Segunda, 25 Novembro 2024

escrito por Frederico Bussinger, ex-secretário de Transportes de São Paulo; presidente da CPTM e SPTRANS; e diretor do Metrô/SP

* Artigo é uma sistematização da minha intervenção no 2º painel do evento

Mais que um paradoxo; um mistério!

Inopinadamente um tsunami atingiu o sistema de ônibus (e o trânsito) da maior cidade do País. Incidentalmente, sem que vislumbrasse o caos que estava por acontecer, nela se reuniu, na véspera, a Frente Nacional de Prefeitos – FNP. A manhã da sua 65ª Reunião Geral foi dedicada ao candente tema da mobilidade urbana (discutido em 2 painéis *).

Foi (positivamente) surpreendente o grau de convergência, suprapartidária, dos prefeitos Fortunati (PT – Porto Alegre), Fernando Haddad (PT-SP), Gustavo Fruet (PSDB-Curitiba), Marcio Lacerda (PSB-Belo Horizonte), Antônio Pannuzio (PSDB-Sorocaba), Jonas Donizete (PSB-Campinas), Eduardo Leite (PSDB-Pelotas); incluindo-se nela o Dep. Fed. Carlos Zarattini (PT-SP), atuante no setor.

Em termos de diagnóstico, destaque-se: há ameaças reais, crescentes, ao sistema. Uma delas é o crescimento explosivo das frotas de carros e, principalmente, motos. O transporte coletivo - TC deve ter prioridade sobre o individual - TI. Alias, o TC é um “direito do cidadão e dever do estado”. O TC deve usar parte segregada do viário estrutural/estratégico. Há necessidade e espaço para os diversos modos de transporte, que devem integrar-se física, operacional e tarifariamente. Só há saída, estrategicamente, se transporte e uso do solo forem pensados e planejados conjuntamente.

Foto: Portal Terra

Imagem publicada no Terra mostra ônibus parados e contribuintes tendo que andar a pé

Sentiu-se falta, apenas, da carga; elemento essencial e inalienável da logística e da mobilidade urbana!

A convergência abrangeu, também, saídas para as ameaças no horizonte; destacando-se: Desoneração tributária + CIDE (reestabelecimento das alíquotas – hoje zeradas; e destinação ao “funding” do TC – investimento e custeio) + revisão do Vale-Transporte (no tocante à fórmula de pagamento; vinculação do seu uso; etc.) + REITUP (01, 02, 03) + envolvimento de “beneficiários” no financiamento do TC... temas também desenvolvidos na “Carta Aberta aos Pré-Candidatos a Presidente de República e a Governadores”, divulgada no evento.

A convergência, certamente, deve ser saudada... malgrado ser imperioso registrar que a maior parte dessa pauta remonta há 10, 20, 30 ou mais anos! Mas, como “nunca é tarde para se fazer o bem”...

Bem... se se sabe qual é a doença e, também, qual o remédio, por que o problema segue existindo? E pior: Por que a sensação de que ele, até, cresce dia a dia? Repetindo o surrado bordão: “Por que o óbvio não acontece?”.

Não é que houve convergências também para explicar esse mistério? Há uma resistência dos usuários do TI para implantar medidas que privilegiem o TC. “Mas, na China, não há nem Ministério Público, nem órgãos de licenciamento, nem tribunais de conta”, foi o (audível e quase uníssono) zum-zum-zum que se ouviu quando o Secretário de Transportes de SP, Jilmar Tatto, mencionou o exemplo de Shanghai (que, em 20 anos, implantou 500 km de metrô!).

Arrisco algumas hipóteses sobre o que nos tem feito perder tempo e desviar do caminho das soluções:

1) Talvez o óbvio não seja tão óbvio assim. Na hora de fazer, talvez o consenso seja menor que aparenta ser. Ouvi do embaixador e ex-ministro Ricupero: Em meados do Século XIX já havia razoável consenso quanto ao fim da escravidão no Brasil. Os que “mandavam no País” resolveram se reunir para estabelecer um plano para tanto: Abrangidos, eventuais indenizações, formas de inserção social (dos ex-escravos), instrumentos legais etc. Foi quando descobriram que havia muito mais divergências que consensos! P.ex: Propostas de cronograma ia desde “amplo, geral, irrestrito e já” até “gradualmente” e “até 1930”! Só para registro: A lei veio 40 anos depois e há indícios de escravidão até hoje...

2) Não existe solução mágica! Como com a “Geni” de Chico Buarque, muitos imaginam (e esperam), outros “vendem” a ideia, de que um novo tipo veículo, uma nova tecnologia, um novo leiaute solucionará o problema de uma hora para outra. Não! Ele é complexo e demanda ações articuladas, diligentemente aplicadas. Adianta pouco passar desodorante sem tomar banho!

3) Não há 2 pautas; 2 agendas: Custo e qualidade. Elas estão intimamente associadas. E mais; a não ser em condições muito especiais, diretamente correlacionados: Mais qualidade, maiores custos!

4) Não nos enganemos; nem queiramos enganar os outros! É uma ilusão; um desserviço vender-se (ou deixar-se veicular acriticamente) a ideia de que é possível melhorar a qualidade do TC mantidas as tarifas vigentes. Menos ainda reduzí-las! Um ou outro caminho requer que, além dos usuários do TC, também seus beneficiários participem do “funding” do setor (custeio e investimentos): empregadores, concedentes de gratuidades (idosos, estudantes, etc.) e, principalmente, usuários de transporte individual (que também se beneficiam de um transporte público de boa qualidade). Esse é o conceito que fundamenta, p.ex., o Vale-Transporte e a destinação da CIDE para o TC.

5) Sentido de urgência: O problema (e soluções) não é para 2040, 2025, 2022, 2020 ou, mesmo, só para depois das eleições. Os riscos de desorganização dos sistemas de TC nas cidades brasileiras estão aí. Como a esfinge, “decifra-me ou te devoro!”. Assim, as soluções precisam ser adotadas neste 2014. Por que é preciso esperar o fim da Copa? E isso não é impossível:

a) A CIDE tem mecanismos operacionais já testados. E, associado, p.ex., à “Conta-Sistema”, em SP (e congêneres em diversos outros municípios), é um mecanismo extremamente confiável e pronto para operacionalização imediata. Seria como “glicose-na-veia”! E está à mão.

b) O Congresso Nacional tem o REITUP e um extensor cardápio de medidas que podem ser adotadas. Muitas delas em fase final de deliberação. O que trava?

Ou seja, parodiando uma grande marca de artigos esportivos: “Just do it!”.

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