Como foi o maior valor de outorga que acabou decidindo os 3 recentes leilões para arrendamentos portuários no Porto de Santos, as outras parcelas (02, 03) praticamente passaram despercebidas. Rigorosamente, o comprometido para pagamento das outorgas representa, somente, menos de 21% do total:
A maior parcela é a que será paga à Coesp, Administradora Portuária do Porto de Santos – uma típica “Receita Patrimonial”: R$ 1,03 bilhão; cerca de 50% do total (distribuídos ao longo do período contratual).
A título de comparação com o exercício de 2015, esse valor equivale a:
* 2,2 anos das receitas auferidas com “Venda de Bens e Serviços” (R$ 475,5 milhões).
* 2,6 anos das “Receitas Patrimoniais” (R$ 395,8 milhões).
* 3,2 anos dos “Dispêndios com Pessoal” (R$ 317 milhões).
* 4,8 anos de “Investimentos” (ou, quase 20 anos se considerados, apenas, “Investimentos com Recursos Próprios”!).
Ou seja, sob qualquer critério analisado, é um resultado a ser efusivamente saudado por uma Administração Portuária que vinha enfrentando, nos últimos anos, dificuldades (01, 02, 03, 04) para se custear (aliviadas com a autorização para reajuste tarifário, parcial, em meados deste ano).
Tais dificuldades são/eram ainda mais intrigantes porque, apesar da crise brasileira, as movimentações do Porto de Santos apresentarão crescimento (de valor e, também físico!) neste 2015 (possivelmente até superando seu recorde anual anterior, batido em 2013!).
Portanto, só alegria; certo?
Sim ... e não!
Se tais recursos forem destinados a investimentos, particularmente na infraestrutura básica (“facilities” e “utilities”: canal, avenidas, linhas de transmissão, redes de água e esgoto, fibra ótica, estradas, ferrovias, etc.), com grande probabilidade. Mas, se ao contrário, eles forem utilizados para subsidiar despesas de custeio, apenas, muito remotamente.
Isso porque, i) se todo o valor da outorga ofertado for destinado ao Tesouro (como contribuição para “fechar as contas” do Governo Federal), e ii) se a parcela da CODESP for empregada no custeio, de onde virão os recursos para os (imprescindíveis) investimentos na infraestrutura básica?
Insista-se: Há uma ideia/visão, arraigada, de que arrendamento transfere a responsabilidade por investimentos ao setor privado. Mas ela é, apenas, parcialmente verdadeira; como também o é no setor de saúde: É consagrada a síntese de que, cada R$ 1,00 investido em um hospital demanda outro R$ 1,00 (só que por ano!) para sua manutenção e operação (ou seja, para seu custeio!).
Analogicamente, por ser porto um complexo, um “shopping center”, uma “PPP implícita” (02), ainda que se desconheçam estudos e estatísticas detalhadas e confiáveis, para cada R$ 1,00 de investimento do setor privado no terminal (arrendado ou autorizado) pode-se dizer haver a necessidade de algumas dezenas de centavos de R$ na expansão ou implantação de infraestruturas básicas (de uso comum)!
Qual seria, então, tal investimento para fazer face aos R$ 608 milhões de investimentos, nos terminais - compromisso (mínimo!) dos 3 contratos de arrendamento leiloados? Ainda que não seja de imediata quantificação, certamente serão dezenas (ou centenas!) de milhões de R$; não? E, de novo: De onde virão?
Mas há uma segunda implicação (caso a remuneração prevista para a CODESP tome o rumo do custeio): Na prática, esse encaminhamento significaria um subsídio tarifário. Ou seja: As tarifas portuárias, que, em princípio, deveriam cobrir as despesas de custeio, em sua totalidade, estariam sendo sub-definidas (dado que, uma parcela das despesas de custeio estaria sendo coberta pelas remunerações auferidas pela CODESP nos 3 contratos de arrendamento recém-leiloados).
No caso de Santos, isso talvez não seja muito grave, pois os TUPs existentes (e a existir!) no estuário santista também estariam sendo, de alguma forma, beneficiados.
Mas, se adotada como política, essa prática talvez gere grandes distorções; visto que poderia equivaler a uma forma de “dumping”: i) de portos com mais arrendamentos (número e receita auferida) em relação a outros no mesmo “mercado relevante” (02), porventura com menos; ou ii) das operações realizadas dentro (da Poligonal) dos “Portos Organizados” em relação às de TUPs contíguos. É o caso, p.ex, da dezena de TUPs implantados (em implantação e previstos) na região amazônica (Pará; em particular). Em ambos os casos, com grande probabilidade de (mais uma!) série de judicializações no setor portuário brasileiro!
Assim, se é alegado que TUPs têm vantagens comparativas (p.ex.: não-obrigação de requisição de avulsos nos OGMOs, contratos praticamente por tempo ilimitado, não obrigação de pagamento de outorga ou de remuneração de arrendamento – ou pelo uso da área, possibilidade de proporcionalidade tarifária, etc, etc) em relação aos terminais arrendados em Portos Organizados (ainda que compartilhando infraestrutura de acesso e outras infraestruturas), este caso poderia representar, ao contrário, desvantagens comparativas.
Qual a resultante líquida? Difícil dizer-se! E, principalmente, difícil generalizar-se para todas as situações, Brasil afora; pois os impactos tendem a ser heterogêneos – tema que mereceria ser estudado com mais profundidade: Fica a dica para mestrandos, doutorandos, ou tema para institutos de pesquisa!
E, lógico; o mais provável é que o desiderato do “ambiente concorrencial em bases isonômicas”; que seria bom que fosse a bandeira maior do nosso modelo portuário, tenderia a ficar ainda mais distante.
Há alternativa?
A forma de se enfrentar tais riscos é separar-se os orçamentos, as contas e os balanços das administrações portuárias em, pelo menos, 2:
i) Uma envolvendo “Receitas Tarifárias” e “Despesas de Custeio”: Tais valores deveriam ser equilibrados no médio longo/prazo (admitidos, apenas, eventuais desequilíbrios transitórios); e
ii) Uma outra, que geriria as “Receitas Patrimoniais”, particularmente as “Remunerações de Arrendamentos” (como os R$ 1,03 bilhão da CODESP, com os 3 leilões): O valor líquido dessa conta (descontadas “despesas administrativas” para gestão dos contratos e dos “ativos”) seria destinada a um tipo de “fundo”, que se encarregaria dos “investimentos” na infraestrutura básica. Tal fundo poderia receber aportes de outras fontes; inclusive do próprio OGU, de orçamentos estaduais e municipais.
Fundamento? Claro que há (01; 02; 03; 04; 05):
REMUNERAÇÕES (de arrendamentos) são: i) Específicas e particulares para cada ativo; ii) Advindas de propostas (vencedoras) em processos licitatórios (concorrência ou leilão), a partir de valores mínimos; iii) Fixadas para o longo prazo, inclusive com seus critérios de reajustes; iv) Consagradas em contratos.
TARIFAS (pagas às Administrações Portuárias pelo provimento de “infraestrutura básica” e “serviços condominiais”), por sua vez, são: i) Universais, para todos os usuários/clientes (operadores, arrendatários, armadores, etc.); ii) Estabelecidas com um duplo olhar: custos próprios e valores congêneres praticados pelos portos concorrentes, especialmente os do denominado “mercado relevante”; iii) Possíveis de serem revistas periodicamente.
Pedindo licença àquela famosa marca esportiva por parodiá-la; “Just-do-it”!