Domingo, 24 Novembro 2024

Pontos-chave:

1) Concorrida Audiência Pública discutiu modelo delegação de canais de acesso aos portos.

2) Ante as dificuldades do modelo vigente, iniciativa da SEP foi unanimemente saudada.

3) O modelo de “condomínio portuário”, via SPE envolvendo arrendatários, TUPs e operadores, é uma alternativa (com vantagens!) à concessão.

“O olho do dono
engorda o gado!”
[Dito popular]

O auditório do BB em São Paulo foi pequeno para a Audiência Pública de mais de 3 horas, convocada pela SEP, para “obter contribuições sobre o modelo de concessão dos canais de acesso dos portos organizados”; organizadas em 7 grupos: Objeto; prazo; critério de licitação; composição do concessionário; remuneração; regulação e fiscalização; ativos.

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O Min. Edinho Araújo, que faria apenas a abertura do evento, acabou presidindo-a até o final. Iniciou por acatar proposta de prorrogação, por 20 dias, para apresentação das contribuições (inicialmente previsto para 19/ABR).

Duas unanimidades: A saudação à iniciativa do Ministro, de abrir o debate, e a irresignação em relação aos entraves que, principalmente o Porto de Santos, vêm encontrando para fazer até a dragagem de manutenção. Algo à lá Gonzaguinha: “Não dá mais pra segurar, explode coração...”.

Sinopse:

Dirigentes sindicais, invocando “acordos feitos com o Governo Federal” durante a tramitação congressual da MP-595, e utilizando exemplos internacionais, questionaram a opção do poder público de delegar a dragagem; e, mais amplamente, a gestão da infraestrutura aquaviária. Para comprová-lo, e interpretando que o objeto em discussão é “parte” do porto organizado, lembraram que o § único do Art. 4º da MP fora retirado da lei resultante (Lei nº 12.815/13): “O contrato de concessão poderá abranger, no todo ou em parte, a exploração do porto organizado e sua administração”. 

“Entre os 10 maiores portos do mundo, me apontem que Autoridade Portuária abre mão da dragagem!”; desafiou conselheira do Porto de Paranaguá. O representante da Jan de Nul, empresa luxemburguesa de dragagem, entre as maiores do mundo, apresentou, como benchmark, o modelo/contrato que a empresa tem na Argentina com os usuários: garantia de profundidades pré-definidas e remuneração diretamente por eles. O representante da Aliança questionou-o sobre a existência de outros casos semelhantes ao argentino: Ante a negativa, recomendou cautela e melhor análise de tal modelo.

O representante da Bandeirantes, tradicional e empresa de dragagem brasileira, lembrou das dificuldades para uma empresa brasileira de dragagem sobreviver ante as “5 grandes” internacionais. Registrou, também, que o contrato argentino é “um dos melhores que a empresa tem no mundo”; que, ao contrário do que se imagina, nos USA apenas 15% da dragagem é realizada pelo Corpo de Engenheiros do Exército (o resto por empresas americanas); e que a dragagem na França, estatal, é desorganizada e uma das mais caras do mundo – mas que os franceses aceitam pagar. Lembrou, também, que “a legislação deles, lá, é uma; a nossa é outra!”.

Diretor da praticagem de Santos enfatizou a necessidade de estudos hidrodinâmicos, pois “o navio tem 3 dimensões, das quais a profundidade é, apenas, uma delas”. Exemplificou com o recente caso de Natal-RN, onde navios de cruzeiro não podem acessar o recente e moderno terminal portuário turístico, vez que a ponte, também recém construída, não atende ao “calado aéreo” de tais navios. Engenheiro da CODESP lembrou que material de assoreamento pode ser direcionado e/ou retido antes de chegar ao estuário (reduzindo a necessidade de dragagem): Basta voltar a serem utilizadas diversas obras de engenharia que foram abandonadas no passado recente.

Condomínio Portuário:

Como alternativa ao modelo de concessão, e ante o pressuposto de que é opção do Governo Federal delegar à iniciativa privada a gestão dos canais de acesso, ao menos dos principais portos brasileiros, detalhei e desenvolvi a proposta de condomínio portuário, apresentada no artigo anterior:

Três registros iniciais: i) Evidentemente que debate similar dificilmente estaria ocorrendo em algum país que tenha consolidado o centenário modelo “landlordista” (gestão descentralizada; portos autônomos). ii) Santos tem tido problema; é verdade. Mas o não-dragar não é regra geral. P.ex.: O Porto do Itaqui-MA, conforme informações veiculadas em seu stand na Intermodal, esta semana, vem de concluir dragagem de médio porte: Licitada, submetida a Tribunal de Contas, contratada “por resultado”, dentro de preços e prazos estabelecidos; em processo que, entre a licitação e conclusão demorou pouco mais de 6 meses: Algo a ser analisado; não? iii) Aparentemente inexiste modelo único que atenda, adequadamente, às demandas e condições de todos os portos brasileiros.

  1. Modelo (do condomínio portuário): i) Uma SPE para gestão do objeto que vier a ser definido. ii) Sócios: Arrendatários e TUPs que compartilham a IEB (obrigatório) e operadores (facultativo). iii) Permanentemente aberto ao ingresso e novos sócios e saída, quando um arrendatário ou operador deixar de sê-lo: Analogicamente a escritórios de advocacia e empresas de consultoria. iv) Governança previamente estabelecida (p.ex.: Nivel-2). v) Se necessário, e para aspectos específicos e previamente definidos, “Golden-Share” do Poder Público. vi) Como salvaguarda adicional, particularmente para os “pequenos”, celebração de acordo de acionista (art. 118 da Lei nº 6.404/76 – “Lei das S/As”). vii) Participação acionária: Segundo critério a ser definido, proporcional a variáveis tipo movimentação, investimentos feitos, embarcações atendidas... ou combinação delas.
  2. Pressuposto: Canais de acesso são parte da infraestrutura aquaviária; e, esta, da infraestrutura básica – IEB de todo e qualquer porto. A IEB é “matéria-prima”, “insumo”, para a operação. Portanto, há um liame, uma correlação direta entre as condições da IEB e o funcionamento, produtividade, eficiência, custos, competitividade... de operadores e terminais. Em última instância, para cumprimento de condições estabelecidas nas autorizações (de operadores) e contratos (de arrendamento).
  3. Lógica: Como “o olho do dono engorda o gado”, é de se supor que arrendatários e operadores estejam sincera e profundamente interessados em que as condições da IEB estejam, permanentemente, dentro de condições pré-definidas.
  4. Caminho/construção: i) Nessas condições, não se poderia considerar tal gestão, ao invés de algo a ser explorado, um direito, como uma obrigação acessória (do arrendamento e/ou da operação)? (Importante lembrar que tais contratos foram, na sua grande maioria, licitados. E, os que não o foram, recepcionados como tal pelos órgãos de controle) ii) E, como tal: Para as novas licitações de arrendamento, já ser incluída nos editais; e, para os existentes, prescindindo-se de licitação, ser incluída, via aditamento, como obrigação (a se avaliar a necessidade ou não reequilíbrio econômico-financeiro).
  5. Objeto: Salvo engano, o que se discute, e o Governo Federal decidiu delegar é, apenas, a execução dos serviços. Em última instância, a gestão da IEB (ou de parte dela): i) A definição de profundidades de canais (inclusive aprofundamentos previstos ao longo do tempo), p.ex., assim como todas as demais condições da IEB, seguirão sendo estabelecidas pelo “sistema de planejamento” (PNLP, PGO, Plano Mestre e PDZ). ii) Administração Portuária seguirá desempenhando suas funções (art. 17 da Lei). Assim, p.ex., em articulação com a MB, seguirá se responsabilizando pela conformidade dos serviços ante o especificado (divulgação da profundidade; p.ex). iii) De igual forma, SEP e ANTAQ nas suas funções fiscalizadoras e regulatórias. Em síntese: Não se trataria de um “cheque em branco”; certo?
  6. Abrangência: Desde logo, manutenção das condições vigentes. Aprofundamento e outros “up grades”, a se avaliar – mas possível.
  7. Modelo econômico-financeiro: Auto sustentabilidade. Ou seja; as receitas decorrentes de tarifas/remunerações devem cobrir o custeio. Investimentos para aprofundamento e outros “up grandes”, como regra geral a serem feitos com recursos públicos; não se descartando, todavia, assunção pelos sócios de parte de projetos comuns ou de obras específicas.
  8. Tarifação: Em princípio, visando à celeridade, manutenção da sistemática (modelo) vigente. Valores: Definidos de acordo com orçamentos periódicos.
  9. Rateio/Partilha (de receitas): i) A Tabela-I, um tipo de “pedágio aquaviário”, remunerando o uso da IEB. ii) Importante lembrar, porém que, ao contrário do que muitas vezes se ouve, ela não remunera, apenas, os custos de dragagem, sinalização e balizamento: Como as demais tabelas da Estrutura Tarifária, ela inclui um percentual de “overhead”; um adicional, para cobrir os custos que a Administração Portuária tem, inclusive legalmente, para gerir o “shopping center” (que é o porto organizado). iii) “Eh! Não sei como a CODESP poderá abrir mão de R$ 300 milhões/ano”, ponderou um dirigente empresarial na roda do café da Audiência Pública – preocupação também externada pelo Ministro.
  10. Vantagens do condomínio portuário sobre a concessão (as principais): a) Um e outro têm, em comum, a virtude de reduzir assimetrias concorrências entre os privados que estão dentro dos portos organizados (arrendatários e operadores) e aqueles privados que não compartilham de IEB dos portos organizados (TUPs); b) O condomínio portuário, todavia, tem a vantagem de não introduzir um novo ator (“player”) no porto organizado (o concessionário); mormente em área tão sensível: Uma (importantíssima!) interface a menos! c) Na concessão riscos e estimativas (físicas e econômico-financeiras) precisam ser previamente definidos e pactuados. Neste caso, como os usuários (ou seus prepostos) são também os sócios da SPE, os ajustes podem ir sendo feitos gradativamente; ao longo do tempo, conforme a necessidade. Ou seja: É como se o modelo embutisse um gene/instrumento auto-regulatório.

E, talvez, o mais importante ante as agruras e impotências explicitadas: A possibilidade de se prescindir de licitação para tal outorga:

A razoabilidade do modelo é tão patente, como pode ser observado pelas manifestações na concorrida Audiência Pública desse 9/ABR, que seu caminho para legitimação, salvo engano, não parece complexo: E ambas, como aprendemos com os “operadores do direito”, essenciais para a construção de sua legalidade... e para que a inércia seja rompida.

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