No último artigo “Um Réveillon a bordo nos Anos 30”, mostramos alguns navios de passageiros de cascos brancos, dentre os quais mencionamos o Conte Grande, de que foi mostrado o salão de festa durante jantar de gala. Mas o navio não foi apresentado, o que vai acontecer neste artigo, em que é protagonista o Conte Biancamano, gêmeo do célebre Conte Grande.
O Conte Biancamano, da Itália di Navigazione que fazia par com o Conte
Grande, atracado em Santos, por volta de 1950, já com a proa lançada e o
casco na cor branca, que o diferenciava do período anterior à Segunda Guerra
Mundial. Acervo: Laire José Giraud
O texto abaixo é de um catálogo publicitário da Itália Flotte Riunite – Genova, do início dos anos 30, o qual dá algumas informações aos pretensos passageiros daquela longínqua década. Para dar mais ênfase no artigo foi conservada a forma de escrever, bem como a grafia da época.
“O Conte Biancamano não é desconhecido dos Sul Americanos. Em Março de 1928 effectuou uma viagem a Buenos Ayres interrompendo o seu serviço regular na carreira da América do Norte. A Sociedade “ITALIA” decidiu definitivamente meter na carreira da América do Sul este paquete destinado a fazer o maior sucesso não só pelo tamanho, segurança e rapidez, como também pelo excellente serviço, completamente remodelado quando da sua entrada nesta nova carreira.
Capa do catálogo publicitário do início da década de 1930,
com informações gerais sobre o navio, que ia desde as
características técnicas, ambientes e lazer de bordo.
Acervo: Laire José Giraud
A Segunda Classe do Conte Biancamano, apesar de não ter o luxo da Primeira Classe, offerece um conjuncto de salas espaçosas, claras, mobiladas com raro gosto, cabines cômodas, casas de banho e duche, convez coberto e aberto, emfim tudo quanto pode tornar a vida abordo agradável e cômoda. Uma cosinha optima tradicional dos Contes; espetáculos animatograficos, concertos, bailes nos salões e no convez, sports e jogos; um jornal “Il Corriere Del Maré” com as noticias de todo o mundo; vida alegre e sã abordo do Conte Biancamano, terceiro da série dos Contes, e maior que os dois paquetes gêmeos Conte Rosso e Conte Verde, que já conquistaram grande fama na carreira da América do Sul”.
Beleza e luxo
Pelo seu esplendor, o transatlântico italiano Conte Biancamano sempre despertou enorme admiração. Embora não fosse o maior navio da frota italiana, mas apenas um transatlântico de porte médio, pelos padrões mundiais da época, dele se destacavam o luxo e a beleza.
O Conte Biancamano, antes da Segunda Guerra Mundial, com o
casco na cor preta e a proa reta, que dava um aspecto bem diferente
do período pós-guerra, onde sua aparência era mais alegre e tropical.
Foto: Reprodução
A primeira classe era de um luxo digno de um castelo de condes. Os privilegiados ocupantes dispunham de duas suítes, 12 cabinas de luxo, 56 cabinas especiais com banho e vastos salões públicos esplendidamente decorados. Neles, os arquitetos Brasini e Coppede (da casa artística Coppede, fundada em 1885, em Florença) exibiam verdadeiras obras-primas.
O Conte Biancamano recebeu esse nome em homenagem ao conde Umberto, apelidado de Biancamano (mão branca, em italiano), por suas qualidades diplomáticas.
No mar
Depois do sucesso dos transatlânticos Conte Verde e Conte Rosso, no início da década de 20, tanto nas rotas dos Estados Unidos como da América do Sul, a armadora Lloyd Sabaudo decidiu construir outro par de navios, com características semelhantes: o Conte Biancamano e o Conte Grande. Este último, durante muitos anos, também freqüentou as águas do Brasil.
O Conte Biancamano em plena navegação e com um ar jovial,
atraía muitos passageiros, tanto na linha do Atlântico Norte, como
na linha Sul Americana. Acervo: Laire José Giraud
Encomendado ao Estaleiro W. Beardmore, de Glasgow (Escócia), o Conte Biancamano foi lançado ao mar em abril de 1925 e, no dia 7 de novembro do mesmo ano, partiu com destino à Itália, impressionando pela imponência e linhas mais equilibradas que as dos antecessores.
No dia 12, finalmente, o Conte Biancamano entrava no Porto de Gênova, embandeirado de gala, verdadeiro orgulho da marinha mercante da Itália.
Perfil
Em viagem inaugural, sob o comando do capitão Turchi, o transatlântico deixou Gênova no dia 23 de abril, rumo a Nova Iorque. Encontravam-se a bordo 1.604 passageiros, 350 dos quais viajavam em primeira classe.
Os artistas de Hollywood Douglas Fairsbank
e sua esposa Mary Pickford, na companhia de
sua filha, foram alguns dos inúmeros passageiros
famosos do legendário navio. Foto: Reprodução
Com oito conveses e 12 divisões estanques, o navio ainda dispunha de cinco porões de cargas, sendo um reservado a produtos refrigerados e outro à bagagem dos passageiros, além de duas salas de caldeiras, duas de máquinas e tanques de combustível.
Durante uma década e meia, deslocou-se seguidamente entre a Europa e as Américas, alternando as viagens aos Estados Unidos e ao Brasil, Argentina e Uruguai.
Maria Fea
Vale a pena registrar um fato importante relacionado a Santos. Foi a bordo do Conte Biancamano que a italiana Maria Fea chegou ao Brasil.
O catálogo do navio mostrava fotografias dos locais por onde o navio escalava.
Santos era representada pela Praia do Gonzaga. – Anos 30.
Ela morava em São Paulo e, no dia 4 de outubro de 1928, foi assassinada pelo marido, que tentou despachar o corpo para a Europa, dentro de uma mala, no navio francês Massilia. Mas o cadáver foi descoberto pelos estivadores do porto, e sepultado no Cemitério da Filosofia.
Desde então sua sepultura é visitada por parte da população, que lhe credita muitos milagres.
Nova Era
A Segunda Guerra Mundial praticamente decretou o fim dos transatlânticos e o Conte Biancamano não fugiu à regra.
A série de jogos e distrações a bordo era infinita, que iam desde
exercícios físicos, ministrados por professores de educação física,
até os jogos de precisão e de lazer, como o que vemos na fotografia.
Foto: Catálogo Conte Biancamano
Em dezembro de 1941, foi apreendido pelos Estados Unidos em Cristobal (Panamá), onde se achava refugiado. Transformado em navio-transporte de tropas e rebatizado Hermitage, operou para os aliados até o fim do conflito.
Em 1947, foi devolvido às autoridades italianas, mas o mundo já não era o mesmo. Em menos de uma década, os transatlânticos perderiam espaço para o avião.
O salão de jantar de segunda classe era mais luxuoso do
que os de primeira de outros navios da época, conforme
mostra a fotografia.
Totalmente reformado, mas sem o esplendor antigo, o Conte Biancamano iniciara a primeira viagem pós-guerra no dia 10 de novembro de 1949, deixando Gênova com destino á Argentina. Com escalas no Rio de Janeiro e em Santos, voltava ao Brasil depois de 13 anos de ausência.
O transatlântico italiano ainda representava o que de melhor havia em transporte marítimo, mas ano a ano diminuía a procura dos passageiros (no fim da década de 50, os Super-Constellation faziam a ligação aérea entre o Brasil e Europa em 36 horas!) e a última viagem aconteceu em 1960, ano em que foi levado a La Spezia, para ser demolido.
Maria Mercedes Fea, que é tida por muitos como
milagrosa, foi uma das passageiras do Conte
Biancamano. Ficou conhecida por ter sido vítima
do crime da mala. Maria Fea está sepultada no
Cemitério da Filosofia em Santos. Foto: Reprodução
Restaram as lembranças da era de ouro dos transatlânticos, o charme das viagens transatlânticas e a visão eterna dos magníficos navios brancos, embandeirados a arco, cruzando a Barra de Santos.
O maravilhoso e inesquecível Conte Grande, que deixou de ser
mostrado no artigo anterior, foi um dos navios mais belos e célebres
que passou pelo Porto de Santos, nos anos dourados dos transatlânticos.
Acervo: Laire José Giraud