Quinta, 28 Março 2024

"Eu sou eu e minhas circunstâncias"
[Ortega Y Gasset]

“É que há distância entre intenção e gesto…”
[Chico Buarque – “Fado Tropical”]

“Onde está a dificuldade; Bussinger?”, questionou o Secretário de Transportes do MS, Edson Giroto, no workshop “Hidrovia Tietê-Paraná: Avanços e Novos Investimentos”, promovido pela Federação das Indústrias do MS (Fiems) e pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), dia 21/FEV passado, em Três Lagoas – MS.

Ela me remeteu a um dos slides que usei em evento similar; promoção do denominado “G5+1” em Campo Grande – MS (MAI/2009). Nele estampara animação que terminava com a frase-título deste articulete; ao lado de outra, rotineira em minhas apresentações: “Por que o óbvio não acontece?”. Nota: “G5+1” é uma articulação dos 5 estados que compõem a Bacia do Tietê-Paraná (SP+ PR+ MS+ GO+ MG), mais a União; iniciativa que (em boa hora!) retomou suas atividades no evento três-lagoense.

A pergunta foi oportuna e muito bem colocada. Penso que deixou de haver necessidade de gastar-se mais tempo, mais energia demonstrando (com os mesmos surrados dados, tabelas e slides!) que a hidrovia é energeticamente mais eficiente, ambientalmente mais amigável, e parte da “solucionática” de itens centrais da agenda do Século XXI. Esgotamento do petróleo; escassez de água; insuficiência de alimentos; congestionamentos urbanos e ameaças ambientais. Ou seja, a hidrovia (na verdade, a logística, em geral!) e o meio ambiente são aliados estratégicos!

Foto: Governo de Tocantins

Hidrovias apresentam muitas vantagens, mas vivem apenas nos planos brasileiros

O desafio agora é menos óbvio e mais complexo. Como colimar esforços no sentido de que, efetivamente, o hidroviário tenha participação crescente na matriz de transportes brasileira? Algo estratégico para alguns, como para o MS; lembrado por Sérgio Longen (presidente da Fiems). Daí a importância da pergunta/desafio inicial.

A resposta não é simples nem única. Mas, com grande probabilidade, ela deve ser encontrada em algum subconjunto do rol de tópicos abaixo (como respondi no workshop). Antes, porem, um necessário registro:

As excelentes apresentações do Tércio (DH/SP), Tokarski (SNI/Antaq) e Danny (Transpetro) mostraram, aos mais de 200 participantes, que a pachorrenta inação não é generalizada:

• O setor está efervescente na Bacia do Tietê-Paraná. Na região, para surpresa de muitos, o transporte hidroviário foi o modo que mais cresceu nesse século: Quase 11% ao ano, em média, entre 2000-13!

• O projeto para transporte de etanol poderá dobrar essa movimentação até 2016.

• 35 novas obras (proteção de pilares, ampliação de vãos de pontes e de canais, dragagens, derrocagens e aprofundamentos, novos atracadouros e terminais, extensões, etc), em diferentes estágios, vêm para enfrentar os gargalos que já se fazem sentir. Elas estão sendo implementadas pelo DH/SP, amparadas por um convênio do governo paulista com o Governo Federal, envolvendo investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão.

1) A confortável explicação “Não tenho projeto porque não tenho dinheiro” deve ser substituída por: “(Você) não tem dinheiro porque não tem projeto”, conforme o demonstra a experiência que resultou em tal convênio: Ele só se tornou factível porque havia um rol de projetos, não só concebidos como, também, legitimados pelo “G5+1”: No conjunto, investimentos da ordem de R$ 10 bilhões; dos quais foram priorizados R$ 2,5 bilhões (detalhados no evento de Campo Grande - MS de 2009). E, destes, os R$ 1,6 bilhão recentemente conveniados.

2) O Brasil é um dos 4 países do mundo (junto com USA, Rússia e China) que têm, simultaneamente, grandes áreas, grandes populações e grandes economias.

a) Nesses países, portanto, a logística é “fator critico de sucesso”.
b) Mas, infelizmente, sob qualquer dos indicadores internacionalmente utilizados, o Brasil está bem aquém do que lhe seria adequado.
c) Evidentemente, logística entendida como algo que é bem mais que transportes!

3) Em Presidente Epitácio-SP há um terminal hidroviário de primeira linha. Inclusive integrado com ferrovia. E, pasmem… ocioso! Pior ainda (do ponto de vista conceitual): Hoje é apenas utilizado para carregamento de caminhões (evidentemente, melhor que ficar totalmente ocioso!). Isso comprova que, para que a hidrovia seja utilizada, não basta haver instalações: Obras; investimentos são necessários. Mas longe de serem suficientes.

4) O único modo de transporte autossuficiente é o rodoviário (com raras exceções, como no caso de ilhas).

a) Todos os demais dependem de um outro. Ou seja, são interdependentes.
b) Para tanto, há que haver planejamento e gerenciamento integrado… o que estamos longe de ter no País (as filas nos portos estão aí para comprovar!).
c) Isso explica muito mais e melhor as distorções de nossa matriz de transportes que eventuais conspirações da indústria automobilística… bordão simplista frequentemente utilizado.
d) Em tempo: O Brasil tem pouco tudo… inclusive estradas (medido por qualquer correlação: território, população, PIB, comércio exterior, etc.).

5) A hidrovia se utiliza de um recurso (água) compartilhado por diversas funções; energia, em particular.

a) Há, inclusive, um conceito, base de “boas práticas” e, até, uma lei de “Uso Múltiplo das Águas” em nosso País.
b) Portanto, além da integração modal, o bom funcionamento da hidrovia depende de uma boa integração com os demais usos das águas (do que a Europa e Mississippi-USA são bons paradigmas).
c) … mas seguimos construindo hidrelétricas (importantíssimas!) sem eclusas e, também, sem reservatórios (usinas à fio d´água)... algo superado em SP há décadas; sine-qua-non para viabilizar a Hidrovia Tietê-Paraná que hoje temos.

6) Desde a ideia, passando pela concepção, até a implantação e operação de uma hidrovia há um longo caminho a percorrer.

a) Caminho que, progressivamente, conta com mais atores; seja para autorizar, para fiscalizar, ou para regular. Caminho cada vez mais complexo e demorado.
b) No caso especifico do licenciamento ambiental, ademais, ainda estamos longe da prática do conceito de “balanço”; ponderando, conjuntamente, os impactos negativos e positivos e, também, a trilogia ambiental, econômico e social.
c) Aliás, isso é o que indicam as boas práticas internacionais (02) e, inclusive, nossa legislação: Basta, assim, praticá-lo!

7) Em síntese, as palavras chaves são compatibilizar e integrar: Compatibilizar navegação e geração de energia; integração modal; e integrar a infraestrutura e função hidroviária com o contíguo tecido urbano e regional... à la Ortega Y Gasset.

8) Por fim, planejar é importante. Mas não é tudo!

a) Tão importante quanto o planejar é executar o planejado.
b) Foi isso que aprendi com a executiva do “Ministério do Território” de Cingapura: “O que é planejado, acontece!” ... confusa ante uma pergunta contorcionista de alto executivo governamental brasileiro.

Certamente o rol de explicações poderá ser ampliado. O importante é que, para que o uso da hidrovia passe a um novo patamar no Brasil, é imprescindível que superemos o platonismo hidroviário. Que passemos dos conceitos à prática; que estreitemos a distância entre intenção e gesto.

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