Neste início de abril, a coluna Porto Literário completa três anos. São mais de 120 textos semanais, a maior parte sobre obras literárias que tratam do porto de Santos, com um olhar para a história da cidade através das lentes da ficção. Os três anos do espaço coincidem com os três anos de mestrado, completados nesta segunda-feira, dia 7, com a defesa de minha dissertação em História Social sobre o romance Navios Iluminados, livro dos mais freqüentados pelo Porto Literário.
Realizada a defesa, a leitura de minha dissertação não me parece de todo o mal. Além dos imperdoáveis e inevitáveis pontos sem significado, de pura função fática argumentativa, há no texto desdobramentos interpretativos sobre como as unidades de lugar e tempo configuram o espaço ficcional do porto de Santos. Não cabe a mim julgar o resultado, mas creio que qualquer interessado na literatura produzida sobre Santos poderá se informar ali.
Se essa dissertação conta uma história, é a de seu próprio desenvolvimento. Ao uso do romance Navios Iluminados como fonte da história do porto, o tempo de pesquisa acrescentou uma narrativa da história do próprio romance, por meio do manuseamento das edições do livros (orelhas, capas, epígrafes, prefácios, notas, local de edição), de sua fortuna crítica (resenhas, perfis literários, depoimentos) e de textos pessoais do autor, Ranulpho Prata (cartas a Lima Barreto e outros intelectuais, conferências), documentos literários que foram expostos ao contexto histórico em que foram produzidos.
Já no Porto Literário, meu trabalho é escrever sobre história e literatura portuária para um noticiário sobre o porto de Santos, cidades portuárias e políticas para o setor. Mesmo assim, os leitores do PortoGente formam um público com grande potencial de identificação com os temas como os de Navios Iluminados, Cais de Santos, A História dos Ossos, Querô, Os vira-latas da Madrugada, Barcelona Brasileira, Agonia na Noite, os poemas de Cais, os poemas de chegada (Neruda, Bishop, Cendrars) e os poemas de amor ao cais (Ribeiro Couto, Roldão, Narciso), além dos relatos da viagem (Staden, Knivet, May), ainda muito pouco explorados neste espaço. E sem falar dos contemporâneos (Flávio Viegas, Ariel, Demarchi) – e sua ficção do tipo pense globalmente e escreva localmente em diálogo constante com a tradição e com grupos literários de todo o Brasil que podem trocar informações e se lerem uns aos outros antes de materialização em livro por causa das ferramentas eletrônicas.
Dissertação entregue, a coluna se volta agora para o aprofundamento da análise histórica desses conjuntos de obras, com uma exploração mais profunda do ciclo dos romances sobre o porto, que chega a ser interpretado na pesquisa sobre o romance de Ranulpho Prata. Os relatos de viagem, por exemplo, não são ainda muito comuns por aqui. Já os contemporâneos foram ganhando espaço nos últimos meses, parte pelo gosto que tomei pela ficção atual, parte pela aproximação a nomes como Marcelo Ariel e Flávio Viegas Moreira, de quem, além de textos, procuro registrar suas falas, suas vozes literárias. No texto, cada um a seu estilo, os dois se embrenham por uma poesia de muita erudição e referências ao universo literário a ao campo artístico. Já quando os escutamos, suas máquinas narrativas tecem gêneros diferentes.
De um lado, percebemos as invenções de possibilidades de Ariel; do outro, a afetividade argumentativa de Flávio – já me questionei se a amizade tiraria minha capacidade de interpretar o trabalho deles, mas o registro da oralidade literária dos dois também é tarefa de um historiador da literatura. Dos nomes contemporâneos, temos também Ademir Demarchi, pesquisador e editor de revista literária. Já sua relação com o tempo presente é oferecer aos leitores poemas de anos de lapidação, um elixir contra a pressa de nossos dias. Para ficarmos com mais um dos nomes de Santos (ainda que universais!) que vem produzindo nos últimos anos, lembramos de Alberto Martins e sua poesia que mostra um litoral já marcado pela construção humana, no qual portos, cascos e guindastes já fazem parte da natureza.
O que ocorrerá vai depender do choque entre as intenções, as novidades e o acaso. Ao Porto Literário cabe receber os textos literários como um cais de grande calado.
Epílogo
Agradeço, agora publicamente, o apoio que tive de minha orientadora, Inez Garbuio Peralta, e as sugestões e correções apontadas pelas participantes da banca, as professoras Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e Maria Luiza Tucci Carneiro.
Referência
Alessandro Alberto Atanes Pereira. História e Literatura no porto de Santos: o romance de identidade portuária “Navios Iluminados”. São Paulo: Dissertação de Mestrado em História Social sob a orientação da professora doutora Inez Garbuio Peralta. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2008.