Desde garoto, eu e muitos santistas estamos acostumados a receber em nossas casas, diariamente, um exemplar do conceituado jornal A Tribuna, da mesma forma que escreveu num desses dias na Coluna do Leitor a escritora Edith Pires Gonçalves Dias: "todas as manhãs, quando abro minha porta para recolher o tão querido jornal, o faço como se estivesse dando entrada a uma amiga querida".
Cartão-postal mostra os "tribuneiros", meninos vendedores do
jornal A Tribuna, na Praça do Rosário (atual Praça Ruy Barbosa), no
Centro de Santos, nos anos de 1920. Acervo: José Carlos Silvares
O meu primeiro contato com A Tribuna foi aos sete anos, por volta de 1952, quando Francisco de Azevedo, lançou a respeitada seção Porto & Mar, que até hoje continua sendo os olhos do cais santista e do mundo marítimo. Sendo grande aficcionado por navios e tudo que se relaciona com o Porto de Santos, fica explicada a minha aproximação e afeição com o jornal, que está sempre atuante e jovem, nos seus 115 anos completados no último 26 de março.
Por ser uma data significativa, a coluna Recordar não poderia deixar de parabenizar o jornal mais comprometido com os inúmeros capítulos da História de Santos.
Imagem da agitada Rua General Câmara, no trecho compreendido
entre as ruas Martim Afonso e Itororó, por volta de 1932, onde são
vistas cenas da rua, bem como o prédio de A Tribuna, onde aparecem
dois mastros. Acervo: L.J.Giraud.
Vale contar que com o passar dos anos, já por volta dos 20 anos, fui trabalhar na Agência Hugo Paiva Publicidades S/A e passei a freqüentar A Tribuna com assiduidade, pois todos os dias tinha que levar os anúncios para publicação do dia seguinte. O chefe da publicidade de A Tribuna era Gilberto Ruas. Assim comecei, também, a visitar a redação do jornal que ficava no prédio da Rua General Câmara, uma bela construção, diga-se de passagem.
Lá, tive o prazer de conhecer Giusfredo Santini, um grande cavalheiro que me foi apresentado pelo saudoso jornalista Olao Rodrigues, com quem colaborava na angariação de anúncios para o famoso Almanaque de Santos, cujas publicações foram do final dos anos 60 até meados da década de 70. Resumindo, conheci vários jornalistas e fotógrafos (não vou mencioná-los, em razão da lista ser grande).
Já na década de 1990, levado pelas mãos do inesquecível Hélio Schiavon, passei a ser colaborador do jornal, com a coluna semanal Memória, no mesmo estilo desta coluna. Lá conheci uma outra geração de jornalistas como José Carlos Silvares, Armando Akio, Arminda Augusto, Elcira Nuñez Y Nuñez, Carla Zogmignani, Leopoldo Figueiredo, Estela Galvão, entre outros da nova geração, que estão sempre dispostos a divulgar as coisas do brilhante e pujante passado de Santos.
Fachada do prédio de A Tribuna (Rua General
Câmara), onde são vistos detalhes do novo prédio
(1932) do famoso jornal. Acervo: L.J.Giraud.
Para celebração dos 115 anos de existência da sempre dinâmica A Tribuna, transcrevo um artigo publicado no Álbum Oficial do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Vicente, de 1932. Álbum que pertenceu ao grande chargista e caricaturista, já falecido, Accindino Souza Andrade, o Dino de A Tribuna. O artigo está com a grafia da época, para preservar a sua originalidade e para que os mais jovens tomem conhecimento de como se escrevia naquela época. Eis o texto:
“A Tribuna”
UMA ORGANISAÇÃO JORNALISTICA QUE FAZ HONRA A’ CIDADE DE SANTOS
Sob qualquer aspecto, raros serão os jornaes brasileiros capazes de apresentar, como a “A TRIBUNA”, uma evolução tão invejável.
Fundada por Olympio Lima, em 26 de março de 1894, essa folha, então de pequeno formato e reduzido numero de paginas, entrou na arena, desde logo, como um campeão de todas as causas justas. Impiedosa para os que prevaricavam, terror dos maus políticos e dos maus cidadão, a sua odysséa ainda é relembrada, nos nossos tempos, como das mais dignas de registro na historia da imprensa nacional.
Fotografia interessante da Praça Ruy Barbosa (1932), mostrando
cena do cotidiano, onde é visto um pequeno jornaleiro vendendo exemplares de A Tribuna, além de cavalheiros da época, o ônibus
que servia o bairro do Boqueirão e seu motorista, o Centro Lotérico,
a Casa Hespéria e a Igreja de N. Sra. do Rosário ao fundo.
Acervo: L.J.Giraud.
Varias vezes arrazada pela ira dos que ella attingia, esvurnando-lhes as chagas, outras tantas ressurgiu, com redobrado vigor, fiel ao seu programma. O seu illustre chefe popularisou-se por uma notável fibra de luctador, que repetidos attentados contra a sua vida jamais conseguiram quebrantar.
Em 1907, quando a morte arrebatou Olympio Lima, já a “ A TRIBUNA ” apresentava aspecto consentâneo com epocha: grande formato, noticiario copioso, artigos ainda vibrantes, mas já sem o ataque a fundo, a que os seus adversários, então diversos ou anniquilados, a haviam habituado nos seus fulminantes revides. Uma ligião de abnegados, ao lado de Olympio, collaboraram na grande obra do saneamento moral da cidade. Francisco Pereira, Arthur Pinto, Fraderico Rhossard, Urbano Neves e tantos outros, foram desse numero.
Interessante charge dos dirigentes de A Tribuna,
onde aparecem M. Nascimento Jr. e Giusfredo
Santini. Acervo: L.J.Giraud.
Com o desapparecimento do grande vulto, foi nomeado testamenteiro o sr. José de Paiva Magalhães, seu velho e devotado amigo, que, durante quase dois annos, administrou a “ A TRIBUNA ” com a maxima efficiencia e a mais rigorosa probidade, consolidando o patrimônio que Olympio deixára a seus descendentes. Terminadas as formalidades legaes e, por determinação do juiz de direito, lavados em hasta publica os bens que constituíam “ A TRIBUNA ”, foram elles adjudicados ao sr. M. Nascimento Junior, seu actual proprietário.
Era em 1909. Desde então, o progresso material da “ A TRIBUNA ” se foi accentuando. Em 1912, com a instalação de uma rotativa moderna e vários Linotypos. Além da secção de stereotypia, o surto tomado pelo jornal foi assumindo proporções cada vez maiores, até attingir o elevado nível a que chegou. Porque effectivamente, mais uma vez remodeladas e augmentadas as suas officinas, technicas, com a installação de novos e dever aos jornaes de mais perfeita feição moderna, no paiz, em cuja imprensa figura coom merecido destaque.
A Praça Ruy Barbosa com suas peculiaridades na época, como o Monumento ao Padre Voador - Bartolomeu de Gusmão, a Igreja do Rosário e uma banca de jornais, com as poucas publicações da época,
e afixado um exemplar do famoso jornal santista. Acervo L.J.Giraud.
Não seria justo, porem salientar essa fulgurante segunda phase da grande folha santista, sem uma referencia áquelle que a emprehendeu.
Espírito de iniciativa, servido por uma invulgar capacidade de trabalho, não lhe escapou, desde logo, o futuro magnífico que estava reservado ao grande porto de São Paulo e, conseqüentemente, á sua imprensa. E sem perda de tempo, vigilante e attento, Nascimento Junior foi acompanhando, no desenvolvimento do seu jornal, o vertiginoso progredir da nossa “ urbs ”. Senso equilibrado, numa justa apreciação das coias e dos homens, a sua orientação reflectiu sempre as tendências moderadas e conservadoras das classes activas de Santos. E dessa identificação de critério e de idéas resultou o que era lógico: uma sympathia e um apoio sem limites ao brilhante órgão, razão fundamental da pujança que cra elle ostenta sob todos os pontos de vista. Era o justo premio de um labor fecundo e de muitas jornadas de ingentes sacrifícios, do passado, que a fé em futuro melhor fazia superar com energia decisão.
O cartão-postal mostra o reduto do
café, a Rua XV de Novembro (a nossa
Wall Street) com a Rua do Comércio.
Nesse local existiam também casas
exportadoras, escritórios de corretores
de café, agências de navegação e de
cabogramas. Existia ali um famoso
salão de barbeiros e de manicures, o
Salão Crystal. Acervo: L.J. Giraud.
E nas innumeras batalhas, e nos temerosos óbices vencidos, si Nascimento Junior, hoje triumphador, teve a amargurar-lhe os passos os botes insidiosos da inveja e os espinhos, ainda mais dolorosos, de muita ingratidão, teve, também, compensadoramente, o conforto moral, a satisfação intima do dever cumprido, dotando Santos de uma organisação jornalística que lhe faz honra.
Mais uma vez, parabéns à sempre jovem A Tribuna pelos 115 anos de existência. Continue sempre nos oferecendo esse jornalismo da melhor qualidade. As congratulações são extensivas a toda equipe de profissionais do mais antigo jornal da Baixada Santista.
* Perdão, mas não consigo me acostumar com a nova denominação dada a nossa região: Costa Sul da Mata Atlântica. Façam-me o favor!
Assim era a mais famosa praça de Santos, a da Independência, com
seu monumento aos irmãos Andrada, o posto de gasolina (que ainda
lá está), o bonde, uma baratinha e a casa da condessa Aurea Conde,
na qual hoje funciona um estacionamento. Acervo: L.Giraud.