Foi em 1969, durante os preparativos da Copa do Mundo de 1970, quando João Saldanha era técnico, ainda na fase de cortar e selecionar jogadores da Seleção Canarinho (inclusive Pelé estava na mira do técnico por considerá-lo míope), quando li uma matéria do jornal O Globo que muito me chamou atenção. O texto informava que o fim dos navios de passageiros tinha chegado no Atlântico Norte e só restavam o francês France (última viagem foi em setembro de 1974) e o britânico Queen Elizabeth 2. Nos anos anteriores vários tiveram aposentadoria forçada.
O Queen Elizabeth, de 1940, da Cunard Line, deixando o Porto de
Nova York (1960), fazia para com o primeiro Queen Mary. Media
314,85 m de comprimento. Deslocamento, 83.673 toneladas e tinha capacidade para transportar 1.995 passageiros. Foi grande sucesso
na rota do Atlântico Norte. Acervo: L.J.Giraud.
Navios renomados como o Queen Mary (setembro/1967), o Queen Elizabeth (outubro/1968), o francês Libertée, o holandês Rotterdam, e o mais rápido navio a fazer a.travessia Europa-Estados Unidos, o estadunidense United States, bem como os famosos italianos que nos anos seguintes foram aos poucos se despedindo daquela famosa rota, como os belíssimos Michelangelo e Rafaelo (1975).
Isso ocorreu devido ao fato dos aviões a jato fazerem a travessia em 6 horas. Na década de 1960, apenas 5 em cada 100 viajantes, cruzavam o Atlântico de navio. Assim, os transatlânticos de linha regular aos poucos foram desaparecendo Como se isso não bastasse,em 1973 , o custo do óleo combustível, segundo Bill Miller, pulou de US$ 35 para US$ 95 a tonelada, que somado ao elevado custo com a tripulação, tornou impossível o lucro dos armadores. Foi a morte súbita dos últimos navios de passageiros que ainda navegavam.
Vista dos píeres destinados aos navios de passageiros de Nova York,
em 1960, onde são vistos navios famosos como Queen Mary, France,
United States, Leonardo da Vinci e Constitution, entre outros.
Acervo: L.J.Giraud.
Voltando para 1969, a notícia de O Globo me deixou um tanto perplexo, mas não preocupado, afinal das contas, os navios que me interessavam ainda passavam pela minha Cidade (na linha da América do Sul os navios demoraram um pouco mais para se despedir), como Federico C (1968), Pasteur (1972), Giulio Cesare (1973), Augustus (1976), Eugenio C (veio como cruzeiro até 1996 como Eugenio Costa), Cabo San Roque (1977), Cabo San Vicente (1975), Cristoforo Colombo (1977), entre muitos outros de uma longa lista. Assim achei que isso não ia acontecer com os nossos maravilhosos navios. Permita-me ser possessivo e carinhoso em relação aos transatlânticos do passado, pois eles brindaram o cais santista por muitos anos.
Infelizmente isso aconteceu e eles foram embora para sempre. O espetáculo como quase tudo na vida chegou ao fim. O porto deixou de ver os acenos de lenços, abanos de mãos, e muita emoção, tanto por parte dos passageiros como pelos que iam se despedir no cais. Felizmente essa situação, não acabou, os navios voltaram à Cidade em nova dimensão, na modalidade de cruzeiros, como temos visto nas últimas décadas.
O majestoso Andes, da Royal Mail Line, mais conhecida no Brasil
com Mala Real Inglesa, deixando Santos em julho de 1953. Deixou a
linha de passageiros no final dos anos 50. Voltou ao Brasil nos anos 60
como cruzeiro marítimo, foi demolido no início da década de 1970.
Foto: José Dias Herrera, acervo L.J.Giraud.
Uma das despedidas mais emocionantes vistas no Porto de Santos foi a do navio Cristoforo Colombo (gêmeo do fatídico Andrea Doria), no dia 5 de abril de 1977, cuja emoção pode ser notada no trecho da matéria publicada por José Carlos Silvares no Porto & Mar de A Tribuna, do dia seguinte, e aqui transcrita:
“Há quem diga que todas as despedidas são iguais. Quem diz isso não tem razão. Pelo menos, é o que pensa aquele senhor de cabelos brancos, agitando um lenço amarrotado, terno escuro e sapatos folgados. A lembrança desta vez durou apenas 30 segundos. Os bailes, os jantares, os confetes e serpentinas as brincadeiras na linha do Equador passaram da mente à boca daquele homem, durante 30 segundos. Para ele acostumado à despedidas de todas as formas, este adeus foi especialmente rápido.
Uma cena típica do tempo dos navios de passageiros, pessoas
aguardando a atracação do transatlântico italiano Federico C. Naquela época, era permitida a entrada de pessoas na faixa portuária -1958.
Foto: José Dias Herrera, acervo L.J.Giraud.
Durou exatamente o tempo em que falava interrompido pela seqüência de apitos graves, quase gemidos. Um personagem à parte, sem nome. Uma figura que já teve seus dias de luxo e que, talvez pelas constantes despedidas, os tenha trocado pelos dias atuais. O indisfarçável sotaque italiano e o balanço das mãos contavam por que aquela era uma despedida diferente: “Eu já viajei muito nesse navio, tenho boas recordações, maus momentos e, agora, saudades. É isso...”
Cada um dos apitos durou exatamente dez segundos. Às 18 horas de ontem, o luxuoso transatlântico italiano Cristoforo Colombo despediu-se de Santos, um adeus final. No cais, os parentes dos passageiros embarcados acenavam, escondendo pessoas como aquele senhor de cabelos brancos que tinha outro motivo para estar ali”.
Uma triste recordação do fim daquela era. Como despachante aduaneiro, no início dos anos 80, algumas vezes tinha que desembaraçar bagagens desacompanhadas no conhecido Armazém de Bagagem da CDS-Companhia Docas de Santos. Esse armazém que fazia às vezes de uma estação de passageiros, com o fim dos navios de carreira, ficou sem os passageiros, e do público que comparecia nas despedidas.
O inesquecível Eugenio C, o mais querido dos brasileiros, foi um transatlântico que pegou as duas fases dos transatlânticos, como
de linha regular e de cruzeiros marítimos. Media 217,31 m de
comprimento (foi o maior da linha de passageiros da América do Sul). Transportava 1.636 passageiros em três classes. Esse nosso velho
conhecido navegou de 1966 a 96. Deixou saudades. Acervo: L.J.Giraud.
O restaurante outrora movimentado ficou vazio. O silêncio tomou conta do ambiente do velho armazém Uma cena triste e difícil de ser descrita. Felizmente, foi somente uma interrupção, e nos anos seguintes o local voltou a receber navios de cruzeiros, ou seja, até 1998, quando foi inaugurado o Terminal Marítimo de Passageiros Giusfredo Santini, pertencente ao Grupo Concais.
O Cristoforo Colombo (gêmeo do Andrea Doria, naufragado em 1956),
foi um dos mais belos navios de passageiros de sua época. Foi
construído para a linha Genova-Nápoles e Nova york, cuja viagem
inaugural foi em 1954.Em 1973 substituiu o famoso Giulio Cesare, na
rota sul-americana. Na foto de A Tribuna de Santos vemos o transa-
tlântico atracado em Santos pela última vez, quando começava a
receber passageiros com destino à Europa - 05/04/1977.
Acervo L.J.Giraud.
Aspecto do que restou do antigo Armazém de Bagagem, local por
onde passaram ricos e famosos, emigrantes e muitos dos nossos antepassados. Dos artistas de Hollywood ali estiveram Tony Curtis na companhia da esposa Janet Leigh e das filhas, sendo uma delas a
famosa Jamie Lee Curtis (1960), bem como o ator Glenn Ford e esposa (1953), o Papa Pio XII (1936) e até o famoso cantor estadunidense
Bing Crosby, em 1938, segundo Ruy Castro no magistral livro "Carmen".
A lista é grande. Foto: L.J.Giraud.