Quarta, 01 Janeiro 2025

Há certos ditos populares que são repletos de sabedoria, como é o caso do  conhecido “Recordar é viver” , que faz  parte de uma antiga canção de carnaval. Pelo seu profundo sentimento, a  palavra “Recordar” foi escolhida para madrinha desta coluna, cujo objetivo é lembrar antigas passagens, dando certa preferência pelas que vivenciei.

 

Cartão-Postal do navio Princesa Isabel, nas cores da

Companhia Nacional de Navegação Costeira. Pintura

óleo sobre tela de Antonio Giacomelli - 1995.

 

Na semana que passou, sentado junto a uma das mesas do tradicional Café Carioca, no Centro Histórico de Santos, conhecido pelos seus deliciosos pastéis, tomando uma xícara de café de coador, avistei de soslaio uma senhora que foi uma das participantes de uma excursão realizada por estudantes universitários a bordo de um dos conhecidos cisnes brancos do Lloyd Brasileiro, rumo ao Rio de Janeiro, no distante verão de 1968.

 

Ao vê-la, imediatamente através da recordação e da imaginação, assisti um filme daquela feliz viagem de fim de semana, a bordo do navio de passageiros Princesa Isabel, isso aconteceu há exatamente 40 anos. Era a época do movimento Tropicália, e nós jovens de outrora usávamos o termo “psicodélico” para designar tudo que era diferente e belo. Como exemplo: “Nossa, que praia psicodélica”, “ela é psicodélica”, e por aí afora. Não fugindo do assunto nem criticando, peço licença para ressaltar que era uma época onde predominava o respeito pelo próximo, a educação cabia em todos os lugares. Isso sem deixar de mencionar que procurávamos nos vestir da melhor forma possível, ou seja, usávamos roupas nas ocasiões certas. Bem, os valores mudaram.

 

Gasto pelo tempo o raro cartão-postal do gêmeo do

Princesa Isabel, o Princesa Leopoldina, já com as cores

do Lloyd Brasileiro - 1968. Acervo: L.J. Giraud.

 

Lembro que um grande número de excursionistas, na maioria paulistanos, começou a embarcar, numa sexta-feira, por volta das 16 horas. O acesso ao cais para embarque no navio se dava nas proximidades de onde partem as barcas de Vicente de Carvalho. Ao adentrarmos a faixa portuária, avistamos a imponente figura do Princesa Isabel, com sua alvura exibindo a bela chaminé na cor preto fosco, onde sobressaia o emblema da Cia. Nacional de Navegação Costeira, uma cruz de malta. Embora o navio já pertencesse à frota do Lloyd Brasileiro, ainda não ostentava o logotipo da armadora.

 

Durante a viagem tudo foi muito alegre e divertido, entretenimentos para todas as idades e gostos. Um excelente conjunto animou o recinto de danças, um lauto jantar, um café da manhã bem servido, uma visão indescritível da chegada na Cidade Maravilhosa, uma bela piscina. Acredite: as viagens a bordo dos cisnes brancos não ficavam devendo nada aos navios de cruzeiros atuais, com um grande detalhe - a comida era bem melhor e uma agradável tripulação.

 

O Princesa Leopoldina era idêntico ao Princesa Isabel,

aqui com as cores da Cia. Costeira. A chaminé em preto

fosco exibe a bela cruz de malta. Ao fundo o Pão de

Açúcar, uma bela visão para quem entra ou sai do Porto

do Rio de Janeiro. Acervo: L.J. Giraud - 1965.

 

Já no Rio de Janeiro (sábado), na companhia de uma animada turma, passeamos pelo belo centro, fomos na Confeitaria Colombo, saboreamos um gostoso cafezinho no Café Palheta (hoje não mais existe) da Av. Rio Branco. Já à noite fomos para uma famosa danceteria da época, que chamávamos de boate, de nome New Girau, bem diferente por sinal, ficava em Copacabana, e poderia ser chamada de “psicodélica”. Os que resolveram ficar a bordo, também se divertiram, pois como disse o navio oferecia de tudo.

 

No domingo, pela manhã com um sol daqueles, muitos, como eu, ficaram no recinto da piscina. Não almocei a bordo, pois recebi convite de uns tios cariocas para almoçar no célebre Clube Ginástico Português. Depois meus tios foram conhecer o navio e assistiram a despedida (18h30), do cais do Lloyd, na Praça XV. Nossa chegada na barra de Santos se deu na segunda-feira, por volta das 7 horas. Às 7h45 o belo navio já estava atracado. Vale dizer que saí correndo para o trabalho.

 

O belissimo Anna Nery, que ainda navega com o nome

Salamis Glory, pelas ilhas gregas e Mediterrâneo. 

Pintura óleo sobre tela de Antonio Giacomelli - 1995.

 

O memorável navio, levava mais de 400 passageiros, bem acomodados media 145,60 metros de comprimento por 18,65 m de largura. Sua velocidade era de 17 nós e deslocava 9.281 toneladas. Chegou ao Brasil em agosto de 1962, sendo a sua viagem inaugural para Buenos Aires, Argentina. Fez cruzeiros pela costa brasileira, Caribe e Europa. Em 1969 foi vendido, e passou por diversas armadoras, recebendo diferentes nomes, Marco Pólo, Aquamarine e Odysseus.

 

Para comemorar a passagem dos 40 anos da inesquecível viagem no Princesa Isabel, repriso um artigo publicado há 10 anos, em A Tribuna, quando da passagem do Odysseus, ex-Princesa Isabel, no dia 22 de abril de 1998, quando assisti a sua desatracação e passagem pela Ponta da Praia, na companhia de amigos shiplovers.

 

Passageiros aproveitando a excelente piscina do cisne branco Rosa da Fonseca durante cruzeiro em fevereiro de 1965. Acervo Aldo Leone.

 

O prático que orientou a manobra foi Fábio Mello Fontes. Foi a última vez que o vi, e não vou vê-lo mais - meses atrás tomei conhecimento do processo de demolição desse cisne branco, em conhecido estaleiro, na Índia. Eis o artigo de 1998:

 

SE TUDO TIVESSE DADO CERTO, A HISTÓRIA SERIA OUTRA

Em um domingo de março, dia 22, vi um interessante anúncio, cujo título era: “ Ele não pode partir sem você!” Aparecia um belo navio de porte médio, com o casco azul-marinho e superestrutura branca.

 

As informações do anúncio davam conta de que o transatlântico vinha de Buenos Aires, escalando em Santos hoje, 2 de abril, seguindo para Lisboa.

 

Foto do desembarque de excursionistas, Princesa Isabel-1968.

Acervo: L.J.Giraud.

 

Por um instante, observei a bela imagem, que me era muito familiar e, finalmente, o reconheci. Tratava-se do ex-Princesa Isabel, adquirido na Espanha pela Companhia de Navegação Costeira, do Rio de Janeiro. Agora, Vem a Santos com o nome de Odysseus, a serviço da armadora grega Royal Olympic Cruises.

 

O Princesa Isabel tinha um navio-irmão, o Princesa Leopoldina, também de casco branco.

 

Ambos faziam a linha de cabotagem e iam até Manaus, no Amazonas. Algumas vezes, iam até Buenos Aires. E ficaram muito conhecidos nas linhas regulares entre portos brasileiros e na Ponte Marítima Rio - Santos, nos anos de 67 e 68.

 

Foto da desatracação do Odysseus ex-Princesa Isabel, manobra coordenada pelo prático Fábio Mello Fontes, naquele 2 de abril de 1998. Foto L.J.Giraud.

 

Tive o prazer de viajar nos dois, e concordo com o que Nelson Antonio Carrera, pesquisador de assuntos marítimos, de Santos, escreveu sobre os Princesas, no artigo: “ Os últimos transatlânticos brasileiros”, publicado na Revista de Marinha, de Lisboa, Portugal, no final de 1997.  Os Princesas foram desenhados e construídos com linhas clássicas, muito elegantes. No interior das embarcações, fazia-se notar o refino sóbrio e típico do mundo europeu.

 

Ainda me lembro da viagem no Princesa Isabel que fiz em janeiro de 68, na Ponte Marítima, cuja passagem foi comprada na Casa Branco de Turismo.

 

O navio atracava no cais do Armazém 5 da Companhia Docas de Santos (CDS), atrás do edifício da Alfândega, e zarpava ás 19 horas de sexta feira, para retornar do Rio de Janeiro ás 7 horas de segunda feira.

 

O belo Odysseus, durante sua última passagem por Santos,

em 2 de abril de 1998. Foto: L.J.Giraud.

 

Os práticos, naquela minha viagem, foram Carlos Alberto Praça e Edmar Botto de Melo, ambos falecidos.

 

As refeições eram fartas e havia muitas diversões a bordo.

 

Agora, passado 30 anos da feliz viagem, acredito que ao revê-lo, neste dia 2 de abril, em nosso porto, além de me emocionar, com certeza, farei uma viagem no túnel do tempo, rumo  àqueles  anos dourados, em que às segundas, quartas ou  sextas-feiras entrava e saía um Princesa ou os famosos Anna Nery e Rosa da Fonseca, que já haviam sido transferidos para a frota da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e foram os últimos transatlânticos brasileiros. E que ainda poderiam ser nossos, se tudo tivesse dado certo.

 

Cartão-postal do ex-Anna Nery, atual Salamis Glory,

totalmente reformado para navio de cruzeiro. É o único que

ainda navega do famoso quarteto de cisnes brancos

Acervo: José Carlos Silvares.

                      

O único que ainda navega em viagens de cruzeiros pelas ilhas gregas e portos do Mediterrâneo é o Salamis Glory ex- Anna Nery, que foi adquirido pela Salamis Cruises de Chipre, em 1996. Antes passou por outras armadoras. O Lloyd brasileiro vendeu esse navio em 1978. – A pergunta que sempre faço continua: Será que um dia vamos ter um transatlântico de cruzeiros brasileiro e tripulado por brasileiros? O bolo da atividade que mais cresce no planeta é grande e poderíamos comer uma fatia.

 

Bilhete de excursão para passeio por Recife-PE, durante excursão ao Amazonas - Passageiro do Princesa Leopoldina.  Acervo: L.J.Giraud.

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