estendido no chão…”
[“De frente pro crime” – João Bosco]
“Para todo problema complexo
existe sempre uma solução simples,
elegante, plausível e
completamente errada”
[H. L. Mencken]
"Não são os grandes planos
que levam à vitória,
são os pequenos detalhes"
[Stephen Kanitz]
A semana ainda não chegou ao fim. Mas, tudo indica, a informação que merece maior atenção e reflexões do setor portuário é a fornecida por Folha de SP (02) e Estadão (02) nas suas respectivas edições de Domingo. Os fatos, em si, isoladamente, são conhecidos. A novidade é o balanço que as matérias revelam: 7 anos e R$ 1,6 bilhão depois o tom dominante contrasta com a euforia e as esperanças de quando o “Programa Nacional de Dragagem” (PND) foi lançado, em 2007, detalhado, em 2008, e divulgado amiúde desde então.
Armadores, arrendatários, operadores, praticagem e outros atores envolvidos/interessados no processo foram ouvidos e têm visões muito similares que, expurgadas de adjetivos diversos, se alinham com a síntese da avaliação da própria SEP (ministério responsável pelo programa): "O resultado não foi o esperado" (Tiago de Barros Correia, Secretário de Infraestrutura Portuária).
Com base no “aprendizado” do, agora rebatizado PND-I, mudanças são anunciadas para o PND-II, programa com investimentos previstos de R$ 3,8 bilhões. Duas principais: i) Inclusão de uma margem de segurança nas dragagens “para evitar o risco da homologação não sair ou ter a homologação de medida abaixo do previsto”, pois “como as máquinas são muito grandes, não é possível conseguir dragar todo o canal de forma linear”; ii) Centralização (na SEP) também da dragagem de manutenção (de responsabilidade das Administrações Portuárias e/ou arrendatários no PND-I), pois “há um descompasso entre a profundidade dos terminais e dos canais de acesso - o que significa que os navios têm de obedecer à medida mais baixa”.
Foto: Appa
Dragagem está no centro das discussões sobre os portos brasileiros
Ao contrário do que parece, os problemas-fins (imprecisão na profundidade dragada + descompasso canal-berços) não devem enfrentar obstáculos instransponíveis para serem resolvidos; visto que:
i) Dragagem não é algo novo nos portos brasileiros. Há praticamente dois séculos de experiência no tema, envolvendo variadas tecnologias, equipamentos e métodos (quase todos existentes mundo afora).
ii) No caso de Santos, uma referência sempre mencionada, tudo que existe hoje, em termos de canal e de berços, é resultado da ação humana. Lembro-me, p.ex, de ter tido acesso a uma planta (de 1835, salvo engano!?!), na qual o pequeno rio que descia da Serra (ampliado e, hoje, o próprio canal) passava pela região da atual Alfândega com profundidade de algo como 6 pés (mais ou menos 2 metros – 1/6 da atual!). Em tempo: Assoreamento é um processo histórico e recorrente naquele Estuário; da ordem de 2 a 3 milhões m3 anuais, que demandam dragagens de manutenção periódica: Todos sabemos! Ressaca tampouco é novidade; certo?
iii) A tecnologia de dragagem, que nunca deixou de evoluir ao longo dos séculos, experimentou grandes avanços nas últimas décadas: Hoje é possível incríveis precisões de medições (batimetria) (01, 02, 03) e de execução de serviços, monitoradas em tempo real - lembrando as tecnologias não invasivas da medicina moderna.
iv) O Brasil chegou a ter uma importante empresa estatal federal exclusivamente dedicada a dragagem (Cia. Brasileira de Dragagem – CBD). Há, também, desde 1959, criado por JK, um respeitado instituto dedicado a pesquisas e projetos hidroviários (INPH); além de diversos centros de pesquisa e universidades que têm áreas dedicadas e que elaboram/subsidiam a elaboração/execução de projetos com modernas tecnologias. Também dezenas de consultores, projetistas, empreiteiros e, mesmo, uma associação setorial. Por conseguinte, há um acumulado de conhecimento e expertises no País.
v) A SEP, em parceria com ANTAQ, IBAMA e MMA, constituiu um vasto “banco de dados” (02) de dragagem; referência para análises diversas.
Como explicar, então, tais insucessos?
Permita-me uma digressão: Lá por 1978 os trens do Metrô/SP, inaugurado em 1974, começariam a completar 1 milhão km rodados; periodicidade para a qual os manuais previam revisões gerais. Após mais de um ano de planejamento o 1º trem foi totalmente desmontado e revisado cada um de seus equipamentos (centenas!). Todos foram liberados dentro das margens de suas respectivas especificações técnicas. Remontado, todavia, ante um misto de surpresa e frustração, o trem não rodou! Paradinho! Impávido!
Grande lição... processada e incorporada nos planos dos trens posteriores: É possível que, em um sistema complexo, cada parte esteja dentro das faixas previstas nas especificações técnicas; sem que isso signifique que o conjunto funcione adequadamente. Aproveitando a atmosfera futebolística do momento, é algo também semelhante a um grupo de craques que não logram constituir um equipe competitiva para ganhar uma Copa do Mundo (que, esperamos, não seja o caso do time do Felipão)!
A analogia é importante porque o PND-I introduziu diversas mudanças no modus operandi vigente até então. E, isso, simultaneamente. Além disso, ele acabou sendo implementado em um ambiente também mutante. A se destacar:
1) Até então, quem projetava, contratava e fiscalizava dragagens eram as Administrações Portuárias (Cias. Docas, p.ex). Quando muito, o Governo Federal aportava-lhes recursos orçamentários específicos. Já no PND-I as funções passaram a ser, pelo menos, bipartidas - mesmo nas dragagens de aprofundamento, sob responsabilidade da SEP.
2) “Dragagem por resultado” (garantia de profundidade de projeto) substituiu a “por serviço” (m3 de material dragado + transporte) como modelo de contratação.
3) Após mais de 5 anos de críticas e clamores, a norma utilizada como base para licenciamentos ambientais de dragagem (Resolução CONAMA nº 344/2004) entrou em processo de revisão. E, depois de 2 anos de discussões em um GT, com atropelamentos de última hora (como também havia acontecido na anterior), foi aprovada uma nova norma (Resolução CONAMA nº 454) em NOV/2012; norma com avanços, é verdade, mas incompleta e controversa em alguns aspectos. De qualquer forma, seus resultados estão por ser avaliados.
4) O Ministério Público (02) passou a ter atuação progressivamente mais ativa nos processos de licenciamento.
5) Judicializações (02) passaram a ocorrer. Salvo engano, inclusive sobre processos com execução concluída.
Como a “falta de dinheiro” deixou de ser um álibi para a não realização de eficazes dragagens e, apesar das dificuldades, elas eram feitas pelo menos até o início deste século (como, p.ex., a grande dragagem de 1997/98 no Porto de Santos, já utilizando a mega-draga Lelystad), as explicações e soluções divulgadas podem ser insuficientes e/ou não plenamente eficazes: Há problemas normativos? De projeto? De licenciamento? De modelo? De processo decisório? De gerenciamento? De homologação?
Ou, na verdade, há um pouco de cada um? Ou, ainda, as alternativas adotadas para cada aspecto, de per si, não resultam na melhor solução de compromisso do conjunto; como no exemplo do Metrô e do futebol?
O resultado desses 7 anos de “experiência” do PND-I + as experiências acumuladas anteriormente + a dimensão do PND-II + sua importância estratégica + a necessidade de se estabilizar um processo previsível e regular não justificam uma ampliação e aprofundamento das análises do problema? E, mesmo, cotejamento de alternativas (que existem!)?
Esse é o grande desafio para minimizarmos o risco de um novo insucesso!