"Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa
e esperar resultados diferentes”
[Albert Einstein]
APM Terminals, arrendatária no Porto de Itajaí, “devolve área”. CCR, concessionária de transporte aquaviário na Baía da Guanabara, “devolve concessão” (02, 03).
Incompetência? Falta de “bala na agulha”? Difícil cogitar-se: A APM Terminals, parte do grupo da Maersk (o maior armador mundial), opera 174 ativos (concessões) em 58 países. A CCR, tida como “uma das maiores empresas de concessão de infraestrutura do mundo”, é a maior concessionária rodoviária brasileira, atuando também em metrôs e aeroportos, no Brasil e no exterior.
O que está havendo, então?
Entender as razões de decisões estratégicas desse tipo é crucial, mormente nessa antevéspera da publicação de editais dos primeiros arrendamentos portuários (1ª parte do Lote-1) na vigência da nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13); prevista que está para dia 26/OUT/2015 (02) próximo.
Também nesse momento em que concessões e PPPs são cogitadas, quase unanimemente, pelos poderes públicos, analistas e setor privado, como instrumento para a consecução de investimentos; e, estes, para a retomada do desenvolvimento e saída da atual crise brasileira. Cogitadas como se fosse instrumento totalmente dominado e aceito incontroversamente; o que não é bem assim! Concessões e PPPs têm, lá, suas “faces nem sempre visíveis”; e outras visíveis, mas não adequada e/ou suficientemente consideradas.
As 3 peneiras:
Conta-se que Sócrates foi procurado por um homem que queria contar-lhe algo sobre alguém. O filósofo ateniense (cerca de 400 AC), de imediato, perguntou-lhe se o que seria relatado havia passado pelo crivo das 3 peneiras; e esclareceu: A peneira da verdade (“É absolutamente verdadeiro?”), a da bondade (“Gostaria que outros contassem algo semelhante a seu respeito?”), e a da utilidade/necessidade (“Resolve alguma coisa? Ajuda alguém? Melhora alguma coisa?”).
Analogicamente, qualquer um que tenha tentado assumir um equipamento infraestrutural ou um serviço público (ou de utilidade pública) no Brasil sabe que a peneira da outorga no Brasil (federal, estaduais e municipais) tem trama fina; ou melhor, finíssima: Primeiro porque, na verdade, essa peneira não tem uma única tela, mas um conjunto de telas superpostas até que se obtenha uma autorização, delegação, aprovação, anuência... ou seja lá o que for: Poder concedente, licenciadores, tribunais de contas, (em alguns casos) ministérios públicos, etc. etc.
Depois, porque o mesmo aspecto, do projeto e/ou da modelagem, é verificado em mais de uma dessas telas: As obras a serem feitas, o “onde”, várias de suas características (físicas e operacionais), a estrutura de capital e as fontes de financiamento, o “quando” será implantada ou ampliada, o padrão de serviço exigido, o “quanto” será cobrado, o cliente a ser atendido e a forma de fazê-lo, alianças/parcerias possíveis (e não possíveis), o que será fiscalizado e o “como”; e assim por diante. E quando não há concordância nas visões de cada uma dessas instâncias? No mínimo o processo tem idas e vindas... quando não tem que ser refeito!
No outro extremo há uma 3º peneira, a da regulação (incluindo uma de suas matérias-primas, a fiscalização): Duas propostas sobre o tema, apresentadas no “Painel/2015” (Brasília, 6-7/OUT passados), evento anual do “Pacto pela Infraestrutura Nacional e Eficiência Logística”, merecem atenção: A de “Manter rigorosa fiscalização das obrigações contratuais”, feita pela CNA, confederação que congrega o mundo do agronegócio brasileiro; e a de “Fiscalizar os serviços de transporte ferroviário que devem ser prestados forma isonômica e não discriminatória”, mais detalhada e abrangente, apresentada pela ANUT, que reúne os principais embarcadores (cargas) do País: É inevitável depreender-se, de ambas, um pressuposto crítico em relação ao modus operandi vigente; certo?
Mas, na verdade e pra valer, o grande temor de concessionários, de outorgados, de uma forma geral, é o espaço normativo, pós-contrato, das agências de regulação!
Conta-se o então Ministro das Telecomunicações Sérgio Motta (Serjão), procurando atrair investidores para o programa de desestatização do setor, apresentava, até com certo orgulho, a “Lei Geral das Telecomunicações” (Lei nº 9.472/97). De certa feita, falando para potenciais investidores ingleses, teria sido inquerido: “A lei é boa, mas e a jurisprudência; ministro?” (até então inexistente). “A lei é boa, mas como será o contrato?”; certamente refletindo a experiência, no mínimo bicentenária, dos súditos da Rainha que implantaram e exploraram infraestruturas e serviços públicos nos 5 continentes!
Será que nas calibrações, vigentes, das 1º e 3º peneiras, não se encontram explicações para as decisões da APM Terminals e da CCR?
O mercado financeiro; cada vez mais “in”:
Mas há uma etapa do processo, até hoje vista como exógena, que, na verdade, passou a ser praticamente parte integrante do processo de outorga e gestão; uma verdadeira 2º peneira: A estruturação do “funding” do projeto/empreendimento.
Ela vem se tornando cada vez mais importante, como se viu em várias apresentações do “Painel/2015”, particularmente as do BNDES e do Banco do Brasil, na medida em que: i) A estruturação desses projetos normalmente prevê capital próprio de, apenas, 30%, 20% ou, mesmo, 10% (por conseguinte, 70%, 80% ou, até, 90% a serem captados no mercado financeiro – alta “alavancagem”); ii) Os recursos disponíveis para financiamento de tais projetos/empreendimentos são hoje menos abundantes, que, p.ex., há 1 anoa atrás; tanto nas agências públicas como em bancos e fundos privados; iii) Os empreendedores estão sendo estimulados a ir ao mercado, nacional e internacional, para envolver investidores e/ou financiadores; p.ex., via debêntures de infraestrutura (aparentemente a vedete do próximo ciclo).
Isso, em um ambiente de taxa de juros, de câmbio e de riscos crescentes, faz com que: i) Projetos antes viáveis podem ter deixado de sê-lo, dado que “o sarrafo subiu”, na analogia olímpica do salto com vara; e ii) Os entes financiadores estão se tornando mais seletivos. Daí porque os projetos/empreendimentos estão sendo esquadrinhados com lupas; suas anatomias e fisiologias (técnica, operacional, socioambiental, jurídica, gerencial... ) estão passando por Raio-X, tomografia, ressonância magnética ... e tantos exames que sejam julgados necessários.
Se não forem aprovados, não há financiamento. E, sem financiamento, simplesmente não há projeto: É tão simples assim! É curial!
Cenário em mutação:
Uma primeira consequência desse novo cenário (ou um cenário que se aguçou!?!?!) é que os projetos/empreendimentos, para “ficarem de pé”, para “rodarem”, precisam ser reanalisados (ou analisados), combinadamente, sob 2 critérios: i) Lipoaspiração: É mesmo imprescindível? e/ou ii) Diferimento: Tal obra/investimento pode ser postergado? Como o violonista que coloca um capo-traste (presilha) para avançar alguns trastes à frente no braço do violão (buscando uma afinação mais alta!), há eventos do cronograma que podem ser deslocados adiante?
A apresentação da ANUT, no evento, incluiu um estudo de caso: A concessão da denominada “Rodovia do Frango” (BR - 476/153/282/480 /PR/SC), aparentemente pole position do grid de largada do próximo pacote licitatório. Nela, a partir de um conjunto de dados, são feitas 2 observações: “i) Somente os investimentos em duplicação implicam em dobrar a Tarifa; ii) A Tarifa de pedágio resultante da equação financeira se encontra num patamar 4 vezes superior às tarifas atuais”. E explicada a razão: “A evolução do tráfego não justifica a duplicação da rodovia nos 5 primeiros anos”; o que, se procedente, indica a necessidade imperiosa de mudanças na modelagem concebida e submetida a audiências públicas – o que, talvez, já esteja sendo contemplado nos ajustes em curso pela ANTT. Arrematando, foram enunciadas duas conclusões avaliativas: “i) O modelo de concessão proposto privilegia obras e não serviços; ii) O modelo é não aderente à competitividade”.
Há, aparentemente, uma mudança de postura (no mínimo de ênfase”) no setor privado. Algo como: Quando o dinheiro era abundante, quando o empreendedor podia contar com dinheiro “barato” de agência pública, ele até não se importava tanto com algumas exigências feitas em edital ou minuta de contrato. Hoje, é como ele dissesse: i) Por favor, não inclua como obrigação se não for, mesmo, imprescindível; e ii) Não me peça para fazer hoje o que pode ser deixado para amanhã (invertendo-se o dito popular do “não deixe para amanhã o que pode ser feito hoje!”).
Uma segunda consequência desse novo cenário é que as próprias peneiras da outorga e da regulação (1º e 3º) poderiam ser lipoaspirada.
Ou seja; na 1º peneira, muito do tempo, do esforço e dos custos/despesas despendidos pelo poder concedente, tribunais de contas, e, mesmo por licenciadores e reguladores, mormente no relativo à viabilidade econômico-financeira e jurídica, poderiam ser economizados/reduzidos, contando-se com a inevitável, minuciosa e implacável filtragem da 2 º peneira (entes financiadores). Lembrando-se, sempre, uma condição sine-qua-non para que projetos/empreendimentos com esse grau de alavancagem se efetivem.
A comprová-lo o dado fornecido pelo BNDES no mesmo evento: “Em 2014, 85% das emissões de debêntures tiveram rating mínimo AA-“ (lembrando que o Brasil, atualmente, é BB+ pela “Standard and Poor´s”, e BBB- pela “Fitch” – portanto, inferior!). Ou seja; relembrando aquele dito popular (neste caso para confirma-lo!): “Quem não tem competência não se estabelece!”.
De igual forma na 3º peneira; neste caso, também, contando com a colaboração das diversas certificações. P.ex., as da ISO, em particular das séries 9.000 (qualidade), 14.000 (ambiental); 26.000 (responsabilidade social); 27.001 (segurança da informação); 31.000 (riscos); 45.001 (segurança e saúde ocupacional).
Ao contrário do que se pode imaginar, esse compartilhamento de responsabilidades, essa verdadeira parceria outorgante-regulatória certamente pode em muito contribuir para maior celeridade e aumento da previsibilidade e segurança das diversas partes quanto ao fornecimento da infraestrutura, prestação do serviço e execução contratual. E, mesmo, para a defesa do “patrimônio público” ... muitas vezes invocado como um mero pretexto ou algo pouco além do platônico.