Terça, 30 Abril 2024

Recentemente saiu no jornal A Tribuna a informação de que a Codesp pretende retirar, por meio de licitação, os restos do casco do cargueiro Ais Giorgis, que naufragou  no Estuário do Porto de Santos em 1974. Isso se prende ao fato da necessidade de aprofundamento do canal de 13,1 para 15 metros e a largura passe a ser de 220 metros, o que dará maior espaço para passagem simultânea de dois navios, bem como uma maior área de manobra. Essa notícia me trouxe a lembrança da noite em que o cargueiro incendiou-se.

 

O decorrer do dia 8 de janeiro de 1974 foi de temperatura elevada, típico dos dias de verão santista. Na época trabalhava na Agência de Publicidades Hugo Paiva S/A, como contato publicitário, e meus clientes eram escolas, cursinhos, agências de navegação e a Gracco Equipamentos de Som, que era muito conhecida na Cidade, pela qualidade de seus equipamentos. Assim, na parte profissional foi um dia comum.

 

O Ais Giorgis sendo destruído por labaredas e explosões na noite de 9 de janeiro de 197444, tendo a seu lado o rebocador Neptuno, da Wilson,Sons. Foto: José Carlos Silvares.

 

Já à noite, após o jantar me dirigi para o Restaurante A Paulicéa, na esquina da Av. Bartolomeu de Gusmão com a Av. Almirante Cochrane (Canal 5). Ali era o ponto de encontro das moças e rapazes da redondeza. Ali tudo era bom, desde a comida, proprietários, funcionários até chegar nós freqüentadores. Quanto à vista da Baía de Santos nem preciso dizer nada que era maravilhosa. Quantos navios de passageiros vi entrando ou saindo naquelas belas noites de temporadas.

 

Pois bem, estava sentado à uma das mesas da Paulicéa, na companhia de amigos, quando repentinamente escutamos um pavoroso estrondo causado por  explosão vinda do cais. Ao olharmos do Canal 5 para aquele lado, vimos enormes labaredas. O quadro foi de terror. Uma das amigas que tinha apartamento de temporada no edifício onde ficava o Restaurante Fifty-Fifty nos convidou para apreciarmos o incêndio do seu apartamento que ficava no oitavo andar. De lá assistimos um espetáculo impressionante e dantesco. Os que assistiram a triste tragédia, com certeza enquanto viverem não esquecerão aquela fatídica noite de 8 de janeiro de 1974, há exatamente 34 anos.

 

Para relatar como foi a tragédia ocorrida com o cargueiro  Ais Giorgis, ninguém melhor do que o amigo e pesquisador marítimo José Carlos Rossini, em seu livro Sinistros Marítimos na Costa do Estado de São Paulo. A obra relata os principais  acidentes marítimos entre 1900-1999. Eis o texto da página 48.

 

O navio a motor de bandeira Grega “AIS GIORGIS” sob o comando do Capitão Marino Moatsos e com 26 homens de tripulação entrou no Porto de Santos em 26 de dezembro de 1973 provindo da Europa, consignado á Agência “Oceanic Shipping”. Transportava em cinco porões uma impressionante mistura de cargas conforme seu manifesto: latas de leite em pó, óleo de pinho, “champagne”, 1.600 sacos de metabissulfito de sódio, 800 de bissulfito, 2.400 de fertilizantes, 200 de resina sintética, 1.400 de nitrato puro, 1.500 de escóreas de alto forno, 3.100 de tripolifosfato de sódio, 100 tambores com manganês metálico, 4.200 toneladas de nitrato de sódio totalizando 4.227 toneladas de carga destinada a desembarque em Santos num total de 67.000 volumes (atracou no cais do Armazém 30).

 

O casco calcinado do Ais Giorgis, após ter sido debeladas as

labaredas. Foto: J.C. Rossini.

 

Após completar suas operações de descarga o navio deveria prosseguir para operar em portos do Rio da Prata. Tal coisa porém nunca se daria e o “AIS GIORGIS” ao entrar em Santos na manhã daquele dia 26 estava percorrendo as últimas milhas de sua vida útil como cargueiro. Fora construído no início da década de 50 para a armadora sueca “Brostom” e desde então havia percorrido centenas de milhares de milhas de navegação pelos oceanos e mares do globo. No dia seguinte á sua entrada, iniciaram-se os trabalhos de estiva sob o controle da empresa “Conway & Ashby” que era a agenciadora da carga. Estes trabalhos prosseguiram nos dias seguintes e pela tarde do dia 8 de Janeiro já haviam sido descarregadas 3.000 toneladas de nitrato de sódio e a totalidade da carga geral não – química.

 

Paradoxalmente o sinistro não se iniciou nos porões do navio, mas numa galera ferroviária (vagão – aberto) pertencente à “C.D. S” (vagão nº.: 40) que se encontrava carregando ao longo do “AIS GIORGIS”.

 

Os produtos já estocados nessa galera entraram em combustão espontânea mas graças ao pronto intervento dos bombeiros, o fogo foi debelado com a destruição parcial do vagão. Por uma razão desconhecida a galera em questão não foi puxada para longe do cargo do “AIS GIORGIS” pelos bombeiros enquanto ainda queimava.

 

Tal fato provocou o aquecimento externo do casco do porão do navio grego onde estavam estocadas as restantes 1.200 t. de nitrato de sódio, o porão nº.: 4 sendo o primeiro afetado.

 

O casco submerso do Ais Giorgis, próximo da estação das barcas de Vicente de Carvalho, que foi arrastado pelo estuário durante forte tempestade, após ter partido as suas amarras. Foto A Tribuna - 1989. Acervo: L.J.Giraud.

 

Fato é que o nitrato de sódio em questão começou a arder, a combustão passando em seguida também para os outros produtos químicos que estavam á bordo. Devido á natureza altamente inflamável da carga as chamas se propagaram muito rapidamente e eram cerca de 22.30 h. quando foi tomada a de decisão, pelos responsáveis, de desatracar o “AIS GIORGIS” do cais do Armazém 32 e rebocá-lo para o estuário, o que foi feito pelos rebocadores “Saboó” “Marie” “Neptuno” e “Plutão” no meio de explosões e gigantescas labaredas que se sucediam.

 

Contemporaneamente também eram desatracadas as embarcações que se encontravam próximas (os cargueiros “Altenburg”, “Itatinga” e  “Itaipu”).

 

A tripulação já havia evacuado o cargueiro e á bordo permaneceram apenas três da turma de salvamento. Um destes caiu no mar durante o transbordo final e desapareceu constituindo-se na única fatalidade do sinistro.

 

O “AIS GIORGIS” queimou durante 70 horas seguidas encalhado num banco  de areia do canal do estuário. Acabou ficando semi-submerso e de sua estrutura apenas a proa estava intacta, o restante constituindo um amontoado de ferro calcinado.

 

Declarado perda construtiva total (CTL) pela companhia seguradora o “AIS GIORGIS”, ou o que dele sobrava, foi vendido a uma empresa particular para desmonte tendo ainda a bordo 3.500 t. de carga calcinada.

 

Por falta de ilustração do Ais Giorgis antes da tragédia, o M/S Gerd,

da Torm Lines representa o fatídico navio, por haver algumas semelhanças entre ambos. - Acervo: L.J.Giraud.

 

Foi então por esta empresa, despojado dos motores e rebocado mais tarde para o interior do estuário onde seu casco deveria ser cortado para ferro-velho. Tal coisa porém nunca acontecia pois no processo de reboque os cabos que o prendiam á arrebentaram durante uma tempestade de vento e o “AIS GIORGIS” foi encalhar, levado pela correnteza, na altura da estação de barcas de Vicente de Carvalho, em posição submersa e perigosa para a navegação.

 

Vale ressaltar, que muitos foram os heróis que participaram no incêndio, que vai dos bombeiros, passando por trabalhadores portuários, mestres e tripulação de rebocadores. Vale um destaque para o falecido prático Édio Portugal Marinho, que durante o incêndio entrou a bordo do cargueiro para coordenar a manobra de desatracação do armazém 16 da antiga concessionária do Porto – Companhia Docas de Santos em conjunto com os rebocadores da Wilson, Sons.

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