Sim, a modernidade pode piorar as coisas.
Cada época na história tem uma onda predominante. É a moda, novas ideologias e conceitos importados por arautos da modernização e chavões que os papagaios saem repetindo histericamente.
Tocou-me, há alguns anos, quando um ex-conselheiro da Autoridade Portuária de Paranaguá me disse que assistiu à trágica extinção da Empresa de Portos do Brasil S/A, a Portobrás.
Era dia 15 de março de 1990, em pleno governo do presidente Fernando Collor de Melo, quando, após um dia de trabalho, à noite sentou à frente da televisão para assistir ao noticiário. De repente, da tela sai uma notícia que foi como um soco no estômago de milhares de portuários e servidores públicos federais. O apresentador acabava de anunciar que o excelentíssimo presidente da República acabava de assinar o decreto que “extinguia” a Portobrás e diversos órgãos federais.
Segundo ele, ficou paralisado e mal conseguia dizer para esposa e filhos que a empresa estatal em que trabalhava há anos estava sendo morta naquele momento. Um trauma.
Os tempos eram de ‘neoliberalismo’, a nova onda de ideologia econômica e governança que varria o Planeta. A moda era ‘desestatizar’, ‘privatizar’, entregar aos empresários tudo o que era público, não importava o preço e o suor que uma Nação pagou por gerações para construí-lo.
Portos, ferrovias, aeroportos, mineradoras, bancos públicos, geradoras de energia, aviação, telefônicas, companhias de água e saneamento, metrôs, transportes coletivo. Tudo era para ser entregue aos grandes capitais estrangeiros.
E assim se fez nos governos Collor e de Fernando Henrique Cardoso, o FHC.
Voltando aos portos, a Portobrás e a gloriosa Companhia Brasileira de Dragagem (CBD) foram sucateadas e dilaceradas pelos abutres do neoliberalismo e seus sócios privados.
Toda a inteligência pública brasileira foi, naquele fatídico dia de 1990 (lá se vai um quarto de século!), jogada no lixo. Muitos funcionários aposentaram-se, outros lotados e acomodados em qualquer outro órgão, seja portuário ou não. Foram pulverizados numa noite. Sem contar com arquivos, plantas, projetos, dados, e um imenso acervo técnico que foi jogado fora.
Tive essa conversa há uns sete anos, quando esse meu amigo, já aposentado, de bermuda, camiseta e chinelo estava morando no paraíso de Búzios. Quando, de repente, no Governo Lula com a criação, em 2007, da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP), os “velhinhos” da Portobrás foram sendo buscados em suas casas, convidados a tirarem seus pijamas a voltarem a trabalhar para reconstruírem a ‘inteligência portuária’ do Brasil.
Na onda neoliberal, o governo FHC criou as famigeradas “agências reguladoras”, uma excrecência que a nova Lei 12.815/2013 veio o subordinar a Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (Antaq) à SEP a partir de 2013, com o que concordo.
Então, ficamos com Antaq, SEP e administrações portuárias ‘tipo arquipélago’, onde cada porto público brasileiro tem organogramas, gestões, base jurídica e apadrinhamentos políticos tão difusos entre si que, se somados aos terminais privados, percebe-se a moqueca baiana, ou capixaba, como preferem alguns, que é o modelo portuário brasileiro. Ou o não-modelo!
A Portobrás era o nosso cérebro portuário com uma visão estratégica de país. Foi graças a ela que tínhamos soberania e independência na dragagem pública dos portos, os atuais corredores de exportação de grãos de Rio Grande (RS), Paranaguá (PR) e Santos (SP), entre tantas.
Tive o privilégio de conversar algumas vezes com seu mais icônico presidente: Arno Oskar Marcus, que liderou a Associação Brasileira de Entidades Portuárias e Hidroviárias (Abeph) com o idealismo de unir os portos públicos brasileiros e sua inteligência.
Hoje a SEP, apesar das críticas que sofre, tem se esforçado para juntar os cacos que o neoliberalismo causou na quase destruição e colapso do sistema portuário brasileiro, salvo no Governo Lula.
Confesso que ao ver esse arquipélago portuário brasileiro, digo: Ah, que saudades da Portobrás!