Os primeiros 260 metros de cais de pedra de Santos foram inaugurados há 115 anos, no dia 2 de fevereiro de 1892, fazendo com que a Cidade entrasse numa nova etapa, com o porto organizado.
Raro cartão-postal do início dos anos 30,
mostrando o monumento aos fundadores
da Companhia Docas de Santos Cândido
Gaffrée e Eduardo Guinle, notando-se ao
fundo, o prédio do Santos Hotel, demolido
para dar lugar ao atual prédio da Justiça
Federal na Praça Barão do Rio Branco.
Acervo: Laire José Giraud
Anteriormente, os veleiros e os vapores atracavam em pontes de madeira pertencentes aos diversos trapiches que existiam ao longo do estuário.
Esses primeiros 260 metros de cais lineares organizados, o primeiro do Brasil, foram inaugurados pelo navio inglês Nasmyth, pertencente à famosa armadora Lamport & Holt (L&H).
Numerosas autoridades da Cidade e ligadas ao porto, estavam presentes no momento em que o histórico navio atracava no local, onde hoje é o cais do Valongo, na época conhecido como Porto do Bispo. O comando do Nasmyth estava nas mãos do capitão Holt, que era parente da família proprietária do vapor.
Cartão-postal do final do século XIX, mostrando as
pontes de atracação pertencentes a trapiches da época.
Acervo: Laire José Giraud
O escritor e pesquisador marítimo José Carlos Rossini, no livro de sua autoria Rota de Ouro e Prata, conta que o Nasmyth havia largado as amarras do Porto de Liverpool, na Inglaterra, em 13 de junho de 1891, com destino a Salvador (Bahia), ao Rio de Janeiro e finalmente Santos, aonde chegou no dia 8 de julho.
Depois de muito tempo no porto, voltou para o Rio de Janeiro em janeiro de 1892, retornando a Santos no começo de fevereiro, para embarcar café com destino ao mercado britânico. Era a viagem número 40 e o início das operações da Companhia Docas de Santos, no seu novo cais de pedra.
O Nasmyth começou a navegar em 1880, na rota Europa-América do Sul por cerca de 22 anos, até a sua demolição, ocorrida em 1902, na Itália.
Imagem do legendário vapor britânico Nasmyth, da Lamport & Holt
(L&H), que inaugurou os primeiros 260 metros do cais acostável do
Porto de Santos no dia 02 de fevereiro de 1892. O local anteriormente,
era conhecido como Porto do Bispo. Acervo: J. C. Rossini
Segundo Rossini, o navio não possuía nada de especial, transportava 50 passageiros e possuía apenas dois decks (andares), e deslocava 1.991 toneladas de arqueação, media 96m de comprimento e com uma largura de 10m. Sua velocidade média era em torno de 10 nós.
Ainda na obra Rota de Ouro e Prata, é contado que na última década do século XIX, o porto era constituído de trapiches de madeira erguida em diversos pontos ao longo da bacia do estuário, e às margens da Antiga Cidade.
Belíssimo cartão-postal dos anos de 1920, onde vemos um trecho do cais
do Valongo, o prédio da Bolsa Oficial do Café e à esq., o prédio da Western
Telegraph Co., que ligava Santos por meio do telégrafo, com a Europa.
Ao fundo, o famoso Monte Serrat. Acervo: Laire José Giraud
Esses trapiches principais levavam diversos nomes conforme consta neste artigo mais adiante.
Anos atrás, eu e o memorialista Jaime Caldas, fomos entrevistados pelo jornalista André Kovalevski do Diário Popular, hoje Diário de São Paulo, que na realidade, foi um bate-papo entre amigos cujo tema foi o Porto de Santos. Cada um contava o que vinha à mente durante esse encontro de amigos, que não me lembro bem o ano, talvez pouco menos de 10 anos.
Imagem (1928) mostrando o segundo trecho construído do
Porto de Santos, que vai do Paquetá ao local que era conhecido
como Outeirinhos, onde hoje está situada a imagem de Nossa
Senhora de Fátima e o terminal de passageiros da Concais. O
prédio na parte inferior é o antigo frigorífico da Companhia Docas
de Santos, que hoje serve também como terminal de passageiros
dos navios de cruzeiros. Acervo: laire José Giraud
Graças às várias lembranças de Caldas e de algumas pesquisas anteriormente feitas por mim, o inteligente jornalista, atualmente na TV Mar, conseguiu unir aquelas informações de modo que se transformou como num passe de mágica em um belo artigo, que lembra algumas passagens históricas do nosso porto, cujo texto, peço licença ao autor para mostrar aos leitores, como segue abaixo:
Modernidade resgata modelo do século XIX
* por André Kovalevski
A Lei número 8.630, assinada em 1993 pelo então presidente Itamar Franco com o intuito de modernizar o sistema portuário do País, acabou por criar no Porto de Santos o resgate de um modelo adotado no final do século XIX.
A modernização que o Governo está implantando nada mais é que a volta dos trapiches da segunda metade do século passado. Entre 1860 e 1890, o estuário era recheado de pequenas pontes de madeira ligadas a armazéns (trapiches) pertencentes a negociantes. Cada comerciante tinha o seu pedaço de cais.
Hoje, a mercadoria não desce a serra no lombo das mulas e o escravo foi substituído pelo trabalhador remunerado, mas o modelo pretendido é o mesmo. O Governo, por meio de programas da estatal Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), está arrendado áreas portuárias para a iniciativa após 16 anos de estatização do cais.
Imagem inédita, de um crepúsculo no Porto de Santos,
onde são vistos navios atracados ao longo do cais linear.
Cartão-postal datado de 03/03/1931. Acervo: Laire José Giraud
Como na era dos trapiches, cada empresário ou grupo de negociantes terá o seu terminal ou armazém. O Programa de Arrendamentos e Parcerias do Porto de Santos (Proaps) já concluiu 10 arrendamentos, outros 11 estão em licitação e mais dois em fase de audiência pública. A intenção é de alugar 60% dos 8 milhões de m² de área do porto.
Ciclo
Assim como na época dos trapiches, o porto agora enfrenta uma nova realidade e sua adequação depende de investimentos em larga escala, coisa que o poder público não pode e não quer fazer. É um ciclo que está se repetindo, movido pela necessidade de investimentos maciços.
O período em que o posto foi estatizado trouxe a ineficiência e a estagnação ao cais. A eliminação dos trapiches era necessária porque aumentava a movimentação de cargas e o tamanho dos navios. Hoje a saída do Governo nas operações tem a mesma urgência.
Trecho simboliza fim de trapiche
O dia 2 de fevereiro de 1892 simboliza o fim da era dos trapiches porque, nessa data, foi inaugurado o primeiro de cais e pedra do Porto de Santos, com a atração do navio inglês Nasmyth, embarcação a vapor pertencente à armadora Lamport & Holt.
Cartão-postal Colombo, de 1960, mostrando parte do primeiro
trecho construído do cais, com encontro (na parte curva) com o
segundo trecho que vai do Paquetá à Santa. Acervo: Laire Giraud
As obras duraram dois anos e começaram após a interdição do porto pelo Governo Imperial, motivado pelas grandes epidemias e doenças tropicais que assolavam a região. O cais de pedra foi uma obra de saneamento básico. Essas obras são o desfecho de uma novela que se iniciou em 1870, com a primeira concessão (de 90 anos) para que fosse construído um porto em Santos. Como nada foi feito, em 1886, o Governo Imperial abriu concorrência pública, ganha por Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle.
Trapiches
Em 1868, o estuário santista não possuía mais do que nove trapiches, destinados ao embarque de passageiros, além da carga e descarga de mercadorias. Em 1889, já eram 23 pontes de madeira, mal conservadas e exploradas por negociantes que cobravam aluguel, encarecendo a mercadoria. Essas pontes seguiam de 20 a 30 metros mar adentro.
Entre os que se destacavam estavam os trapiches Paquetá e Consulado. Este último, também conhecido com antigo Porto do Consulado, localizava-se em área hoje ocupada pelo Armazém 3 da Codesp. O Trapiche Paquetá, um dos últimos a ser extinto, era de propriedade de Francisco de Souza Martins.
Cartão-postal do início dos anos 70, mostrando a parte nova,
local que era conhecido como Cais do Macuco. Além de vários
cargueiros, é visto o famoso porta-aviões Minas Gerais, da
Marinha do Brasil, desativado há poucos anos atrás.
Acervo: Laire José Giraud
Em 1870, existiam os seguintes trapiches no estuário santista: de Alfândega, do Arsenal, 11 de Junho, da Praia, do Consulado, da Capela, do Sal, da Banca, do Bispo e da Estrada de Ferro. Isso, segundo o livro História de Santos – Poliantéia Santista, dos autores Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti.
Ciclo marca evolução portuária
A evolução do Porto de Santos pode sr vista por três ciclos históricos, quando foram adotados três diferentes modelos de gestão e operação. O quarto ciclo volta agora, com as operações sob responsabilidade de iniciativa privada, a partir de 1998.
O primeiro ciclo, dos trapiches, ocorreu na segunda metade do século XIX, quando o cais não era de pedra e as embarcações servidas por pontes de madeira para atracação e desembarque e embarque de mercadorias. As exportações de café, de certo modo, impulsionaram e, posteriormente, extinguiram os trapiches.
O segundo período, considerado o de maior desenvolvimento, foi o da Companhia Docas de Santos (CDS), empresa privada liderada pelos empreendedores Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle. A CDS, que ganhou concessão de 90 anos para explorar o porto, foi responsável pelo que era o porto de Santos, em seu auge desenvolvimento.
Em 1980, o cais sai das mãos da iniciativa privada e é estatizado, com a criação da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), subordinada ao Ministério dos Transportes. É senso comum que de 80 aos dias de hoje o porto passou por período de sucateamento e falta de investimentos, o que se pretende corrigir com a sua volta ao setor privado.
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Depois dessa rápida recordação da primeira atracação no primeiro trecho do cais de pedra de Santos e lermos o artigo que conta algumas passagens do Porto, de André Kovalevski, só nos resta mandarmos um abraço a ele e para o amigo Jaime Caldas.
Fica aqui a nossa homenagem aos homens que construíram e conseguiram transformar o porto santista no maior da América do Sul.
Vista aérea atual, de parte da Baixada Santista (não consigo me acostumar com
a nova denominação: Costa Sul da Mata Atlântica), vendo-se em primeiro plano Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá, onde está situado o Tecon, a Cidade de
Santos e seu porto, o Estuário e no canto direito superior, a Cidade de Praia Grande.
Porto de Santos, parabéns por seus 115 anos!