Sexta, 17 Mai 2024

O bairro portuário do Macuco é cenário privilegiado de muitos dos livros de História ou de ficção vasculhados aqui pelo Porto Literário. O Macuco é o território dos estivadores do romance Navios Iluminados, está no percurso do bonde 19 nas histórias de Plínio Marcos e Alberto Leal; é o bairro da cultura portuária que, como mostrou o historiador Rodrigo Rodrigues Tavares, substitui os bairros de cultura nacional, Campo Grande, São Bento, ligados a espanhóis e portugueses; é o grande espaço da cidade a ser ocupado, como nos filmes de velho oeste, nas memórias de Nelson Salasar Marques.

 

Romance, conto, História, memória... E não é que o bairro ganhou um novo registro? O Macuco é um dos roteiros turísticos incluídos no guia Santos e litoral: dez roteiros históricos a pé, editado pela Narrativa Um em dezembro de 2007. O bairro está no roteiro 4, Macuco: a outra arquitetura do café e os trabalhadores do porto. O título complementa o roteiro anterior: Os rastros do poderio do café na cidade.

 

Após uma explicação sobre o nascimento do bairro no final do século XIX, com casas construídas pelos próprios trabalhadores, já que as vilas operárias imaginadas por Saturnino de Brito nunca deixaram o papel, o guia leva o leitor a iniciar uma caminhada pelo Canal 4, mas não sem antes refletir sobre o papel do Macuco num livro de roteiros sobre o Monte Serrat, bondinho turístico, Aquário, Museu de Pesca, Pinacoteca, Fortaleza da Barra:

 

Mas como percorrer estes lugares que não constituem espaços turísticos? Esse roteiro propõe olhar e perceber uma atmosfera que nos leve ao tempo dos trabalhadores, imigrantes e operários de Santos do fim do século 19 e início do 20.

 

Os indícios para captar essa atmosfera são os chalés de madeira construídos em sua grande parte na primeira metade do século passado. A caminhada começa no início do canal 4, na Bacia do Macuco, tendo os armazéns e silos do Moinho Pacífico e da Citrosuco como cenário. Dali o guia sugere passar pelos chalés das ruas Almirante Tamandaré, Rodrigo Silva (endereço dos protagonistas do romance Navios Iluminados), Santos Dumont, Conselheiro João Alfredo, além de outros na Avenida Senador Dantas e no próprio canal.

 

Ilustração do Macuco de Veridiana Scarpelli

 

A partir daí, o percurso segue pela Rodrigo Silva até a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves para que o turista conheça o Museu do Porto, casarão ao lado da sede da Companhia Docas de Santos (atual Companhia Docas do Estado de São Paulo) construído na década em 1909 para ser a residência do diretor da empresa.

 

Uma das especificidades do bairro eram as casas de madeira, os chalés, a maneira encontrada pela população de ter sua casa própria: uma solução popular barata e rápida. Alguns construíam suas próprias casas e outros já compravam as casinhas prontas. A madeira usada na construção era, na maior parte das vezes, originária das caixas que embalavam os equipamentos importados que chegavam dentro dos navios.

 

Uma segunda edição do guia pode corrigir alguns erros – como a foto da abertura do roteiro 4, que não é do Macuco e sim do Canal 3 junto à linha do trem, entre Boqueirão e Encruzilhada, ou afirmar que Vila Macuco (hoje sem “Vila”), Vila Matias e Vila Nova formam hoje um só bairro. Mas os méritos são maiores e esses deslizes não atrapalham o percurso (tanto do livro como dos turistas). O roteiro seguinte, de número 5, complementa o ambiente portuário com Um passeio de barco pelos canais e pelo porto, a partir da travessia das catraias na Bacia do Mercado.

 

A edição do guia é bem cuidada. Além de fotos, os roteiros trazem mapas localizando as áreas de percurso na cidade ou na região, ilustrações e uma bibliografia sobre a história da cidade, de seus monumentos e fontes pesquisadas, o que pode levar o turista a novas descobertas. Uma destas fontes é o www.novomilenio.inf.br, do vizinho de coluna Carlos Pimentel. Por causa da importância dos chalés no percurso do Macuco, outro texto poderia ser incluído em nova edição do guia: é Chalé de Madeira – a moradia popular de Santos, de Gino Caldato, que tem duas outras obras nas referências do guia. O texto sobre os chalés está no livro coletivo A luta pelo espaço.

 

Epílogo

Acostumados com a praia, creio que os santistas temos dificuldades em perceber esses novos espaços de lazer, diversão e cultura, tanto que a recuperação do Centro Histórico, mesmo que cada vez mais consolidada num processo de vinte anos já, ainda não é capaz de levar muitos santistas para lá nos finais de semana (aos domingos, então, praticamente só turistas vemos por ali). Essa mesma visão pode fazer muitos santistas acharem inusitado (perigoso?) fazer turismo naquela área do Macuco descrita pelo guia, mas nada como um olhar de fora (de São Paulo no caso), desacostumado com o que para nós é usual, para apontar novas formas de lidarmos com nosso próprio território.

 

Casas típicas de La Boca são símbolo do bairro

 

Os chalés do Macuco, se aproveitados, podem ser para Santos o que as casas de madeira, placas de telha e metal do bairro portuário de La Boca são para Buenos Aires, um símbolo da identidade local transformado em riqueza sem que seus habitantes necessitem deixar o local.

 

Referências

Santos e litoral: dez roteiros históricos a pé. São Paulo: Narrativa Um, 2007.

Equipe

Redação e edição: Mônica Musatti Cytrynowicz

Pesquisa histórica: Iara Rolnik Xavier e Mônica Musatti Cytrynowicz

Fotografias: Flávio Magalhães e ZRF Photos & Produções

Ilustrações: Veridiana Scarpelli

 

Nelson Salasar Marques. O Macuco e seu espírito pioneiro. In: Imagens de um mundo submerso. Volume 1. Santos: Leopoldianum, 1995.

 

Vários Autores. A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1979.

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