O casal Arlete e Gerson da Costa Fonseca, que completaram
60 anos de feliz vida conjugal. Em 13 de abril de 2005,
Gerson completou 87 anos de idade.
(Reprodução: Foto Alfeu Praça Fonseca)
Em 1939, um jovem originário do Rio de Janeiro, Gerson da Costa Fonseca, então com apenas 21 anos de idade, chegou a Santos para terminar seus estudos de contabilidade.
Passou a freqüentar as aulas do Colégio José Bonifácio e em 1942 obteve o diploma de Ciências Contábeis.
O passo seguinte era procurar uma colocação como contador, e Gerson, com a indicação de alguns conhecidos, foi se apresentar no escritório da Wilson Sons, em Niterói, obtendo uma vaga.
Quis o destino, porém, que em vez de contador, surgisse um prático piloto. Poucas semanas antes de iniciar o trabalho na Wilson Sons, o jovem Gerson foi informado da existência de uma vaga no Serviço de Praticagem do Porto de Santos.
Gerson, amante do mar e de suas coisas desde criança, não hesita: refaz as malas, embarca em um costeiro da Companhia Nacional de Navegação Costeira (CNNC) para Santos e se apresenta no escritório da Praticagem, na Praça da República, 8. É admitido como atalaiador.
Familiares e amigos de Arlete e Gerson, durante encontro
na residência do casal. (Reprodução: Foto Alfeu Praça Fonseca)
Assim se iniciava a aventura de 40 anos de duração, quatro décadas servindo a navegação portuária santista.
Atalaiador, palavra hoje em desuso, era um funcionário da Praticagem que efetuava missão de vigia da baía e da bacia do porto.
Baseado em uma dependência situada no alto do Monte Serrat, munido de binóculo e da lista dos navios esperados no porto, o atalaiador espreitava permanentemente a entrada da barra e do canal do estuário.
À medida que chegavam os navios, obviamente com luz diurna, cabia ao atalaiador identificar a nacionalidade e proveniência (norte ou sul).
Gerson, quando ingressou na Praticagem, encontrou práticos experientes como Sebastião Couto, Henrique da Luz, Luiz Soares, José Soares, Edmar Botto de Melo, João Batista Peirão, Alberto Lopes Marinho, Constantino Azevedo e Antonio Reis Castanho Filho, entre outros.
Tão logo tivesse a identificação de um navio, cabia-lhe comunicação por telefone, avisando a chegada do cargueiro à Praticagem, na sede central, à agência de navegação responsável pelo navio e às autoridades portuárias (da Saúde, Alfândega e Polícia Marítima).
Em seguida, o atalaiador hasteava no mastro do alto do morro uma bandeira retangular vermelha, seguida da bandeira que correspondia ao numeral do país da embarcação.
Estas duas bandeiras ficavam hasteadas enquanto o prático subia a bordo até o final da faina de praticagem.
No início dos Anos 40, os práticos iam de bonde do Centro da Cidade até a Ponta da Praia para embarcar em uma das antigas lanchas (a Cuíca e a 1.º de Novembro), que os conduziam até os navios, esperando na boca da barra, ou seja, na altura da bóia n.º 1).
Os navios eram levados para o interior do porto, às vezes diretamente para o cais ao qual se destinavam, às vezes para fundear no lagomar, entre os Armazéns 1 e 12, aguardando atracação.
Ancoradouro desnecessário
Naqueles idos, ainda não existia, nem se fazia necessário o ancoradouro da barra, que foi organizado anos mais tarde pelo próprio Gerson Fonseca.
Gerson permanece como atalaiador até novembro de 1940, passando em seguida a ser praticante de prático, ou seja, prático em formação, tarefa que cumpriu de dezembro de 1940 a fevereiro de 1942.
Naquele mês, foi promovido a prático auxiliar e, finalmente, em março de 1943, tornou-se prático – piloto com a devida patente da Marinha.
Gerson treinou vários praticantes de prático.
Gerson da Costa Fonseca (à esquerda), na companhia dos
práticos Poyart, Castanho e Fábio Fontes. Estima-se que
Gerson, ao longo da brilhante carreira de prático, fez cerca
de 70 mil manobras dos mais diversos tipos de embarcações.
(Reprodução: Foto Acervo L.J. Giraud)
Em 1940, a Associação dos Práticos de Santos (praticagem individual) entrava em dissolução.
No seu lugar, a Marinha do Brasil instituía uma nova organização em nível nacional, que recebeu o nome de Corporação de Práticos de Barra, Canais e Portos do Brasil.
Esta corporação controlava e regulamentava a atividade profissional no País, todos os portos nacionais e por sua vez era supervisionada pelo Ministério da Marinha.
Tal forma de organização durou até 1959, quando as praticagens locais tornaram-se autônomas, embora sempre seguindo as normas oficiais da Marinha.
Gerson da Costa Fonseca foi prático de Santos durante 37 anos, desligando-se oficialmente em 1979.
Nesse longo período, foi eleito presidente da entidade em diversas ocasiões, nunca deixando, porém, de manobrar.
Foi no navio Itaquatiá, da Companhia de Navegação
Costeira (idêntico ao da foto, o Itaubá), que Gerson realizou
a primeira manobra como prático, depois de ter feito o
estágio como praticante de prático, em dezembro de 1940.
(Reprodução: Foto Acervo L.J. Giraud)
De 1942 a 1950, trabalhou praticamente sem nunca tirar férias ou folgas. Na Década de 50, o volume de trafego no porto era tão alto que era comum um prático realizar cinco ou seis manobras por dia, durante semanas e semanas a fio.
Foi somente em 1949 que a sede da corporação de práticos de Santos se mudou para o atual endereço, na Avenida Saldanha da Gama, 64, na Ponta da Praia, ocupando a residência que outrora fora de Quincio Peirão (famoso antigo prático santista) e da família Cardim.
Gerson casou em 17 de abril de 1945 com Arlete Brandão Praça Fonseca: o casal completou 60 anos de casados.
Eles tiveram quatro filhos: Arleson Praça Fonseca, Gerusa França (adotiva), Alfeu Praça Fonseca e Arlete Praça Fonseca Esteves. Eles deram 13 netos, 5 bisnetos.
Para complementar a formação, Gerson terminou o Curso de Direito em 1958.
Em quase 40 anos de atividade, Gerson da Costa Fonseca participou de mais de 70 mil manobras. Número tão impressionante que faz viajar a memória pelos decks de centenas e centenas de navios históricos.
Jovem Gerson... Diga-nos algo sobre os navios que freqüentaste durante essa longa carreira...
O transatlântico italiano Santa Cruz - aqui visto passando
pela Ponta da Praia, por volta de 1951 - foi um dos
incontáveis navios que receberam os serviços de Gerson
como prático da Barra e do Porto de Santos.
(Reprodução: Foto Acervo L.J. Giraud)
Conte-nos alguns episódios dessa sua vida tão repleta por milhares de imagens e lembranças...
Faça-nos viajar um pouco no tempo e no espaço de uma época da qual tornaste a ser testemunha...
Os navios, Gerson, os navios, onde estão agora, aqueles que tiveste em tua mão, pouco importa se por algumas horas? Onde estão?...
Joseph N. Dinardi – Tipo carerro war-standard Liberty, construído em 1944, bandeira norte-americana.
Gerson conta:
“Um dos primeiros navios que manobrei sozinho como prático. Embarquei por volta das 15 horas no navio, que se encontrava no cais do Valongo, terminando o carregamento de 10 mil sacos de café. Saí às 17 horas, com 30 pés (9,14 metros) de calado”.
Gerson, teu navio, depois de servir, durante 20 anos diversas bandeiras e armadores, terminou carreira de modo inusitado: em setembro 1964, carregado com 7.400 toneladas de munições, rebocado até um ponto do Atlântico Norte e propositalmente feito explodir pela Marinha dos Estados Unidos, que assim se liberava de obsoletas munições de guerra.
A explosão do navio foi tão forte que chegou a ser registrada nos sismógrafos de meio mundo.
Gerson manobrou cargueiros das mais diversas armadoras
que escalavam Santos entre 1940 e 1979, como o Bow
Santos, da I.F.C. Lines, dos anos 50. (Reprodução: Foto
Acervo L.J. Giraud)
Ayuruoca – Tipo: cargueiro, construído em 1911 como Roland (Alemanha), apresado em junho de 1917 pelo Governo Federal e entregue ao Lloyd Brasileiro, rebatizado com esse nome.
Gerson narra:
“Comecei a manobrar como praticante de prático em dezembro de 1940. Os dois primeiros navios dessa nova experiência foram o Itaquatiá, da Costeira, e o Ayuruoca, do Lloyd. Estava tão emocionado que não me recordo de mais nada desse dia, só os nomes desses navios”.
Gerson, o teu Ayuruoca terminou seus dias em uma tarde cinzenta de junho de 1945, quando, sob densa cerração, foi colidir com o petroleiro norueguês, o General Fleischer, a 14 milhas (26 quilômetros) do Farol de Ambrose, próximo à entrada do Porto de Nova York.
Em conseqüência do choque, que lhe abriu enorme rombo no costado, o Ayuruoca foi rapidamente ao fundo. A tripulação de 68 homens foi salva.
Brasil – Tipo: transatlântico de passageiros, construído em 1904 como Virginian (da Allan Line). Servia também com o nome de Drottningholm (1920-1948), de bandeira sueca.
Gerson lembra:
Gerson foi o prático preferencial da armadora Royal Mail Line,
proprietária do famoso Andes, que veio pela primeira vez a
Santos em 1949. (Reprodução: Foto Acervo L.J. Giraud)
“O pior navio para manobra que passou pelas minhas mãos foi o Brasil, um ex-sueco. O navio não respondia às ordens, como era de se esperar... Atracá-lo e desatracá-lo eram momentos difíceis... Ainda bem que freqüentou Santos por pouco tempo”.
As manobras de atracação e desatracação sob a orientação
de Gerson eram extremamente conscienciosas, pois
dominava o conjugado: maré, vento, corrente e efeitos do
leme propulsor dos navios e utilização dos rebocadores que
auxiliavam a arte de manobrar e conduzir as embarcações.
(Reprodução: Foto José Dias Herrera - 1952, Acervo L.J. Giraud)
Gerson, meu caro, o teu Brasil, assim chamado, depois da Segunda Guerra Mundial, foi adquirido, em 1948, pela armadora Home Lines, de bandeira panamenha, e colocado na linha Gênova–Buenos Aires, onde serviu, para tua felicidade, somente durante dois anos.
A partir de 1951, recebeu o novo nome de Homeland, que levou até ser demolido, em Trieste, 1955.
Cabo de Buena Esperanza – Tipo: transatlântico de passageiros, construído em 1920 como Hoosier State, de bandeira norte-americana. Levou também os nomes de President Lincoln (1922-1940) e Maria Del Carmen (1940).
Gerson recorda:
“Os dois cabos, o Buena Esperanza e o De Hornos, haviam recebido do porto o apelido de Pombos Brancos, pois brancos eram, mas pombos não sei por que... Em certa ocasião, levei para fora do porto o Cabo de Buena Esperanza, com 35 pés (10,66 metros) de calado no topo da maré. Eram 3 horas, quando comecei a manobra. Foi o navio com maior calado que manobrei, ao menos é o que me lembro”.
Gerson, este teu Pombo Branco navegou com o nome de Cabo de Buena Esperanza até 1958, por conta da Ybarra, até ser desmontado no ano seguinte para ferro velho em Aviles. Como pode ser feita tal coisa com um Pombo Branco?
Gerson, por ora é só. Os outros 65.637 navios que manobraste em Santos serão objeto de um outro artigo futuro, ou outros artigos, melhor dizendo.
Minhas lembranças dos tios Gerson e Arlete
Laire José Giraud(*)
Minhas agradáveis e ternas lembranças dos meus tios por afinidade Arlete e Gerson da Costa Fonseca vêm do ano de 1950, quando éramos vizinhos na Avenida Almirante Cochrane, esquina com a Rua Vergueiro Steidel, no Embaré, em Santos.
O Eugenio C, o nosso querido Eugenio Costa, foi o navio de
passageiros mais manobrado por Gerson no Porto de
Santos. (Reprodução: Foto de um dos livros de autoria
de J.C. Rossini)
Meus pais eram amigos de Gerson e Arlete Fonseca e freqüentávamos a sua residência, onde eu costumava brincar com os filhos deles, Arleson e Alfeu – ou melhor dizendo, crescemos, em todos os aspectos, juntos. Algumas pessoas me perguntam por que gosto de falar e escrever sobre os práticos.
E eu respondo que é em razão de o meu tio Gerson ter sido prático e por eu freqüentar a Praticagem de Santos desde a minha infância, quando a minha tia Arlete ia buscar o meu tio Gerson na antiga sede da Praticagem (hoje demolida)., no maravilhoso Studbaker Champion de cor cereja, ano 1949, juntamente com os filhos Arleson e Alfeu, na época meninos como eu.
Conforme os leitores podem ver, somos amigos há quase 60 anos, o que dá muita história, lições de vida e boas recordações.