Na véspera do dia de São Pedro, pelas dependências da quermesse beneficente da Gota de Leite, caminhava absorto pelas diversas barracas de guloseimas, de jogos da época como argola, pescaria, tomba-latas e do pequeno parque de brinquedos dirigidos ao público infantil. Repentinamente, me vieram à lembrança as festas juninas em décadas passadas como as dos anos de 1950 e 1960.
Cartaz promocional da Secretaria Municipal
de Turismo de Santos, anunciando os festejos
juninos de 1971 - Acervo: L. J. Giraud.
A Cidade se transformava de uma forma quase que radical durante os meses de junho. Até o aroma ficava diferente. As pessoas também. A maioria das lojas exibia roupas típicas para as festas caipiras nas vitrines enfeitadas. Dentre elas, Sears, Bazar da China, Ao Preço Fixo e Lojas Americanas, entre outras. Quase todas as escolas mantinham quermesses, das quais os alunos participavam ativamente.
Alguns dançavam a quadrilha, outros representavam peças com temas caipiras. Aqui vai uma lembrança especial, ocorrida por volta de 1955. Quando fazia o curso primário no Instituto Andradas, que ficava situado no local onde hoje funciona uma agência do Banco Itaú, na Av. Conselheiro Nébias, 549.
Participantes de uma festa caipira, vestidos a caráter,
por volta de 1950. Reprodução: site Novo Milênio.
O diretor era Fausto Domingos do Nascimento. Para as festividades, eram escolhidos alunos com aptidão para dançar a quadrilha, dança que não podia faltar numa quermesse. Após exaustivos ensaios ministrados por nossas professoras, de nomes Regina, Aparecida e Neide, com grande entusiasmo fizemos uma bela apresentação num grande tablado de madeira especialmente construído para os festejos juninos.
A platéia era composta por nossos pais, parentes, amigos, vizinhos e convidados (tínhamos que vender um certo número de ingressos). O mais interessante é que todos que adquiriam ingressos compareciam nesses dias dedicados aos santos Antonio, João e Pedro, no Arraial dos Andradas. Isso nos deixava muito envaidecidos principalmente pelos aplausos recebidos após a apresentação. Lembro de alguns colegas de classe como: Gastão Lelis Leite Jr (amigo há mais de 50 anos), Ademir, Carlos Alberto, Olegário, Donato, Geraldinho, Alarico, Cláudio, Ernesto, Jaime, Salgado. Passados tantos anos, ainda encontro com o Gastão e o advogado Ademir Esteves de Sá. Éramos usuários da mesma perua escolar, dirigida pelo diretor ou por seu irmão Leobaldo. Não posso esquecer das colegas, Regina, Carminha, Gladys, Marta, Jovelina, Soninha. Os coleguinhas eram muitos.
O autor na companhia de sua irmã Aura
Silvia, quando da festa do Instituto
Andradas, em 1955. Foto: Kepler A. Borges.
Tudo isso, somado às outras festas organizadas por vizinhos, na Av. Almirante Cochrane com Vergueiro Steidel. O espaço era enfeitado com varas de bambu, bandeirinhas, lanternas de São João e uma apreciável fogueira. Cada um levava o que estivesse ao seu alcance. Assim, eram servidos pipocas, bolo de fubá, cocadas, pé-de-moleque, pinhão, cachorro quente, sanduíche mexicano, batata doce, groselha, guaraná caçula e cerejinha, um refrigerante delicioso que desapareceu, acho que no início dos anos 60.
As festas eram muito animadas. Todos ficavam ao redor da fogueira, escutando e dançando ao som de uma vitrola músicas como, São João, Cai Cai Balão, Pula a Fogueira, Noites de Junho, Capelinha de Melão, ao som do acordeom do inesquecível Mário Zan. Vejo nessas recordações meus pais ainda jovens, meus tios Gerson e Arlete Fonseca, o Sr. Manoel Leite Praça, e sua esposa Dna. América, oferecendo delícias juninas aos presentes. A maioria já está no Céu. Era muita alegria. Ah!, ia me esquecendo: no céu estrelado eram vistos grande número balões de vários tipos. Era tudo alegria, Naquela época, todos se relacionavam bem.
Cartão-postal dos anos 60, mostrando parte do parque de
diversões da Praia do Gonzaga. Acervo:L. J. Giraud.
Vale recordar, que as festas juninas são comemoradas desde o século 16. O costume foi trazido pelos portugueses. - Dança, fogueira e comida sempre fizeram parte desse evento.
Com o tempo foi surgindo à figura do caipira, uma relação com a agricultura. Por essa razão o arraial representa uma localidade do interior de antigamente. Os personagens do arraial são encontrados na quadrilha, o padre, os noivos, o coronel, o delegado, as sinhazinhas, os sinhozinhos, os compadres e comadres. A quadrilha veio da Europa e começou a ser dançada no Rio de Janeiro.
Foto noturna do parque de diversões na festividade de 69. Reprodução
Mas esses festejos eram também comemorados em vários clubes da Cidade, e até nas casas de famílias, as fogueiras eram acesas nas ruas. Cada um comemorava da forma que mais lhe agradasse, o espírito da alegria era o mesmo em qualquer lugar.
Voltando à Gota de Leite, já no galpão que serve como restaurante, na agradável companhia de meus familiares, saboreando um delicioso frango a passarinho, lembrei da Cidade Junina, montada todos os anos na areia da Praia do Gonzaga. Era uma festa de luzes, alegria, música, diversão e boa comida. A Cidade Junina começou a funcionar a partir de 1958 e foi a maior organização beneficente do Estado de São Paulo, onde participavam várias entidades de caridade da Cidade, com barracas de quitutes da época. A média era de 20 barracas. Um detalhe: os freqüentadores eram servidos pelas senhoras da sociedade santista.
A foto mostra a eletrizante Muralha da Morte, onde o Capitão Tony
se exibia ao grande público, ora em motocicleta, ora em automóvel. Reprodução.
Em certo ano saiu uma charge do Dino, onde aparecia uma empregada doméstica sendo servida pela patroa, mostrando esse lado alegre da filantropia. Geralmente funcionava de 28 de junho até o último dia de julho, quando terminava a temporada de inverno. Era muito freqüentada, principalmente pelas famílias santistas e turistas.
Havia shows musicais e artísticos (a Rádio Cacique de Santos sempre presente), concurso de quadrilhas e outros espetáculos adequados da festividade. Mas o ponto alto era o parque de diversões com vários tipos de brinquedos para adultos e crianças, que chegavam ao número de 14, que iam de duas rodas gigantes, carrossel, foguete, autopista, bicho da seda, trem fantasma, chicote, força centrífuga e a mais emocionante para mim, um garoto de 15 anos, a muralha da morte, onde todas as noites o Capitão Tony se exibia ao público, ora pilotando uma motocicleta, ora um automóvel. Era de arrepiar.
Um dos divertimentos preferido dos visitantes da Cidade Junina
era, sem dúvidas, a famosa auto-pista. foto: José Dias Herrera.
Acervo L. J. Giraud.
Tony tinha um tipo germânico, e impressionava o público. No final o locutor do parque pedia que a platéia contribuísse com alguma importância em espécie para o Capitão Tony em razão de nenhuma companhia de seguros aceitá-lo como segurado. Ele era o verdadeiro rei das atrações.
Depois dessas doces lembranças, daquelas tradições quase extintas só me restou provar um delicioso merengue servido na tradicional quermesse da Gota de Leite.
Diante dos expectadores o Capitão Tony pilotando uma motocicleta especialmente preparada para exibição na assustadora Muralha da
Morte - Anos 70. Foto: José Dias Herrera. Acervo: L. J. Giraud.
O famoso acordeonista Mario Zan, interprete de
famosas canções juninas como: Pula fogueira,
Capelinha de Melão, Cai Cai Balão, entre outras que
sempre animaram as grandes festas de São João,
Antonio e Pedro. - Acervo: Delmiro Antelo Iglézias.