No último 13 de abril o prático Gerson da Costa Fonseca completou 91 anos de idade, e 64 anos de feliz vida conjugal, com Arlete Praça Fonseca. O casal abençoado por Deus teve quatro filhos: Arleson (meu primeiro amigo), Alfeu, Arlete e Gerusa (filha de coração); 13 netos e quatro bisnetos, que realmente formam uma família literalmente feliz.
Foto da recepção da celebração dos
64 anos de vida conjugal do casal
Gerson e Arlete e do aniversário de
Gerson, quando comemorou 91 anos
de idade. - Foto: L.J.Giraud.
Meus pais eram amigos do casal Fonseca, desde o tempo em que éramos vizinhos, na Av. Almirante Cochrane (o canal 05). Diante dessa amizade, freqüentava a residência deles diariamente, para brincar com Arleson e Alfeu, e passei a chamar seus pais de tios.
Assim sou o sobrinho emprestado deles, e a casa deles era como se fosse a minha segunda casa. Essa é o motivo de tanta afeição pela família. O pouco que aqui digo, daria para o roteiro de uma novela. Acreditem!
Os práticos Gerson (de braços cruzados), Ismael Castanho e Frederico Bento, durante jantar de confraternização - 1960. Reprodução
No dia 17 de abril foi realizada uma festa familiar para comemorar as duas datas significativas, e tive o prazer de estar entre os convidados. Foi tudo muito emocionante, pois não é qualquer um que completa 91 anos de idade, com muita saúde, e 64 anos de casados.
Durante a celebração Gerson lançou, um livro familiar (100 exemplares), onde relata como conheceu Arlete, o nascimento dos filhos, através de poesias (até eu, tenho uma dedicada a minha pessoa). Tem textos que conta como entrou na praticagem, e passagens da vida como prático do porto de Santos. Assim, repasso um texto do livro.
Na antiga sede da praticagem de Santos, Gerson diante da maquete
do transatlântico Massilia, navio que ficou conhecido pelo famoso
crime da mala, onde a vítima foi Maria Féa. 1996 Foto L.J.Giraud.
Oportunamente, contarei outras passagens do GG, como é chamado carinhosamente por seus familiares. Aliás, o livro tem esse título, GG.
EM 1939, SANTOS TINHA 14 PRÁTICOS
Ingressei em fevereiro de 1939, como Atalaiador (observador de entrada e saída de navios, que ficava no alto do Monte serrat), na Associação de Práticos do Posto e Barra de Santos, situado na Praça da República nº 08 – sobrado – em Santos, sob a presidência do Sr. Alberto Lopes Marinho, congregando os seguintes Práticos associados: o Presidente, Alberto Lopes Marinho, o Superintendente, ou Ajudante João Peirão; Tesoureiro, o Prático de nacionalidade italiana Nicolo Cervette; Tesoureiro o Prático Auxiliar Carlos Stein, que também atuou como Secretário. O quadro de Práticos na época era constituído pelos seguintes profissionais: Alberto Lopes Marinho, João Peirão, Nicolo Cervetto, Carlos Steien (Prático Auxiliar); Marcelino Mesquita. Antonio Reis Castanho Filho; Constantino Azevedo; Theofilo Quirino; José Domingos Silveira; Edmar Botto de Mello; Achiles Tacão; (Prático Auxiliar) e o praticante de prático Gerson Costa Fonseca. Aprovado em concurso realizado na Capitania dos Portos de Santos sob a presidência da banca examinadora formada pelo então Capitão de Mar de Guerra Silvio de Noronha e dos Práticos Theofillo Quirino e João Peirão, o primeiro, Capitão dos Portos do Estado de São Paulo.
Reprodução da cerimônia matrimonial de Arlete
e Gerson, realizada na Basilica Menor de Santo
Antônio do Embaré, em 11/04/1945.
Ao todo, atuavam 14 Práticos e dois praticantes de Prático. Carlos Stein e Achiles Tacão haviam sido nomeados poucos meses antes como Práticos do quadro, pois eles eram praticantes de Práticos até então.
Ingressei no quadro em fevereiro de 1942 como Prático Profissional do Porto – Barra e Canal de Santos. De fevereiro de 1939 a fevereiro de 1940, atuei como Atalaiador da Praticagem de Santos, profissão exercida no posto situado no alto do Monte Serrat, junto a outro posto particular que levou o nome, não de Atalaia, mas de Posto Semafórico de propriedade particular. O posto de observação oficial era o Atalaia da Praticagem, pois o órgão oficial ligado e subordinado à Marinha do Brasil era a Atalaia, muito embora o posto Semafórico tenha prestado, como prestou, bons serviços à todas as atividades profissionais ligadas ao Porto de Santos.
Gerson, pronto para mais uma manobra de um
cargueiro, na primeira metade da década de 1950.
Notem que os práticos trabalhavam de paletó e
gravata. Reprodução.
Assim que ingressei na Praticagem, notei que havia certo ambiente de desentendimento entre a praticagem e alguns profissionais. Não sei se os que estavam fora da Associação de Práticos possuíam carta de habilitação de Prático fornecido pela Marinha de Guerra Brasileira, o fato é que se tornou um clima de hostilidade entre as duas facções. Práticos individuais contra Práticos da Associação dos Práticos de Santos.
Procurei conciliar ambas as partes, mas por sorte nossa o Brasil entrou na 2º Guerra Mundial em 1942, devido ao torpedeamento, por parte de submarinos alemães, de vários navios mercantes indefesos da nossa Marinha Mercante, e a Marinha de Guerra do Brasil chamou a si a responsabilidade dos serviços de Praticagem. Pelo regulamento de 1945, só havia uma Praticagem oficial no Brasil reconhecida pela Marinha de Guerra, congregados em Corporação de Práticos do Brasil de cada região. Sendo assim, os práticos individuais entravam para a Corporação, ou deixavam de exercer a profissão individualmente.
Gerson, iníciou a profissão como atalaiador, no Possto da Atalaia,
que ficava no alto do Monte Serrat, com observação de 360 graus.
O posto é a casa que exibe um mastro com balões, que eram sinais
para os navegantes. No canal do porto vemos o Arlanza manobrando. Anos 1930. Acervo - L.J.Giraud.
Devido a este fato, houve um tempo de paz no seio das Praticagens, muito embora o País estivesse em guerra e durante a noite sob black-out total. Neste período, receber navio no escuro e o trabalho era escasso. Colocamos navios fundeados, entre a entrada do Rio das Neves (atual entrada do Canal da Cosipa), a Barra e a Aba da Barra. Chagamos a fundear entre este trecho acima 35 navios com estadia curta, em razão dos carregamentos serem feitos rapidamente.
Algumas vezes, por falta de espaço, a Companhia das Docas de Santos autorizava atracação de navios no costado de outro navio que estivesse em operação no cais (a contra bordo de outro navio), isto com exceção em navios atracados na Ilha Barnabé, por ser local de depósitos para gasolina e querosene. Os submarinos alemães viajavam as nossas costas. Certa vez, um submarino alemão perseguiu o navio mercante Campos, do Lloyd Brasileiro, e na atura do Rio do Bertioga, ao lado do Guarujá, torpedeou o Campos e o afundou. A bordo estava o seu Chefe de Máquinas, Sir Kurt, que era irmão do nosso Prático Carlos Stein, o qual foi procurá-lo quando soube da notícia, em um rebocador, o Netuno da Pirama, da Wilson Sons. Não o encontrou porque o Kurt, seu irmão naufrago conseguiu nadar e logo após álbum tempo, segundo suas declarações, foi salvo por pescadores.
Foi exatamente no local, onde está atracado o navio Amaragy, que Gerson atracou pela primeira vez, um Ita. Foto clicada no início da
década de 1950 por José Dias Herrera. Acervo: L.J.Giraud.
EMANCIPAÇÃO DAS PRATICAGENS
Em maio de 1945, mês em que foi celebrado o armistício fim da Segunda Guerra Mundial, precisamente no dia 8 de maio de 1945, eu e minha esposa Arlete, há 65 anos, viemos de volta para Santos, da nossa Lua de Mel no Rio de Janeiro, no navio Itahité, da Companhia Nacional de Navegação Costeira Costeira.
A época de black-out, ainda perdurava, pois a Guerra ainda continuava no Pacífico.
Passamos esse tempo de final de guerra, o mundo foi se arrumando e procurou se organizar, e de entender o que não estava ainda entendido, porém em clima de paz.
No ano em que Gerson entrou para a Praticagem, estava sendo inaugurado o novo Paço Municipal, na Praça Mauá, em 26/01/1939. Acervo: FAMS.
Desta forma, as Praticagens foram se reorganizando, procurando pleitear e organizar uma vida própria. Foi assim, através de um único movimento grevista, em dezembro de 1959, que conseguimos a emancipação com autonomia administrativa. Este foi o marco que garantiu que as Praticagens do Brasil seguissem o seu caminho num clima de bom entendimento, ente Governo, Marinha. Navegação e usuários dos serviços portuários da Nação em geral.
Não vou aqui contar, que Gerson foi prático por quase 40 anos de idade, passando por vários cargos de diretoria, inclusive presidente em várias gestões, na praticagem, que foi ele quem entrou com o transatlântico português Vera Cruz em 1952,
Gerson foi prático preferencial de várias agências de navegação,
dentre ela a Mala Real Inglesa, Linea C, Cia. Comercial e Marítima,
entre outras. Na foto de José Dias Herrera, o Federico C, em manobra
de atracação. - 1959.
Que foi o primeiro prático a conduzir o sempre lembrado porta-aviões Minas Gerais, que foi ele que negociou a compra do mastro do cruzador escola Benjamin Constant, que durante várias décadas ficou na sede antiga da praticagem, que fez mais de 70.000 manobras de navios de todos os tipos e classes, e muitas coisas, que ficam para outra vez.
Ao querido casal, parabéns, saúde e muitas felicidades por essas duas grandes celebrações. São os votos de todos que os admiram.
Nas mais de 70.000 manobras em navios, Gerson manobrou todos
os tipos de embarcações.-Porto de Santos nos anos 1960. Do livro Photografias & Fotografias do Porto de Santos.