Este artigo que conta a saga do transatlântico alemão Windhuk foi publicado no jornal A Tribuna de 18 de maio de 1995, em parceria com o repórter Hélio Schiavon, que redigiu o interessante texto. A parte de informações do legendário navio foi por mim pesquisada.
O Windhuk era um dos navios mais modernos da época. Media 176 m de
comprimento; deslocava 16.622 t; Velocidade: 18 nós (33,3 km/h); tinha
capacidade para 540 passageiros em três classes e uma tripulação de 250
pessoas. Lançado em 15/10/1936. Acervo: Laire José Giraud.
Estava eu na redação de A Tribuna, quando comentei com Schiavon, que meu tio por afinidade, o prático aposentado Gerson da Costa Fonseca, de 88 anos, foi quem avistou na companhia de Mário de Azevedo, o navio entrando no porto disfarçado como sendo de outra nação.
O prático aposentado Gerson da Costa Fonseca, diante da maquete do Massília (acervo da Praticagem de Santos), navio muito conhecido na época. Foi quem
avistou o Windhuk entrando em Santos. Foto de 1995. Acervo: Laire José Giraud.
Para maior clareza do ocorrido, transcrevo o texto cujo mérito pertence ao ilustre amigo e repórter, como segue:
“Durante a Segunda Guerra Mundial, a partir do momento em que o Brasil entrou no conflito, o Porto de Santos foi declarado “zona de guerra”. A Cidade vivia às escuras. O legendário navio misto Windhuk(canto do vento, em tradução livre do alemão) foi apreendido no porto. Quem o avistou pela primeira vez foi o prático aposentado Gerson da Costa Fonseca, em 7 de dezembro de 1939. Gerson recorda que viu o Windhuk chegar camuflado com as cores japonesas, com o nome de Santos Maru e hasteando na popa (ré) a bandeira do Japão.
Naquele tempo, as comunicações via rádio eram muito deficientes. Por isso, a Praticagem mantinha no Monte Serrat um serviço de atalaia. Munido de binóculo, o atalaiador localizava o navio entrando na barra e, por telefone, comunicava a sua chegada aos práticos que ficavam na Ponta da Praia.
O Windhuk, fundeado no estuário do cais santista, camuflado nas cores do navio japonês Santos Maru, no dia de sua chegada, 07/12/1939. Foto: Reprodução.
Em 1939, o Gerson já tinha sido aprovado no exame para prático da barra, mas enquanto não abria vaga no quadro (esperou 11 meses) trabalhava como atalaiador.
Ele não tinha muita experiência e, por isso, não desconfiou quando viu o enorme navio chamado Santos Maru se aproximar com as cores e a bandeira japonesa. O seu companheiro, entretanto Mario Azevedo, não titubeou em classificar o navio como da marinha mercante alemã.
Raro cartão-postal, mostrando o Windhuk fundeado no estuário, nas
proximidades do Moinho Santista, vendo-se à direita o famoso Conte Grande
(de duas chaminés) atracado nas proximidades do escritório do Tráfego da
Cia Docas de Santos, a famosa CDS. Ambos os navios foram confiscados
pelo Governo brasileiro em 29 de janeiro de 1942. Acervo: Laire José Giraud.
Gerson diz que ele examinou a embarcação pelo binóculo e confirmou: ‘É o Windhuk, aposto’.
Por pouco – Até que o navio alemão teve sorte, prossegue o ex-prático. Ele lembra que, naquela época o Brasil ainda não estava na guerra, mas todo o Atlântico Sul já era patrulhado por cruzadores e destróieres ingleses, na caça de submarinos e navios mercantes alemães.
O Windhuk foi vendido em maio de 1942 para o governo dos Estados Unidos,
onde passou a ser navio transporte de tropas Lejeune. Dizem, quem o Windhuk
e o Conte Grande, na realidade foram trocados pela sede da embaixada do
Brasil, em Washington D.C. Foto: Reprodução.
Gerson diz que, assim que o navio alemão entrou na Baía de Santos, ele viu se aproximando, na Ponta dos Limões, um contratorpedeiro da Marinha britânica. O ex-prático afirma que o navio de guerra inglês teria capturado o moderno navio misto (de cargas e passageiros), se já não estivesse praticamente nas águas do porto.
Aliás, Gerson garante que a ordem para procurar o Porto de Santos foi dada pelo Estado Maior alemão. O Windhuk havia saído de Lobito (Angola), em direção à Argentina, mas no meio do oceano recebeu a ordem de evitar Buenos Aires e, também, Montevidéu (Uruguai).
Imagem do navio Pretoria que fazia a
mesma rota de navegação do seu gêmeo
Windhuk, aqui no porto de Hamburgo.
Foto: Reprodução.
Em Santos – o transatlântico alemão, que tinha capacidade para 540 passageiros, não encontrou nenhuma dificuldade no início. O prático Antônio Reis Castanho Filho, pai do prático Ismael Castanho, entrou com a embarcação até o cais do Armazém 18.
Cerca de 40 passageiros desembarcaram. Dias depois, sem receber nenhuma carga, foi rebocado para a área de fundeio perto do Canal e Bertioga, aguardando instruções da Alemanha.
O seu comandante não se atrevia a voltar para o mar aberto, que era policiado até o Rio da Prata pelos cruzadores ingleses Ajax, Exeter e Achilles.
Guerra – A cada duas semanas, partia de Santos um comboio de 15 a 20 navios, levando armas e víveres para os aliados. Certa vez, o comboio somou 42 unidades, eram 13 os práticos da Barra.
Ele recorda: “Era um drama trabalhar à noite. Toda a Cidade ficava às escuras. Os navios mantinham as luzes apagadas. As bóias do canal também ficavam apagadas e a lancha não podia acender os faróis. Era até proibido fumar. Quando você menos esperava, surgia no meio da escuridão, o costado de um navio enorme à sua frente”.
Nessa época, já em 1942 (15 de janeiro), o Governo brasileiro decidiu desembarcar os 240 tripulantes do navio alemão. Muitos foram para campos de concentração no interior de São Paulo.
Memória – Para o ex-prático, o tempo de guerra foi um dos mais difíceis para o porto. Ele lamenta, em particular, o desaparecimento do navio americano Joseph Dinand, cujo comandante lhe devotava especial amizade.
Os dois se despediram com um abraço, quando o cargueiro lotado de café cruzou a última bóia do canal, em direção aos Estados Unidos. Um dia depois soube que o navio havia sido afundado por um submarino inimigo no litoral de São Sebastião.
No Restaurante Windhuk, em São Paulo, o autor na
companhia do gerente do famoso restaurante, onde todos
os anos no dia 07 de dezembro, os ex-tripulantes do famoso
navio se reúnem. Somente vivem 10 dessas pessoas. Um
detalhe, o local é totalmente decorado com fotografias do
navio e objetos que a ele pertenceram. – 2003.
Acervo: Laire José Giraud
Nascido em 23 de abril de 1918, no Rio de Janeiro, Gerson chegou a Santos em 1939, a convite do pai, que era patrão-mór (hoje ajudante) da Capitania dos Portos, cuja função era atuar como prático dos navios da Marinha de Guerra.
Gerson da Costa Fonseca conclui que trabalhou 40 anos na Praticagem de Santos, sem registrar nenhum acidente.
Windhuk realizava a 13ª viagem na linha
O navio Windhuk era um dos maiores e mais modernos navios mistos construídos na Alemanha. Ele foi lançado ao mar em 15 de outubro de 1936 com a finalidade de ligar a Europa à costa ocidental da África. Ele fazia a sua 13ª, quando teve que se desviar para a América do Sul vindo parar no Brasil.
Além de 190 passageiros, sendo 152 na 1ª classe (tinha duas piscinas), transportava grande quantidade de carga. Inclusive frigorífica. A tripulação era de 240 homens.
O livro Canto do Vento, tradução da
palavra Windhuk, de Camões Filho, é
muito bom de ser lido, pois conta a
saga do navio e de seus tripulantes.
O Windhuk era um navio cobiçado. Não foi à toa que os tripulantes encheram as máquinas de cimento, em maio de 1942, quando o Brasil vendeu a embarcação para os Estados Unidos. Os tripulantes alegaram que os americanos queriam copiar sua tecnologia, mas receberiam apenas ferro-velho.
No mar – Não foi bem assim. O Windhuk era tão bom que pôde ser totalmente recuperado. Tanto que, em 26 de março do ano seguinte, era lançado novamente ao mar e rebatizado de Lejeune. Foi com esse nome que entrou para a reserva da Marinha norte-americana em 9 de fevereiro de 1948.
Quem teve a oportunidade de conhecer o Windhuk em Santos não se cansa de elogiar a tecnologia alemã. Era o único navio da época que viajava à velocidade de 18 nós (33,3 quilômetros por hora).
Orgulho – Além das duas piscinas, o navio alemão possuía um amplo restaurante, salão de festas, pista de danças e coberta fechada, junto á popa (ré).
Os equipamentos de náutica eram os mais avançados da época. Na parte de máquinas, turbinas a vapor e três geradores acionavam um par de hélices.
A viagem inaugural começou em Hamburgo (Alemanha) no dia 12 de abril de 1937. Depois de passar pela Holanda, Bélgica, Inglaterra, Espanha e Portugal, circunavegou o continente africano até chegar a Durban e Port Elizabeth (África do Sul) e Beira (Moçambique).
Santos – Quando saiu de Lobito, em Angola, no dia 26 de agosto de 1939, já fugindo dos navios ingleses, o comandante do Windhuk percebeu que seria impossível voltar à Alemanha. Então, ele cruzou o Atlântico em direção à Argentina.
No meio do oceano, porém, recebeu notícias de que havia uma batalha no Rio da Prata e seria perigoso passar por Montevidéu. A alternativa seria procurar o Brasil, que era país neutro.
A batalha do Rio da Prata se tornou famosa pelos danos causadas à Marinha alemã. Conta-se, inclusive, que a tripulação do encouraçado alemão Admiral Graf Spee afundou o navio para que não caísse nas mãos dos aliados.
Conta-se também, que o cruzador inglês Achilles perseguiu o Windhuk até a entrada da Baía de Santos. Não conseguiu alcançá-lo, “devido a sua excepcional velocidade”.
Tripulantes – Em dezembro de 1941, dois anos depois da chegada do navio misto a Santos, os tripulantes do Windhuk continuavam livres. Passavam o dia em terra e dormiam no navio. Para a maioria, foi um tempo bom, o melhor de sua vida no Brasil.
Gerson, a testemunha viva da chegada
do Windhuk na companhia de sua esposa
Arlete Praça Fonseca. O casal completou
exatamente 62 anos de casados. A ele,
os nossos parabéns! A foto é de 1995.
Acervo: Laire José Giraud.
Mas, no ano seguinte, no dia 29 de janeiro de 1942, o Governo brasileiro confiscou o navio. Em breve, estavam todos confinados em campos de concentração.
Hoje, a vida dos tripulantes do Windhuk no Brasil faz parte da história de muitos municípios. A maior parte se casou e jamais voltou à Alemanha. Poucos deles e muitos de seus descendentes ainda podem ser encontrados em Taubaté, Pindamonhangaba, Campos do Jordão, Jundiaí, São Paulo, São Vicente e Santos, naturalmente.”
Este artigo foi transcrito em razão de uma conversa virtual com o amigo Comandante Carlos Dufriche, que trouxe à tona, esse eletrizante tema. A ele, obrigado pela lembrança.