Sábado, 23 Novembro 2024

Pontos-Chave:

  1. Citamos a literatura referencial, as tais das “boas práticas” internacionais e frequentamos eventos alhures. Mas praticamos modelos de outorga e regulação com particularidades muito nossas; muito brasileiras.
  2. Reguladores fundamentalista concluiriam que esse arranjo regulatório dificilmente ficaria de pé; funcionaria. Mas, parodiando Galileu Galilei, não é que ele se move!
  3. Com que perdas; a que custo; com que segurança jurídica, transparência e previsibilidade... bem, isso “são outros 500”!
  4. Mas, por ora, um cuidado: Vender a ideia de que nosso modelo portuário é “land lord”; que nossa regulação espelha o que se pratica na Europa, EUA, países desenvolvidos da Ásia; o que ensina a literatura referencial e as tais das “boas práticas”; representa risco de enquadramento como propaganda enganosa!

“E pur si muove!”
[Galileu Galilei]

“Não existe pecado
do lado de baixo do equador...”
[Chico Buarque]

Lá, quase sempre, o momento-zero de atuação das agências reguladoras (quando existem!) é a assinatura do contrato de outorga (concessão, permissão, arrendamento, PPP, etc.) de uma dada infraestrutura ou serviço púbico.

A razão é compreensível: A assinatura do contrato é tratada como a última fase da etapa processual de definição do exercício de uma dada política pública; como ensinam a literatura referencial, os manuais das tais “boas práticas”, e podem constatar nossas autoridades governamentais, dirigentes empresariais e de trabalhadores, projetistas e consultores que, quase semanalmente, estão em alguma missão a visitar sistemas e instalações em países desenvolvidos, ou participando de um seminário ou congresso.[ internacional.

Aqui a maior parte das agências reguladoras é responsável pela realização da licitação e, não raro, pela assinatura do contrato de outorga.

Lá, assinado tal contrato, como numa corrida de revezamento, o “bastão” é transferido à competente agência de regulação. Esta, ao longo dos muitos anos contratuais, será responsável por mediar os interesses, nem sempre coincidentes, do outorgado (privado), usuário (privado) e o próprio poder concedente (poder público; governo; que expressou sua política e objetivo específico, para tal delegação, nesse contrato – ou, ao menos, deveria tê-lo feito!).

Daí porque, também como ensinam a literatura referencial e os manuais das tais “boas práticas”, a agência reguladora deve ser um ente autônomo; um ente de estado – e não de governo.

Aqui, legal e normativamente, elas são “vinculadas” ao ministério ou secretaria “supervisor”; incidentalmente aquele que exerceu o papel de poder concedente. Mas, na prática, não parece que tal relação está mais para uma subordinação?

Lá o contrato, firmado, é a base para o exercício da regulação. Aqui as agências parecem priorizar a produção de portarias, resoluções, instruções normativas, etc. Seria normal se fossem instrumentos formalizadores de arbitramentos de contenciosos à luz do contrato; mas não: Em muitos casos são normas, ora substituindo ou fazendo às vezes do poder legiferante (parlamento) ou de definição de política pública (executivo). Normas contendo obrigações que, adicionalmente, o outorgado terá que cumprir.

Aliás, não apenas para o outorgado mas, no caso particular dos portos, também para as autoridades portuárias (talvez, mais propriamente, administrações portuárias!). Lá, no primado do “landlordismo”, além (ou, melhor, devido a) autonomia, dentre as funções das autoridades portuárias está a de regulação... ao menos a nível local.

Lá, as agências reguladoras, dão a última palavra – à exceção de casos pontuais que são levados à justiça. Aqui, além da rotineira judicialização, há ainda os tribunais de contas que exercem um poder como de “auditoria”, de “revisor” (a priori, e a posteriori) das agências reguladoras: Exemplificam-no os Acórdãos do TCU nº 2896/2009 (com uma série de “determinações” e “recomendações”, à SEP e à ANTAQ, como resultado de uma “auditoria operacional” – inclusive de revisão de normas!); TCU 2903/2014 (que “rejeita” o 2º EVTEA do trecho Açailândia (MA) – Barcarena (PA) da Ferrovia Norte Sul – FNS pela incompatibilidade dele com o planejamento do Porto de Vila do Conde-PA; e também “determina” e “recomenda” um longo rol de providências, inclusive a elaboração de novo EVTEA); e, o que ficou mais conhecido, o TCU nº 3661/2013 (que definiu 19 medidas saneadoras para o Lote-1 de arrendamentos portuários).

Ou, também, há o Ministério Público, exercendo similar papel no tocante a decisões das agências ambientais; o que nem sempre permite saber-se quem e como se decide nessa área!

Lá, também fundado no princípio da autonomia e de órgão de estado, os dirigentes das agências são profissionais com conhecimento técnico específico da área regulada e/ou da função a ser exercida (regulação). Normalmente profissionais maduros/sêniores, com reconhecimento na respectiva “comunidade” setorial e, não raro, é exigido uma experiência específica na própria agência ou órgãos correlatos.

Aqui, conhecimento e experiência nem sempre são obrigatórios; como o exemplifica a mais recente indicação para diretoria da ANAC. Aliás, exemplifica, também, como bom trânsito no meio político-congressual pode até ser mais importante que conhecimento e experiência.

Enfim, são tantas as particularidades, tantas as idiossincrasias, que um regulador mais fundamentalista concluiria que esse arranjo regulatório, tropicalizado, como nosso planejamento, meio esquizofrênico, dificilmente ficaria de pé; funcionaria. Mas, parodiando Galileu Galilei, não é que ele se move!

Com que perdas; a que custo; com que segurança jurídica, transparência e previsibilidade... bem, isso “são outros 500”!

Mas, por ora, um cuidado é recomendado: Vender a ideia de que nosso modelo portuário é “land lord”; que nossa regulação espelha o que se pratica na Europa, EUA, países desenvolvidos da Ásia; o que ensina a literatura referencial e as tais das “boas práticas”; representa risco de enquadramento como propaganda enganosa!

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