Domingo, 29 Dezembro 2024

Nas duas últimas semanas escrevi sobre entrevistas com escritores feitas pela também autora Edla van Steen no final da década de 70 e republicadas agora em 2008 pela LP&M. Entre os entrevistados, Porto Literário se concentrou em Plínio Marcos, dramaturgo santista, e Geraldo Ferraz, escritor e jornalista que ocupou o cargo de secretário de redação de A Tribuna por 13 anos a partir de 1954.

 

Entre as décadas de 50 e 60, Plínio e Ferraz foram dois nomes que compuseram a cena cultural de Santos. O autor que escreveria Barrela e Querô – uma reportagem maldita, entre outros, saía dos circos para os palcos de teatro; o jornalista, ao lado de Patrícia Galvão, a Pagú, sua esposa, vinha diretamente do movimento modernista. Os dois foram responsáveis pela criação do Suplemento Literário do Diário de S. Paulo nos anos 40 e, em A Tribuna, criariam também o suplemento Literatura, Artes, Cultura.

 

O encontro dos veteranos Geraldo e Patrícia com os novos talentos, como Plínio e os irmãos Mamberti no teatro ou Gilberto Mendes e Willy Corrêa de Oliveira na música (Mendes criaria o Festival de Música Nova em 1952), potencializou o perfil de Santos como cidade cosmopolita e produtora de cultura.

 

Apesar do nepotismo intelectual, vale aqui destacar o estudo realizado por Márcia Costa, minha esposa, que conta um pouco desse momento em sua dissertação Jornalismo cultural: a produção de Patrícia Galvão no jornal A Tribuna, nota 10 no mestrado em Jornalismo Cultural na Universidade Metodista.

 

No terceiro capítulo, ela aponta a atividade do porto como um dos motivos deste cenário:

 

Cidade portuária, santos caracterizava-se, nos anos 1950, ao lado do Rio de Janeiro, como principal via de entrada no país das novidades estéticas e culturais, em grande parte originárias da Europa. Desde as primeiras décadas do século XX, quando a cidade começou a receber projetos de higienização e se urbaniza, “civiliza-se”, para que pudesse ser o porto internacional do Brasil e de São Paulo, que promovia sua industrialização. Por conta da dependência da capital, Santos estruturava-se para receber tanto imigrantes (trabalhadores ou profissionais liberais), quanto famílias de empresários paulistanos que se transferem para a cidade atraídos pelos negócios envolvendo o café, distribuído ao mercado pelo porto.

(...)

Muitos estrangeiros traziam para Santos discos e livros, mas a importação de cultura era feita, em sua maioria, pela elite santista, apreciadora da cultura erudita, conforme relatou em entrevista a esta pesquisa Tereza Cavalcanti Vasques, professora de línguas e de História da Arte que viveu, adolescente, este período. Estes pequenos grupos que se interessavam pela literatura e pela apreciação da arte – principalmente da estética francesa – acompanhavam as novidades e o debate das novas tendências estéticas por meio dos jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo.

 

Além do suplemento de A Tribuna, conta a pesquisadora, a cidade contava também com o caderno cultural Hoje é Domingo, do jornal O Diário, editado pelo intelectual Miroel Silveira, que contava também com o poeta Narciso de Andrade como repórter do porto. Narciso, repórter de porto de O Diário, e seu “poetirmão”, Roldão Mendes Rosa, ainda jovens, também fizeram parte do pesquisismo, grupo de intelectuais liderados pelo próprio Miroel Silveira que se reunia para a realização de pesquisas. Roldão era então da equipe de A Tribuna e seus poemas já eram comentados. O jornal contava ainda com as colaborações de Carlos Drummond de Andrade e Otto Maria Carpeaux, além de Saulo Ramos e Cassiano Nunes, que ali já escreviam na década de 40.

 

Ponto de encontro era a Livraria Bazar Paris que, além dos intelectuais santistas, atraía nomes de São Paulo atrás das novidades vindas do porto, como o ex-presidente Washington Luiz, cliente da casa. Assim como Plínio Marcos havia dito a Edla van Steen em sua entrevista, a casa de Geraldo e Patrícia era também um local de encontro e discussões:

 

Geraldo Ferraz e Patrícia Galvão centralizavam o debate sobre cultura em Santos. A residência do casal tornou-se um pólo cultural da cidade, relata o filho Geraldo Galvão, em entrevista a esta pesquisa. Muitos artistas plásticos, escritores, arquitetos e atores brasileiros passaram por lá ao visitarem Santos. “Um monte de gente passou por lá: Jorge Amado, Érico Veríssimo, artista sempre tinha. Não era um salão, mas era onde se discutia cultura em Santos”. Em torno do casal também se reuniam os curiosos. O mesmo ocorria quando os jornalistas moraram em São Paulo e no Rio de Janeiro.

As influências culturais vinham principalmente de pólos como o Rio de Janeiro, São Paulo e Paris. Divulgadores e incentivadores da arte e da literatura, Ferraz e Patrícia Galvão mantinham relações com diversos escritores, artistas e intelectuais, como Sábato Magaldi, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Casais Monteiro, Sérgio Milliet, Flávio de Carvalho, Antunes Filho, Lygia Fagundes Telles, Paulo Emílio Sales Gomes, além de autores internacionais, como o próprio autor de teatro Eugène Ionesco [cuja primeira encenação no Brasil foi em Santos, produzida por Patrícia Galvão].

 

Foram tempos da criação do Festival de Música Nova, da campanha pela construção do Teatro Municipal, da formação da União de Teatro Amador de Santos e de grupos amadores de teatro (que deram origem à tradição do Festival Santista de Teatro Amador), da fundação da Associação dos Jornalistas Profissionais de Santos, da Sociedade Amigos de Fernando Pessoa, quando o autor português ainda era pouco conhecido no Brasil. Naquele momento, o Clube de Arte, ligado ao Partido Comunista, realizava cursos e promovia debates culturais como uma conferência sobre a Semana de Arte Moderna, além do Clube de Cinema, criado na década de 40, que teve à frente a figura de Maurice Legeard.

 

Essa enumeração não é de forma alguma combustível para o saudosismo, mas sim um lembrete de nossa capacidade intelectual e artística. Hoje a relação da cidade com o porto é bem mais estreita, intermediada por portões e autorizações de entrada, mas o porto também não é mais porta de entrada de artistas e idéias, substituído que foi pelo aeroporto e pela comunicação on line. Os jornais daqui não editam mais suplementos culturais, mas as revistas e coletivos em blogs e sites de cultura da cidade não param de produzir. Os movimentos culturais do teatro, da literatura e da música se articulam procuram saídas para a falta de alternativa e políticas públicas de estímulo à diversificação cultural.

 

Referências

Márcia Rodrigues da Costa. Jornalismo cultural: a produção de Patrícia Galvão em A Tribuna. Dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista. São Bernardo do Campo, 2008.

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