“…aprende depressa a chamar-te de realidade,
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”.
Sampa – Caetano Veloso
“Não importa a cor do gato, desde que ele pegue o rato”.
Deng Xiaoping
Confesso a ignorância: nunca ouvira falar do Porto de Nansha, na China. Mas, infelizmente, não estou só. Quando retornei de viagem, relatei minha experiência impactante a mais de meia centena de membros ranqueados da nossa comunidade portuária, e não encontrei um só que o conhecesse!
O porto, vizinho dos poderosos Hong Kong e Shenzhen, na região de Guangzhou (tradicional porta para o comércio internacional com a China, berço das duas guerras do ópio e hoje centro industrial), foz do Pearl River, estabelecido em 2006 e em operação há cinco anos e, já em 2012, movimentou 9,49 milhões de contêineres (50% mais que todo o Brasil, em conjunto). Sua implantação exigiu investimentos bilionários, incluindo a dragagem de um canal de 35 km, com 17 metros de profundidade e a construção de uma ilha artificial (isso mesmo!) de 1.000 ha (10 milhões de m2); 410 ha só para o porto!
O empreendimento envolve um estaleiro, uma área para granéis e outra para contêineres. Esta tem duas fases concluídas (10 berços; 4,1 km; 15,5 m de profundidade) e uma terceira em implantação, que deverá elevar a capacidade do porto para 20 milhões de contêineres/ano. Na retroárea contígua, um “Parque Logístico”, a meio caminho de uma “Zona de Processamento para Exportação - ZPE”.
Uma agência municipal (tipo de “autoridade portuária”) foi responsável pela concepção e implantação, e ora gere o empreendimento, enquanto os dois terminais de contêineres são operados por dois gigantes internacionais: APM Terminals e Cosco. Ou seja, um modelo muito alinhado com o mais tradicional landlordismo europeu.
* Confira apresentação do Porto de Nansha - edição Frederico Bussinger
Ainda refletia sobre a impactante experiência oriental quando foi divulgada uma notícia aparentemente inusitada. Em síntese: “O conselho de comissários de Virgínia (USA) rejeitaram duas ofertas bilionárias para privatizar terminais portuários e optaram por desenvolvê-los através de agências públicas”. (1), (2), (3), (4), (5). Uma delas, da mesma APM Terminals, parceira dos chineses em Nansha...
A decisão ainda não é final, pois ainda depende da ratificação do governador. Mas por contrariar o senso comum, dá o que pensar. Mais ainda pelas motivações, explicitadas no comunicado oficial (trechos): "...parceria público-privada deve ser julgada pelo potencial de criação de valor real e substancial para o público”.... "Hoje, o conselho avaliou que não é do interesse da comunidade entregar a uma única empresa o controle operacional de um dos ativos mais valiosos da Virgínia”.... "Os contribuintes fizeram investimentos significativos ... que devem visar expandir suas operações, criar empregos para os virginianos e impulsionar a economia do nosso Estado”.
Intrigantes; não? Complexo; não? Este business não é mesmo para amadores! Não comporta improvisações!
Duas experiências que merecem reflexões no momento que o Brasil discute seu modelo portuário para o futuro próximo...