Mais do que Eficiência: A Necessária Ponderação entre Investimento Estrangeiro e Interesse Nacional nos Portos Brasileiros
O debate sobre a participação de capital estrangeiro em setores estratégicos da infraestrutura nacional, notadamente no atualíssimo caso do Tecon Santos, tem sido polarizado entre uma suposta modernidade “eficientista” e um alegado nacionalismo retrógrado.
No entanto, reduzir a complexa questão da governança portuária a uma mera escolha entre abertura e fechamento é ignorar as nuances de um tema central para o desenvolvimento soberano do país.
A tese, manifestada em alguns artigos e manifestações, incluindo uma recente publicação no sítio ”Congresso em Foco”, de que restrições a investidores estrangeiros constituem "xenofobia econômica", parte de uma premissa frágil: de que a eficiência logística e a atração de capital são valores absolutos e inquestionáveis.
Esta visão desconsidera que a infraestrutura portuária não é uma commodity qualquer, mas um ativo estratégico que influencia diretamente a segurança alimentar, energética e industrial da nação.
A busca por eficiência não pode se sobrepor à garantia de que os interesses nacionais serão permanentemente resguardados.
O argumento de que a verticalização entre armadores e terminais é prática comum e, de certa forma, inócua em outros países ignora particularidades críticas do nosso caso.
O Brasil é uma economia eminentemente exportadora de commodities e importadora de bens manufaturados. Permitir que gigantes logísticas globais controlem terminais em portos estratégicos como Santos pode criar “assimetrias de poder” capazes de privilegiar suas próprias cargas e rotas em detrimento de exportadores nacionais, especialmente os de menor porte. Estudos indicam que investimentos estrangeiros em infraestrutura portuária podem causar desequilíbrios na competitividade interna e concentrar o poder econômico (Carminati, 2025).repositorio.ipea
A regulação “ex-post”, como sugerido por alguns, muitas vezes chega tarde demais para corrigir distorções estruturais que podem se consolidar rapidamente.
A invocação de exemplos internacionais como a União Europeia e os Estados Unidos é, no mínimo, incompleta. Ambos possuem mecanismos robustos de defesa de seus interesses estratégicos.
Os EUA, desde os tempos do contra-almirante Alfred Thayer Mahan (1840–1914), estabeleceram princípios vigentes até hoje, da segurança baseados no amplo domínio dos mares, tendo, entre muitos instrumentos, o Comitê de Investimento Estrangeiro (CFIUS), instituição notória por barrar aquisições que possam afetar sua segurança nacional, conceito que atualmente inclui explicitamente a segurança das cadeias de suprimentos e da infraestrutura crítica.
A própria União Europeia, citada como exemplo de abertura, está reavaliando sua dependência estratégica em setores-chave, justamente para evitar vulnerabilidades geopolíticas (Relatório Setorial de Portos, 2025).rbinvestimentos
Além das tradicionais preocupações estratégicas, é importante incluir o crescente risco de segurança cibernética em infraestrutura crítica. Portos altamente digitalizados são alvo frequente de ataques que podem paralisar operações estratégicas e afetar a economia nacional, risco ampliado quando o controle está nas mãos de atores externos com interesses distintos (Análise sobre Segurança Cibernética em Infraestrutura Crítica, 2024).
A proteção da indústria local e a preservação de empregos também devem ser considerados. A presença nacional em ativos portuários estratégicos tende a fomentar o desenvolvimento regional e a geração de empregos mais estáveis, enquanto a concentração estrangeira pode priorizar a eficiência global do conglomerado em detrimento da economia local.
Sugerir que a preocupação com a concentração de ativos estratégicos nas mãos de conglomerados estrangeiros equivale a um "pensamento cepalino" é uma redução perigosa, tendo em vista a riqueza do pensamento econômico/social/estratégico derivada daquele momento, podendo ser considerada um anacronismo que certamente não contribuirá para o debate.
O mundo pós-pandemia e em contexto de tensões geopolíticas renovadas evidenciou os riscos da excessiva dependência de cadeias globais controladas por poucos atores. Dados recentes indicam que cerca de 95% do comércio internacional brasileiro passa por portos marítimos, com investimentos expressivos em infraestrutura sendo necessários para garantir maior competitividade e segurança logística (Silvio Costa Filho, 2025).gov+2
A "soberania" não é um termo vago, mas a concretude da capacidade de um país garantir o escoamento de sua produção e o abastecimento de sua população sem sujeitar-se a interesses alheios.
A segurança logística é, portanto, um componente indissociável da segurança nacional no século XXI.
Longe de ser um retrocesso, a criteriosa análise da participação estrangeira em ativos como o Tecon Santos é um sinal de maturidade regulatória. Trata-se de buscar um equilíbrio: atrair o capital e a expertise de que precisamos, mas com regras claras que impeçam a formação de oligopólios e assegurem que a infraestrutura portuária sirva, em primeiro lugar, aos interesses de desenvolvimento do Brasil.
A previsibilidade que os investidores anseiam não significa a ausência de regras, mas a existência de um marco regulatório estável, transparente e que contemple, de forma equilibrada, a eficiência econômica e o interesse nacional.
Oportunizar a participação de empresas nacionais, ou estabelecer salvaguardas para operadores estrangeiros, não é xenofobia, mas configura a prudente administração de ativos estratégicos, um dever de qualquer Estado que zele por seu futuro desenvolvimento.
O caminho para a modernidade não é a abdicação da soberania em nome de uma eficiência fictícia, mas a construção de um modelo que harmonize a inserção global com a defesa intransigente de um projeto nacional.
Antonio Mauricio Ferreira Netto
Engenheiro mecânico e de produção. Especialista em Planejamento e Gestão Pública; Transportes; Transportes Urbanos; Portos; Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas








