Quarta, 01 Janeiro 2025

Quando passamos por determinados locais de Santos, como nas áreas portuárias e próximas do Centro, não damos conta que no final do século XIX, e início do século passado, o XX, eram espaços ocupados por lodaçais fétidos, insalubres e por águas do Rio Estuário (muitos pensam que o Estuário do cais santista é mar. Na verdade é um rio).

 

Vista das pontes de trapiches situados na Praia do Consulado

em 1882; do lado direito, a Ilha Barnabé. Óleo sobre tela - Pintura

de Calixto, pertencente à Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto.

 

Para uma melhor compreensão do que digo, vamos fazer um retorno ao passado, na parte mais genuína da Cidade, o Porto.

 

Assim, no início, as naus ancoravam no antigo Porto de São Vicente, na Ponta da Praia, na altura do Museu de Pesca, de lá as cargas seguiam por terra até o povoado de São Vicente.

 

Mais tarde Brás Cubas, que viera de Portugal com Martim Afonso de Souza, resolveu por volta de 1542 mudar o ancoradouro para um lugar mais seguro. Escolheu o Lagamar do Enguaguaçú, , que é uma pequena baía interna formada  nas proximidades da Alfândega e do Rio Bertioga. O local passou a ser chamado de Porto de Santos, em razão de Lisboa ter uma parte do porto chamada de Cais de Santos.

 

Na margem direita, o Estuário avançava até a atual Rua Silva Jardim.

A seta indica a linha férrea, construída pela Companhia Docas de

Santos, para transportar blocos de pedras do Jabaquara, destinados a aterrar a curvatura entre o Paquetá e os Outeirinhos.

 

As boas ancoragens que dava o Lagamar e o sucesso inicial do povoado fez com que Brás Cubas construísse um hospital para atender os casos de saúde dos marinheiros e das pessoas que ali residiam. O nome escolhido foi Hospital da Misericórdia de Santos. Nos princípios de 1547, o hospital teve anexo uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Misericórdia.

 

No século XVIII, o porto movimentava sal importado de Portugal, e açúcar cujas exportações exigiam embarcações maiores.

 

A muralha formada por blocos de pedras vindas da pedreira do

Jabaquara. Na parte interna as águas foram aterradas e foram

instalados armazéns portuários. - Imagem do livro, Santos & Cia.

Docas 1904, de Laire J. Giraud.

 

Essa movimentação exigia a construção de trapiches, que eram armazéns onde eram depositadas as mercadorias. Os trapiches possuíam pontes de madeira que avançavam sobre o lodo, permitindo a movimentação de cargas e passageiros dos veleiros. Por volta de 1850, as exportações de café superaram as do açúcar, fazendo que Santos fosse o Porto do Café, pois já exportava 80% da produção brasileira. Nas décadas seguintes com o aumento da produção e do consumo mundial, estava consolidado um fluxo de exportação que exigia um porto organizado.

 

Vale lembrar, que em 1889, existiam 23 pontes de trapiches, e a situação era caótica em todos os aspectos, como doenças, inoperância e elevado número de furtos de mercadorias. A maior de todas, pertencia à Alfândega. Era tão larga que se assemelhava a um dique flutuante. Na praia do Consulado, retratada por Benedito Calixto, ficava a Ponte da Mesa Provincial. Entre essas inúmeras pontes, destacava-se a da Estrada de Ferro São Paulo Railway, que ficava ao Largo do Bispo, além de outras famosas como Belmarço, Brazil e Paquetá.

 

A Praça Barão do Rio Branco fica onde era o Arsenal de Marinha, e

com o aterro deu espaço para construção da Praça, que fica em frente

à Igreja da Nossa Senhora do Carmo. Ainda vemos os antigos

armazéns 4 e 5, ao lado direito o Santos Hotel, onde hoje é o edifício

da Justiça Federal. No centro da praça, a estátua que homenageia

os fundadores da Cia. Docas de Santos: Eduardo Guinle e Cândido

Graffé - 1928. Acervo:L. J. Giraud

 

Em 1888, o Governo Imperial abriu licitação para construção e exploração do novo Porto. Participaram 3 consórcios. O vencedor foi a empresa Gaffré, Guinle & Cia, mais tarde, a célebre Cia. Docas de Santos - concessionária do Porto de Santos até 1980.

  

A construção foi supervisionada pelo engenheiro Guilherme Weinschenk, e sua inauguração aconteceu em 2 de fevereiro de 1882. Esse cais inicial media 260 metros, e o navio que o inaugurou foi o britânico Nasmyth da armadora Lamport & Holt, que foi muito conhecida no Brasil.

 

A construção do cais se deu em duas etapas. A primeira, entre o Valongo e o Paquetá, a segunda ia do Paquetá até os Outeirinhos, dois pequenos montes que ficavam onde hoje está situado o terminal de passageiros do Concais.

 

Vista aérea da área portuária construída na parte aterrada do 

Estuário, local onde estão os armazéns internos e externos - 1932.

Acervo: L.J.Giraud.

 

Com a construção do cais, a Companhia Docas além de ter dado fim a brejos inúteis, insalubres e pestilentos, criou com os aterros, novos espaços sobre as águas, necessários às suas instalações portuárias, e ainda passando para a Cidade de Santos o excedente desse notável avanço sobre o Estuário.

 

Daqui em diante as informações são do inesquecível memorialista Pedro Bandeira Jr., autor de vários artigos e do livro História do Carnaval Santista. Com o assentamento dos blocos de pedras, vindas do Morro do Jabaquara, em distância considerável à margem original, a fim de permitir atracação de navios de grande porte, a Cidade ganhou vários quilômetros quadrados, o que permitiu a expansão urbana.

 

Cartão-Postal mostrando as praças Barão do Rio Branco e Azevedo

Jr., antiga Banca do Peixe, além de armazéns, torre da Bolsa do Café,

e ao fundo o prédio da Western Telegraph, que ficava próximo de onde

é hoje a Agência Marítima Wilson,Sons. Década de 1920. 

Acervo: L.J.Giraud.

 

Algumas dessas áreas surgidas: com o aterro do Porto do Bispo, cujas águas chegavam à Rua Tuiti, foram construídos armazéns portuários, além de permitir o surgimento do Largo Marquês de Monte Alegre, Praça Azevedo Junior.

 

O aterro no Arsenal de Marinha, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, permitiu o surgimento da Praça Barão do Rio Branco, onde está situado o monumento dos fundadores do Porto, indo em direção da Alfândega, local que anteriormente banhava o prédio da Rua Setentrional (lado direito da Praça da República), alargou a Rua dos Quartéis, antiga do Mar, atual Rua Xavier da Silveira.

 

Foto de 1901, onde aparece em primeiro plano o Eng. Guilherme

Weinschenk e diretores da C.D.S. - Weinschenk foi quem supervisionou

a construção do Porto de Santos. - Do livro Santos e a Cia das

Docas 1904, de L.J.Giraud

 

Entre a Ponta do Camarão (Escritório do Tráfego da C.D.S) até os Outeirinhos (antiga chácara do Patriarca José Bonifácio de Andrade e Silva), a margem do Estuário era uma curvatura que chegava nas esquinas formadas pelas ruas Silva Jardim e D. Luiza Macuco. Ali havia um hospital, aonde os enfermos chegavam dos navios em canoas. Para se ter uma idéia, as águas chegavam nos fundos do cemitério do Paquetá.

 

Sobre essa curvatura soterrada, a Companhia Docas de Santos construiu 12 armazéns alfandegados, 29 armazéns na faixa portuária, o prédio do Ministério da Agriculltura. Abriu várias ruas e avenidas, entre elas: Eduardo Guinle, Guilherme Weinschenk, Ulrico Mursa, e parte da Praça Iguatemi Martins, que inclui a bacia do Mercado.

 

Foto do cais de Santos na altura do Valongo (primeiro

trecho construído, por volta de 1904). - Livro: Santos

& Cia das Docas de Santos - 1904, de L.J.Giraud.

 

Com o desmonte dos Outeirinhos, a CDS nivelou o trecho do armazém 25 até o início da Av. Rodrigues Alves (antiga Av. Taylor), no qual ergueu os armazéns 26 e 27, silos de trigo e vários prédios para a sua administração. Entre eles o da Inspetoria Geral e oficinas. No decorrer do tempo os aterros chegaram até a Ponta da Praia. Também não damos conta disso quando passamos pela Av. Mário Covas, antiga Portuária.

 

Como dizia, durante tertúlias vespertinas, no Café Paulista o poeta e advogado Narciso de Andrade: “O Porto de Santos é um repositório de histórias e acontecimentos”.

 

A parte do cais onde existiam trapiches e pontes de embarque, que

foram aterradas para dar lugar ao cais de pedra, 1955 - Acervo L.J.Giraud.

 

Vista do Cais Novo, ou cais do Macuco, como era

conhecido o local que se iniciava no armazém 29.

Nota-se que ainda não existia a Av.Portuária, atual

Av. Mario Covas que segue na direção da Ponta da

Praia. Final dos anos 60. Livro: Photografias &

Fotografias do Porto de Santos, lançado em 1996,

de L.J.Giraud.

 

Fontes

Santos Cidade Marítima, autores: José Carlos Rossini, Laire J. Giraud, Fábio Mello Fontes, Jaime Caldas - Almanaque de Santos – 1976, Olao Rodrigues.

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