô/SP
“Insanidade
é continuar fazendo sempre a mesma coisa
e esperar resultados diferentes”
[Albert Einstein]
O transporte público nas cidades brasileiras, particularmente nas grandes metrópoles, está numa verdadeira sinuca de bico! Numa encruzilhada!
Mais qualidade dos serviços, menores despesas para os usuários e mais transparência na gestão entraram definitivamente na agenda. E tudo reivindicado ao mesmo tempo! As duas primeiras são de difícil compatibilização; só factível ante um enorme aumento da eficiência sistêmica (algo também difícil e inviável de bate-pronto) e/ou um novo padrão de financiamento do setor.
Transparência, todavia, além de previsão constitucional, tornou-se imprescindível e inadiável, até mesmo para que se possa avançar e alcançar melhores soluções de compromisso para os objetivos daquele binômio (qualidade-despesas). Além do mais, não há barreiras instransponíveis para praticá-la. Pelo contrário, há diversos instrumentos e modelos para tanto. Um exemplo, ainda que embrionário, é a “Comissão de Acompanhamento da Conta Sistema”, criada em SP em 2006 (e redesenhada na regulamentação de 2013) com o objetivo de fazer, periodicamente, e de forma participativa, uma análise de desempenho econômico-financeiro do sistema paulistano, sugerir ajustes e divulgar resultados.
O desafio, assim, segue sendo compatibilizar (mais) qualidade e (menos) despesas para o usuário!
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Habitantes de São Paulo convivem diariamente com trens e metrôs superlotados
Os secretários de transporte vêm de se reunir em Curitiba em busca de soluções. O Fórum Nacional de Prefeitos tem agenda marcada para 19 de maio próximo em SP: O tema é central na pauta.
A questão urgente, urgentíssima, é cobrir os déficits potencializados pela revogação dos reajustes de 2013 e congelamentos tarifários desde então: A inflação praticamente já “comeu” todas as desonerações tributárias concedidas pós-manifestações e os passivos crescem aceleradamente; ora aumentando prejuízos das empresas estatais operadoras (01, 02), ora demandando mais subsídios. Há algumas alternativas que estão em análise mas, certamente, aquela mais à mão é a redefinição da alíquota da CIDE, criada pela Lei nº 10.336/2001, hoje zerada, destinando-se parte dela ao transporte público.
Mas a dramaticidade do quadro demanda, também, medidas estruturantes; de médio e de longo prazo. Medidas que, inclusive, alterem o modus operandi vigente de planejar e gerir os transportes públicos; a mobilidade nas nossas cidades, de uma forma geral.
Aqui 4 temas/idéias/propostas como subsídio às reflexões que se impõem:
1. A busca soluções normalmente se concentra no aumento de OFERTA: Com sistemas saturados, principalmente no horário de pico, e a necessidade de se aumentar a participação do transporte coletivo na matriz de transportes para enfrentar os congestionamentos crescentes, certamente aumento de OFERTA é imprescindível. Mas, como a história brasileira já o demonstrou, todo aumento de OFERTA, implementado isoladamente e “atrás da DEMANDA”, tem prazo de validade curto. Assim, em paralelo seria desejável explorar-se:
a. A (tão discutida e pouco praticada!) gestão da DEMANDA: Redução da necessidade de deslocamentos + redução das distâncias percorridas + redução dos fatores de pico (distribuição temporal da demanda), etc. etc. P.ex.: Implantação de mega-conjuntos habitacionais em longínquas periferias, sem geração compatível de postos de trabalhos na mesma região, já sabemos, é insustentável!
b. Por que a OFERTA tem que sempre vir no rastro da DEMANDA? Por que não a geração de OFERTA estruturante; ou seja, onde inexiste ou é insuficiente a DEMANDA (induzindo-se, assim, uma DEMANDA com outro perfil).
2. “No Brasil falta planejamento”; é bordão corrente! Mas que planejamento? Normalmente o foco é o PLANO... apenas. E este, restrito ao O QUE ser feito. E este, não raro, mero rol de IDÉIAS, SUGESTÕES e PROPOSTAS desarticuladas ou, o mais comum, um conjunto (ou sincretismo?) de PROJETOS, “embalados para presente” e etiquetados como PLANO:
a. Tão importante quanto o PLANO é seu PROCESSO de elaboração: É ele que pode facilitar a geração de COMPROMISSOS; essencial para que os PLANOS saiam das gavetas e tenham maior chance de se tornar realidade.
b. Tão importante como O QUE é o COMO: “Meu plano era bom... só faltou dinheiro!”; “o plano era bom, mas não conseguimos licença ambiental!”; “meu plano era bom... mas faltou vontade política”, são álibis e explicações frequentes para insucessos. Não! Se o plano não levou em consideração fontes de recursos, e/ou variáveis ambientais e/ou o processo decisório, p.ex, desculpe: O PLANO não era bom! Ou, talvez, nem sequer pode se considerar um PLANO.
c. PROJETOS, evidentemente, são necessários. Mas, sem que se tenha claro quais são as PREMISSAS e os OBJETIVOS e, a partir deles, o PLANO, em si, grandes INVESTIMENTOS podem até resultar não na solução de problemas: Muitas vezes, ao contrário, na necessidade de re-trabalhos e/ou na geração de outros problemas, evitáveis (quando, não raro, no agravamento daquele pré-existente!).
d. A métrica da AÇÃO não pode, portanto, ser, apenas, VOLUME DE INVESTIMENTO: INDICADORES de RESULTADOS, associados aos OBJETIVOS, devem ser estabelecidos e monitorados... periodicamente.
e. E o que seria óbvio, mas não custa relembrar: PLANOS são para serem EXECUTADOS!
3. Está mais que claro: Não dá para se bancar o custeio do transporte público (de qualidade!) apenas com tarifas e sincopadas dotações de orçamentos públicos. Investimentos, então... menos ainda. Não é possível (talvez nem justo!) que usuários banquem, sozinhos, os novos padrões. Os beneficiários, aí incluídos, principalmente, os empregadores (que, de certa forma, já participam do “Vale Transporte”), os concedentes de gratuidades (idosos, estudantes, etc.) e os usuários de transporte individual (que também se beneficiam de um transporte público de boa qualidade) devem participar do “funding” do setor. É o que se vê nos países desenvolvidos, seja por óbvias razões sociais mas, também, por motivações ambientais e urbanas.
4. PREFEITO 3 em 1: Todos sabemos, um prefeito (em outro grau mas, também, o GOVERNADOR) é um zelador e/ou um síndico de um condomínio. Ele tem a responsabilidade de GERIR as áreas e os serviços comuns. Mas, um bom prefeito, é (ou deve ser!) o LÍDER de uma COMUNIDADE e o PORTA-VOZ de uma SOCIEDADE ... além-muros. E, nesse momento, com tais desafios no tocante ao transporte público, as duas últimas FUNÇÕES/PAPÉIS são tão ou mais importantes que a de GESTÃO. Isso porque mudanças dessas dimensões demandam mobilização e envolvimento de USUÁRIOS e da POPULAÇÃO em geral. E, por outro lado, a participação dos 3 níveis de poder; seja com ações legislativas, seja com recursos financeiros diretamente.
Muito oportuna a sabedoria chinesa e grega: “Diante de impasses, mais importante que procurar resolver o problema, é formulá-lo de forma diferente”.