Sexta, 27 Dezembro 2024

I

Vicente de Carvalho foi um poeta que viveu em duas Santos. Foi criado em meio às pontes e trapiches e atingiu a vida adulta com o cais unificado. A mudança, resumindo a coluna anterior (Um poeta de dois portos), representava a transformação da cidade colonial em cidade moderna.

 

Tal modificação não trouxe apenas conseqüências físicas: derrubadas de prédios e construção de outros novos, saneamento e canalização, mudança nos meios e na velocidade de locomoção. O geógrafo Marcel Roncayolo mostra que o que realmente se altera é a própria concepção de cidade:

 

O essencial na cidade moderna, a partir do século XVII, é que ela é projetada. Não é mais a cidade existente que importa, mas os conceitos empregados para definir a cidade tal como deveria existir.

 

A própria forma de ver a cidade muda. O olho vê outras coisas pelo espaço urbano. Vicente de Carvalho e seus contemporâneos puderem testemunhar e refletir o impacto causado por tal virada na forma de conceber um local em que se vive. Por ironia da história, sua poesia ficou vinculada à paisagem do mar e não da cidade (foi chamado de o poeta do mar por ninguém menos que Euclides da Cunha, o autor d’Os Sertões).

 

Pergunto se poemas seus não mostrariam também essas transformações.

 

II

Outro tipo de transformação urbana é a que ocorre sob a mesma concepção. A Santos colonial foi cidade, mas também vila e povoado (datas e fundações aqui na página da prefeitura; imagens, links e curiosidades, no Novo Milênio). Na figura abaixo (um detalhe da ilustração St. Vicent do livro de viagem de Joris van Spilbergen, de 1615), Santos é representada por um conjunto de 11 construções, uma vila protegida por uma paliçada, herança das muradas cidades européias medievais, ainda que construída à moda dos nativos, com madeira.

 

Ilustrações:

 

 

 










O muro é o completo oposto da cidade que se transforma. Ele imobiliza o urbano. Locomover-se por uma cidade murada talvez tenha alguma relação com o que sentimos quando um trem passa pela linha da máquina; uma limitação física do espaço.

 

III

Na ilustração completa, vemos a vila e seus arredores:

 

 

A imagem nos conta uma história. Temos quatro “chalupas” subindo o canal do estuário (no alto, à direita), também um navio (um pouco abaixo). Há uma esquadra de navios com bandeiras com três faixas horizontais (uma branca, ao centro, e duas escuras); um navio português pegando fogo; atividades na praia, pastores tomando conta de rebanhos e São Vicente, uma São Vicente maior que Santos, afinal a primeira vila do Brasil.

 

Ainda conforme a ilustração (e não que o número seja real, é só uma informação da imagem) são 15 as edificações da vila também cercada por uma paliçada. E ainda são maiores que as de Santos (repare como a torre da igreja, lá no alto da ilustração, atinge quase a mesma altura dos mastros dos navios em primeiro plano; até os morros lhe são tímidos).

 

A organização quadrangular da vila vicentina sugere também uma maior organização. Não é à toa que a ilustração lhe toma o nome emprestado.

 

Referências:

Lepetit, Bernard. Os Espelhos da Cidade: Um Debate sobre o Discurso dos Antigos Geógrafos (Bernard Lepetit, Marcel Roncayolo, Jean-Claude Perrot, Jean-Pierre Bardet e Daniel Roche). In: Por Uma Nova História Urbana; seleção e apresentação de Heliana Angotti Salgueiro; tradução de Cely Arena. São Paulo: Edusp, 2001.

 

Ilustrações retiradas de:

Victor Hugo Mori, com Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro. Arquitetura militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003.

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