Sexta, 29 Março 2024
“Esse rio é minha rua,
Minha e tua, mururé.
Piso no peito da lua,
Deito no chão da Maré.
..........
Pois é, pois é...
Eu não sou de igarapé.
Quem montou na cobra grande
Não se escancha em puraqué

[“Esse rio é minha rua”
Paulo André Barata
Poeta e compositor paraense]

Caso-1: Década de 30 (do século passado!). Os USA viviam o período mais duro da grande depressão. Marcas de pobreza se tornavam visíveis em diversas regiões do País. Mobilizações sociais pipocavam por diversas partes, cada vez mais intensas. Procurando dar respostas, o Presidente Roosevelt lançou o seu “New Deal”; um arrojado plano para alavancar a economia, retomar o crescimento e enfrentar os problemas sociais. E os rios foram “convocados” a dar sua contribuição... Primeiro a bacia do Tennesse, depois do Mississipi, mais amplamente.

Como um dos componentes do plano foi criada, em 1933, a “Tennesse Valley Authority – TVA”, uma agência com a missão de implementar e gerir um programa integrado de “uso múltiplo das águas”: Geração de energia, navegação, controle de cheias, irrigação, pesca, lazer, etc. Para tanto foram feitas inúmeras intervenções infraestruturais e implantados reservatórios, hidrelétricas, canais, eclusas, etc. etc. Os resultados econômicos e sociais não tardaram a ser sentidos. Ambientais também.

A TVA, inicialmente contestada por setores da sociedade, segue existindo e passou a ser normalmente apresentada como um case de sucesso.

Foto: Governo do Tocantins

Hidrovia é instrumento de escoamento de produção e logística pouco utilizado no Brasil

Caso-2: Passada a II Guerra Mundial, o norte da Europa tinha vastas zonas destruídas. A região de Flandres (Bélgica), território por onde passaram quase todos os povos hegemônicos nos últimos milênios, não tendo ficado imune aos então recentes bombardeios, se deu conta que seu reputado “linho belga” e a dinâmica indústria siderúrgica (berço das pioneiras inoxidáveis “placas de flandres”!) poderiam estar comprometidas ante concorrências de emergentes (particular e respectivamente Oriente Médio e Extremo Oriente).

No planejamento estratégico para ressurgimento da região, priorizou-se a construção de um porto moderno em Ghent: Navegação sempre houve nos pequenos rios da região desde os séculos XII e XIII mas, agora, para tal fim, seria preciso desenvolver um porto para receber os grandes navios, graneleiros e conteneiros.

Mas havia um problema: Ghent está a mais de 60 km do Mar do Norte! Uma dificuldade; mas não um obstáculo instransponível. Os pequenos rios foram retificados, alargados, derrocados e dragados para serem convertidos em uma moderna hidrovia conectando (a interiorana Ghent) ao Mar do Norte; e viabilizando não um dos maiores, mas um dos mais dinâmicos portos europeus nesse último meio século. Ah! E isso aconteceu em meio à constelação de 10 grandes e tradicionais portos do norte da Europa!

De novo os resultados econômicos e sociais não tardaram a serem sentidos. Ambientalmente também. E, certamente, a população flamenga está muito satisfeita com a opção estratégica adotada para implantação do seu “friendly port” (porto amigável); tanto com o seu entorno, como com seus clientes.

Caso-3: 80 anos depois da “Grande Depressão”, o mundo voltou a se assustar com a crise deflagrada pelos “Subrime” no final de 2008. A lembrança e analogia com os anos-30 foi generalizada. Isso não deteve, todavia, a Europa, um dos epicentros da crise, de seguir em frente com seu “White Paper” (plano diretor de transportes continental com horizonte 2050), anunciado em 2011. Coincidentemente os rios também estavam lá presentes. Vale destacar:

i. O projeto das “auto-estradas do mar” (“Motorway of the Sea”), plano intermodal visando integrar diversos mares europeus e permitir embarcações de navegarem, indiferentemente, no oceano e nos espelhos d´água interiores (rios, lagos e canais).

ii. O acalentado plano de ligação dos rios Sena e Scheldt (Países Baixos) foi desengavetado e desenvolvido. Trata-se de um empreendimento de mais de quase € 5 bilhões, com particulares cuidados ambientais e com as urbanizações lindeiras, que permitirá a navegação entre Paris e Londres (duas cidades interioranas)! Esse “hidrosonho” foi inicialmente anunciado para estar totalmente concluído em 2020. Mas, para surpresa de muitos, em seminário promovido pela ANTAQ em 2012, os dirigentes europeus anunciaram que o cronograma estava adiantado (isso mesmo, a-di-an-ta-do!): Alguns trechos já tinham sido concluídos e inaugurados, e o conjunto deverá estar concluído em 2018.

E esse é apenas um dos projetos de construção de mais 10.000 km de novos canais artificiais; aumentando em mais de 1/3 a malha hidroviária existente no continente europeu (de mais de 28.000 km – 10.000 de canais, em implantação desde os romanos!). Ah! E isso está acontecendo sobre um território consolidado e fortemente conturbado!

Pode ser até coincidência... Mas as evidências são fortes!

... e, certamente, os acadêmicos não terão grandes dificuldades para comprovar e quantificar tantas evidências dessa associação entre projetos hidroviários e planos de desenvolvimento regional. E, mais amplamente, projetos de infraestrutura aquaviária, particularmente se dentro do conceito de planejamento e gestão integrada de “uso múltiplo das aguas”.

Enquanto isso... seguimos por aqui tendo que enfrentar obstáculos (muitas vezes quase intransponíveis!) para desenvolvimento das nossas hidrovias. Foi o que aconteceu recentemente em Piracicaba (extensão da Hidrovia do Tietê por seu afluente) (01, 02); anteriormente no Paraná (derrocamento para ampliação do canal de Guaira); por anos para a construção da Eclusa de Tucuruí (Rio Tocantins) e, agora, para derrocamentos e desassoreamentos complementares; nos aproveitamentos do Tapajós-Teles Pires... e tantos outros que retardam a plena utilização dos nossos “5 Mississipis”... com prejuízos econômicos e, ironicamente, também ambientais.

Fala sério!

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