Próximo ao Natal de 2004, ao descer no Rio de Janeiro, de bordo do transatlântico italiano ‘Costa Victoria’, segui da Praça Mauá pela Avenida Rio Branco, em direção à Rua do Ouvidor, para chegar até a Rua Gonçalves Dias, onde está a famosa Confeitaria Colombo, local que não deixo de freqüentar quando vou à Cidade Maravilhosa.
Capa do Guia Santista de 1956, verda-
deiro informativo da Baixada. A imagem
mostra os antigos casarões e o famoso
jardim das praias da Cidade.
(Reprodução: Acervo Laire J. Giraud)
Principalmente para saborear os deliciosos salgadinhos e incomparáveis doces cujo sabor não se encontra em outro local.
Por falar em Colombo, local que freqüento desde menino, e para onde ia na companhia dos meus pais e tios, a confeitaria já passou por duas viradas de século, pois foi fundada no Século 19.
Durante o trajeto, entrei em várias ruas transversais, atraído pela sedução que essas vias do Centro carioca me transmitem, principalmente em vista da arquitetura dos prédios.
Assim entrei na Rua Visconde de Inhaúma, deparei com a Igreja de Santa Rita de Cássia, onde entrei e fiz uma oração a essa santa das coisas impossíveis.
De lá passeei por vários locais, até que entrei na Rua Buenos Aires, onde avistei uma loja de livros antigos, conhecidas mais popularmente como sebos.
Não resisti à curiosidade de lá entrar para dar uma olhada e ver se encontrava alguma obra interessante - em total desafio à alergia que tenho pelo pó produzido por livros antigos.
Foto rara de José Dias Herrera clicada durante
a temporada de verão de 1956, uma das mais
alegres de todos os tempos.
(Reprodução: Acervo Laire J. Giraud)
Como radar, fiquei a olhar para as prateleiras repletas de livros, quando repentinamente deparei com um exemplar de 1956 do ‘Guia Santista’ (‘Tourist Guide to Santos’), que marcava o preço de Cr$ 50,00 (cinqüenta cruzeiros), valor de moeda vigente na época de edição da publicação.
A capa tem uma bela fotografia da Praia do Gonzaga, em Santos, mostrando ainda casarões que existiam na orla praiana. A fotografia foi tirada pelo grande fotógrafo José Dias Herrera, o Seu Zezinho, que hoje está com 85 anos e ainda trabalha incessantemente, sem deixar de dizer que fotografou incontáveis acontecimentos da História de Santos, que aqui não mencionarei, pois demoraria uma eternidade relacioná-los.
A capa mostra um anúncio do principal patrocinador do Guia Santista, que era a cerveja Mossoró, muito popular na Década de 1950. Lembro que era uma cerveja preta e tinha o nome em homenagem a um cavalo que venceu o Grande Prêmio Brasil, décadas atrás.
O Porto de Santos, até a Década de 1960, foi um
dos maiores exportadores de banana para os
mercados sul-americano e europeu. Aqui vemos o
embarque do produto no transatlântico britânico
'Brasil Star'. (Reprodução: Foto José Dias
Herrera/Acervo Laire José Giraud)
Voltando ao sebo, com o intuito de não deixar transparecer o meu grande interesse pelo verdadeiro tesouro encontrado, peguei outros livros que não tinha interesse em adquirir e comecei a perguntar os preços, me portando como se fosse um sujeito macete. Isto é, caso o vendedor notasse o meu desejo de comprá-lo, imediatamente o preço seria mais caro.
Fui informado dos preços, até que repentinamente mostrei o Guia, e o preço indicado foi de R$ 10,00 (dez reais), o que achei barato, por ser um verdadeiro produto de garimpo.
Já na Avenida Rio Branco, eu comecei a folheá-lo, e notei que era recheado de fotos do Seu Zezinho, tanto de Santos, quanto também de São Vicente, Guarujá e Cubatão, além de contar sucintamente a história desses municípios e mostrar claramente como chegar aos diversos locais da Baixada Santista.
Vista aérea do Porto de Santos observado na altura do
escritório do Tráfego da antiga CDS - Companhia Docas de
Santos. Atracado no cais, um dos navios (o de casco preto)
do Lloyd Brasileiro, da classe Nações, que eram conhecidos
como “Bombas” devido ao formato externo ser parecido com
este artefato bélico. (Reprodução: Foto José Dias
Herrera/Acervo Laire J. Giraud)
Vendo o Guia mais detalhadamente, fui invadido por várias lembranças, principalmente dos anúncios dos patrocinadores de vários estabelecimentos comerciais que conheci, como hotéis, agências de navegação, lojas de calçados e moda, restaurantes, lanchonetes da época como Ao Campo Belo, que ficava na Rua Dom Pedro II, n.º 64, e que, diga-se de passagem, tinha o melhor sanduíche de pernil da Cidade, em todos os tempos.
Entre os anunciantes, que não eram poucos, encontrei os seguintes:
- Grande Hotel Martini, Avenida Presidente Wilson 196;
- Galeria Paulista (móveis), Praça Rui Barbosa, 26;
- Casa Cuco (música), Rua Amador Bueno, 151-A;
- Hotel Belvedere, Avenida Presidente Wilson, 7;
- Balneário Netuno (cabinas para banho), Avenida Presidente Wilson, 17;
- Casa Moussali (casimiras e tecidos), Rua General Câmara, 87;
- Agência Marítima Johnson Ltda., Praça Rui Barbosa, 23 – 1.º Andar;
- Restaurante Vasco da Gama, Avenida Saldanha da Gama, 33;
- Casa Longobardi Ltda. (automóveis), Rua Senador Feijó, 200;
- Agência Marítima Norlines, Praça da República, 87 – 12.º Andar;
- Trianon – Restaurante, Pizzaria e Bar, Rua Marcílio Dias, 4;
- Organização Comercial Andra (material de escritório), Rua Martim Afonso, 113;
- Lloyd Real Belga (Brasil) Ltda, Rua Cidade de Toledo, 15;
- Casa Bancária Branco, Praça da República, 30;
- Pensão Marajoara, Avenida Presidente Wilson, 30;
- Agaxtur Turismo, Rua Quinze de Novembro, 8;
- Renner (roupas), Rua General Câmara, 15;
- Hotel Avenida Palace, Avenida Presidente Wilson, 10;
- A. Rizzo (alfaiate), Rua Vasconcelos Tavares, 38;
- Exprinter Viagens, Praça Mauá, 9;
- Ritz Hotel, Avenida Marechal Deodoro, 24;
- Branca de Neve (calçados), Praça Mauá, 31;
- R. Teixeira S/A, R. General Câmara, 71;
- Casa Minerva (papelaria e tipografia), Praça Mauá, 46;
- Casa Affonso Moreira, Rua Marcílio Dias, 1;
- Hotel São Paulo e Confeitaria Yara, Praça da Independência, 7/13;
- Café Paulista, Praça Rui Barbosa, 8;
entre muitos.
Foto aérea da orla marítima, que mostra os famosos hotéis,
lembrados na obra 'Memórias da Hotelaria Santista'. A partir
da esquerda, são: Avenida Palace, Belvedere, dos Bandei-
rantes, Atlântico Hotel e Parque Balneário Hotel com o belo
jardim. Ao fundo, a Praça da Independência, onde os cidadãos
de Santos sempre se encontravam e onde nos tempos atuais
são celebradas comemorações especiais.
(Reprodução: Foto José Dias Herrera/Acervo Laire J. Giraud)
De São Vicente, havia destaque para anúncio da Cantina do Lucas (antiga Leão de Ouro), que tinha cozinha italiana, pizzaria, e um prato especial feito com frango de leite. Pertencia ao comerciante Leopoldo de Luca e ficava na Avenida Antonio Rodrigues, 436, Praia do Gonzaguinha.
De Cubatão, havia um anúncio da Farmácia Americana, que tinha instalações na Avenida 9 de Abril, 279.
Esses antigos anúncios me permitiram notar como era Santos e os costumes na época, do mesmo modo que os cartões-postais antigos me informam sobre as grandes mudanças ocorridas ao longo das últimas décadas.
Não poderia aqui deixar de mencionar os editores responsáveis pelo Guia: Neif Kfouri e Alfredo Muniz Júnior.
Um dos anúncios do Hotel dos Bandeirantes,
vizinho ao Hotel Belvedere. (Reprodução: Acervo
Laire J. Giraud)
Foram colaboradores da edição de 1956 do Guia: Olao Rodrigues, Membro do Conselho Municipal de Turismo, e Dr. Joaquim Ribeiro de Moraes, da Sociedade Geográfica Brasileira. E como fotógrafos: José Herrera (Conselho Municipal de Turismo), R. Ferreira e B. Kauffmann.
Sou apaixonado por esta cidade pitoresca e charmosa. Por isso procuro adquirir livros, folhetos e cartões-postais que mostram todas as nossas coisas boas e me fazem sentir orgulhoso de ser santista.
A coluna Recordar, de PortoGente, aproveita o ensejo para dar os parabéns ao nosso querido Bondinho Turístico, que já transportou mais de 430 mil passageiros, e que circula ao lado de um de mais três irmãos doados pela cidade do Porto, de Portugal.
Finalizando, esse Guia Santista - repleto da aura e da magia dos românticos tempos de meados do Século 20 - foi um verdadeiro presente de Natal, pois, além de trazer lembranças que estavam guardadas na memória, me permitiu recordar antigos estabelecimentos comerciais.
Veja mais imagens:
O anúncio do Hotel Avenida
Palace, hotel que ainda existe,
mostrava um coração com o
intuito de mostrar a hospitalidade.
(Reprodução: Acervo Laire J. Giraud)
Anúncio da Ivaran Lines e da Nopal Line,
armadoras representadas pela Agência de
Vapores Grieg, que tinha escritório em
Santos na Praça da República, 46. O atual
fica na esquina da Rua Augusto Severo com
a Praça Barão do Rio Branco. (Reprodução)
Anúncio da Casa Minerva, papelaria, livra-
ria e tipografia com instalações na Praça
José Bonifácio, 21. E anúncio da Casa
Baruel, importadora de drogas e perfu-
marias, com loja na Rua Amador Bueno,
194. (Reproduções)