1925. Três anos se passaram desde a Semana de Arte Moderna e Oswald de Andrade publica em Paris, pela editora Sans Pareil, o livro Pau Brasil com uma série de poemas em busca de uma brasilidade poética moderna, traço característico dos vanguardistas do período que, como exprime Paulo Prado no prefácio, tinham a intenção de exterminar “o mal da eloquência balofa e roçagante”.
Ilustração de Tarsila do Amaral publicada em Pau Brasil
Com ilustrações de Tarsila do Amaral, o livro-manifesto é dividido em seções sobre a terra e personalidades dos primeiros anos após a chegada dos portugueses, colonização, o carnaval e um passeio por Minas Gerais. Ainda no prefácio, Prado, mecenas e poeta que também participou da Semana de 22, avalia que essa nova descoberta do Brasil é motivada, no caso específico de Pau Brasil, pelas saudades durante uma viagem a Paris onde descobre, “deslumbrado”, sua própria terra:
A volta à pátria confirmou, no encantamento das descobertas manuelinas, a revelação surpreendente de que o Brasil existia. Esse fato, de que alguns já desconfiavam, abriu seus olhos à visão radiosa de um mundo novo, inexplorado e misterioso. Estava criada a poesia “pau-brasil”.
A parte final, Loyde Brasileiro, tematiza exatamente a viagem de retorno ao Brasil, desde o embarque em Lisboa até a chegada em Santos. Curioso que o poema se limita entre um e outro porto, ficando Paris e São Paulo, as duas pontas do itinerário, fora da narrativa. A seção se inicia com o poema Canto de regresso à pátria que, no caso, é a cidade de São Paulo, berço dos modernistas.
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
A monotonia da viagem é vencida pelo whisky e pela jogatina a bordo:
O mar
Canta como um canário
Um compatriota de boa família
Empanturra-se de whisky
No bar
Famílias tristes
Alguns gigolôs sem efeito
Eu jogo
Ela joga
O navio joga
Próximo à Linha do Equador surge o primeiro aviso sobre o terra natal, a aparição do Rochedo de São Paulo, um “Everest da Atlântida”, e, em seguida, Fernando de Noronha, composta de “Quatro antenas / Levantadas entre a Europa e a América”, entre outras referências. Depois, o continente e algumas cenas portuárias.
Em Recife:
Mas os guindastes
São canhões que ficaram
Em memória
Da defesa da Pátria
Contra os Holandeses
Chaminés
Palmares do cais
Perpendiculares aos hangares
E às broas negras d’óleo
Baluartes do progresso
Ou uma escala em Salvador:
Sob um solzinho progressista
Há gente parada no cais
Vendo um guindaste
Dar tiro no céu
Em Versos Baianos, a importância da primeira capital brasileira:
Forte de São Marcelo
Panela de pedra da história colonial
Cozinhando palmas
E as tuas ruas entreposto do Mundo
E os teus sertanejos asfaltados
E o teu ano de igrejas diferentes
Com um grande dia santo
Do Rio, a paisagem:
O Pão de Açúcar
É nossa Senhora da Aparecida
Coroada de luzes
Uma mulata passa nas Avenidas
Antes de chegar ao porto final, o Anúncio de São Paulo:
Antes da chegada
Afixam nos offices de bordo
Um convite impresso em inglês
Onde se contam maravilhas de minha cidade
Sometimes called the Chicago of South America
E fechando a seção e o livro, o poema Contrabando, com a chegada em Santos:
Os alfandegueiros de Santos
Examinaram minhas malas
Minhas roupas
Mas se esqueceram de ver
Que eu trazia no coração
Uma saudade feliz
De Paris.
A falsa contradição que fecha o livro (“Uma saudade feliz / De Paris”), neste poema que se passa em Santos, talvez resolva de uma forma sucinta toda a questão em relação às influências europeias de vanguarda e o desejo de renovação das letras nacionais do grupo modernista. A saudade feliz aponta para isso: a admissão da referência europeia, principalmente francesa, mas temperada pela felicidade de voltar a terra natal e cantá-la em uma nova forma, que se adequasse à vida moderna. Esse é o contrabando que Oswald de Andrade traz ao Brasil, simbolizado no próprio livro editado em Paris.
Referências
Oswald de Andrade. Pau Brasil. Edição fac-similar. França, Paris: Sans Pareil, 1925.