Quinta, 23 Outubro 2025

Editorial | Coluna Dia a Dia

Portogente

E a semana começou com novidades no universo portuário brasileiro: em mais uma reviravolta, o porto de Itajaí, situado em região catarinense grande produtora de camarão, passa a ser “temporariamente” administrado pela Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba). À porta de cuja sede vemos passar as famosas vendedoras de acarajé. Notem que destacamos a palavra “temporariamente”, não por acaso.

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Como se não estivéssemos em véspera de eleições (e sempre estamos, dia após dia, ano após ano...), a alegação apresentada para a mudança é que a Autoridade Portuária de Santos queria incluir fertilizantes e outros produtos não-tradicionais na movimentação de cargas por Itajaí, que os catarinenses tratam como sendo “um dos principais terminais de contêineres do Brasil”.

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Vale recordar que aquele porto catarinense caiu no colo da Codesp, então administradora do porto santista, por falta de condições para ser criada uma gestora portuária própria. Agora, vem batalhando para que seja constituída essa autoridade portuária, mas “o processo esbarra na falta de orçamento para viabilizar a nova estrutura dirigente”. Daí, a Codeba coloca sua tampa numa panela baiano-catarinense, até que surja a nova entidade.

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O detalhe saboroso da história é que se essa mudança é “temporária”, pois o processo estaria em estágio avançado em Brasília, e se o objetivo é desburocratizar a gestão em Itajaí, não faz sentido gastar tempo e dinheiro transferindo-a de Santos para Salvador. Se a urgência é por causa de algum ‘lobby’ para movimentação indesejada de fertilizantes às margens do Itajaí-Açu, que as partes se componham para aguardar o desfecho da história!

Afinal, se Itajaí é autodefinido como “porto de contêineres”, como é que o pacote de R$ 600/800 milhões “destinado à modernização do Porto de Itajaí” inclui um píer/bulevar/’shopping’ náutico orçado em R$ 300 milhões financiados pelo Governo Federal e já anunciado como “maior do Brasil”?

Até porque, não se instala um terminal de fertilizantes ou um complexo para navios de cruzeiros assim durante a madrugada, e se de fato a dificuldade para criação da Docas/SC é apenas financeira, decerto também não há orçamento para mudar a gestão para as terras soteropolitanas. Ou há?

Veja mais: Itajaí garante R$ 300 milhões para se tornar principal destino de cruzeiros no Sul do Brasil

No Brasil, parece que o dinheiro – tão escasso para coisas largamente discutidas e planejadas – jorra fartamente para outras definidas ao sabor do vento reinante. Com Pix correndo solto para lá e para cá, tudo se torna possível, atropela-se o que for preciso para certas coisas acontecerem, enquanto outras não saem do papel.

Lembram do tempo do “landlord” e outros neologismos pitorescos que simbolizavam a nova mentalidade portuária do Brasil? Nas últimas décadas, ocorreu – e continua ocorrendo – de tudo. O modelo das companhias docas foi substituído pelo de autoridades portuárias “por ter ficado anacrônico”. Até porque, quando a CDS (particular, dos Guinle & tal) deu lugar à Codesp (economia “mista”), o capital privado não quis participar do controle da empresa (exceto por um jornalista que comprou uma ação só, para garantir assento nas assembleias...)

O modelo centralizador na capital federal deveria ser pulverizado para que surgissem as gestoras locais, mais autônomas. Agora, nesta exata semana, esqueçam tudo o que foi dito, está lá no papel, tudo certinho e bonitinho: “Criação da Docas de Santa Catarina visa garantir autonomia e atrair novos investimentos”. Ah, tá.

O detalhado texto baiano (vejam acima a segunda indicação de leitura) cita, logo depois, que “a criação da Docas de Santa Catarina integra uma estratégia nacional” e “é uma prioridade absoluta do Ministério dos Portos e Aeroportos”. Por um momento, tinha ficado no ar a ideia de que era prioridade local ou estadual: valeu a explicação para pôr os “is” nos pingos...

Veja mais: Do Porto-Enclave ao Território-Integrado: A Urgência de uma Nova Geografia Portuária - Portogente

Deixemos claro que as observações aqui não são personalizadas nem dirigidas, sendo apenas a constatação de que, apesar das declarações firmes sobre o caminho a ser trilhado, ele continuará sendo criado aos trancos e barrancos, sem teodolito nem bússola. Os brasileiros pagam triplamente: para fazer, para corrigir e finalmente para desmanchar.

Nem criticamos as ideias em si: qualquer uma até pode ser viável, todas contribuirão para o debate e aperfeiçoamento de um modelo nacional para o setor, se devidamente pensadas dentro de estratégias de longo prazo claras e bem traçadas – o que não é o caso, até agora.

Coincidências da vida, Portogente publicou no mesmo dia 20/10 um estudo opinativo do especialista Antonio Maurício Ferreira Netto, que aprofunda muito o debate desses temas, (e)levando-o a novos patamares. Leitura recomendada: mostra respeito pela relação porto-cidade, mas denuncia o mascaramento de jurisdições sobrepostas e assimétricas, que colide com imperativos até constitucionais de regulação territorial.

Pena que quando comparamos essas ideias com nossa realidade, elas se transformam imperiosamente em utopias, forçando que nos contentemos com uma receita mais adequada ao momento atual:

Veja mais: Receita de Acarajé Tradicional Baiano: Passo a Passo Completo

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Estão servidos?
Imagem: Inteligência Artificial Copilot

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