Havia listado no artigo anterior dois intelectuais que atuaram em Santos que participaram da série de entrevistas feitas pela escritora Edla van Steen no final dos anos 70 a recentemente relançadas: Plínio Marcos, santista de nascimento e homem de teatro, e Geraldo Ferraz, jornalista, ficcionista e crítico de artes plásticas. A entrevista de Plínio foi o assunto da semana passada, nesta escrevo sobre a entrevista de Ferraz.
Ferraz não é um nome tão conhecido pelos santistas como Patrícia Galvão, a Pagú, sua esposa, ou o próprio Plínio, que disse dele o seguinte em sua entrevista na mesma coletânea: “Eu pessoalmente achava o Geraldo Ferraz um babacatso [babaca], que escreveu um livro que todo mundo achava maravilhoso [Doramundo] e ele tinha vergonha de dar entrevista! Cansei de discutir isso com ele. Falei assim: ‘Pô, você parece um bobo, escrevi aí a minha Barrela, todo o mundo sabe quem eu sou, ando na cidade, todo mundo me conhece. Tu é diretor de um jornal, escreveu um livro que todos ficam dizendo que é gênio e ninguém sabe quem você é’.
Então cabe uma apresentação, ainda que breve: Ferraz nasceu em Campos Novos Paulista em 1905. Ainda adolescente, começa a trabalhar em uma tipografia, aos 18 anos tem um romance rejeitado por Monteiro Lobato, então um importante editor, que mesmo assim, vendo o potencial intelectual em Ferraz, o convida como revisor na Revista do Brasil. Passa pelo Diário da Noite e, em 1929, assume como secretário a Revista de Antropofagia, do Movimento Modernista, com o qual estreitou as afinidades intelectuais. Passa pelas redações do Diário de São Paulo, Estado de São Paulo, Correio da Tarde, entre outras, e em 1954, já casado com Patrícia Galvão, assume o cargo de secretário de redação de A Tribuna, onde trabalhou por mais 13 anos. Ele morreria em 1979.
A Edla van Steen, Ferraz contou que veio para A Tribuna por causa do salário e que em Santos pôde voltar sua atenção para as artes plásticas:
Em 1954, resolvi aceitar o cargo de secretário de redação da Tribuna de Santos, cujo diretor, Nascimento Júnior, já me havia dado em 1937 a oportunidade de trabalhar com ele. Nessa ocasião, ele me fez a proposta de somar todos os meus ordenados (eu era editorialista do Diário da Noite, do Diário de São Paulo e diretor da Agência France-Press e ganhava dezoito contos por mês). Eu estava cansado daquilo, esbodegado, vim para Santos. Embora o trabalho de secretário fosse também absorvente, eu voltei a me ocupar com leituras que havia abandonado, uma porção de interesses no campo das artes visuais.
Vale lembrar que em A Tribuna, além de secretário, Ferraz criou, ao lado de Patrícia Galvão, o suplemento Literatura, Artes, Cultura, mas o parágrafo acima é tudo que ele revela a van Steen sobre sua experiência intelectual em Santos. Muito pouco também aparece em suas memórias, Depois de tudo. Creio que isso, aliado à timidez apontada por Plínio, parece ter contribuído para que sua importância na vida cultural da cidade não tenha sido ainda completamente registrada. Na semana que vem, Porto Literário volta ao assunto.
Referências
Edla van Steen. Plínio Marcos e Geraldo Ferraz. Viver e Escrever. Volume 2. Porto Alegre: L&PM, 2008. Aqui, uma entrevista com a autora sobre o trabalho.