Domingo, 29 Dezembro 2024

Um dos meus programas radiofônicos preferidos é o São Paulo de Todos os Tempos, dirigido pelo jornalista Geraldo Nunes, na Rádio Eldorado de São Paulo, que, diga-se de passagem, completou 50 anos de existência recentemente. Pois bem. Num desses dias, ao ouvir esse programa, escutei uma entrevista dada por João Emilio Gerodetti e Carlos Cornejo, autores do livro ’’Navios e Portos do Brasil – Nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças’’ (leia mais sobre o livro), entre outras obras pictóricas. O livro é fartamente recheado de belas imagens, na sua maioria inéditas, além de textos leves e bons de serem lidos. Seu lançamento foi em 2006. Foi editado pela Solaris Edições Culturais.

 

O "Cap Polonio" passando na Ponta da Praia na altura do Clube

Saldanha da Gama. No cartão-postal, é visto o antigo trampolim de

madeira, que na década de 1940 deu lugar a outro em alvenaria.

Uma curiosidade é que no local existia praia na concepção da palavra. Somente nos anos 40 surgiu a famosa amurada.  Reprodução: Livro

Navios e Portos do Brasil.

 

O bom do livro é que dele participaram com ilustrações, informações e alguns textos, vários amigos que apreciam as coisas do passado, fato esse sempre lembrado por Gerodetti e Cornejo, durante suas entrevistas aos meios de comunicação. Assim colaboraram com a marcante obra aproximadamente 35 pessoas. Dentre elas José Carlos Silvares, Marjorie Medeiros, Paulo Gonzalez Monteiro, José Carlos Rossini, Carlos Eugenio Dufriche, Marco Antonio Pedro, José Carlos Daltozo, Emerson Franco Rocha da Silva, Edson Lucas, José Dias Herrera, Michel Fares Filho, Antonio Giacomelli, Maria Cecília França Monteiro da Silva, Monsenhor Jamil Nassif Abib, Aldo Colombo, Eduardo Szazi, Aldo Colombo, Laire José Giraud... A lista é longa.

 

Voltando à entrevista, fiquei sabendo que o livro da dupla Gerodetti/Cornejo tirou primeiro lugar na escolha do Livro do Ano. Esse prêmio é dado anualmente pela Rádio Eldorado, programa "São Paulo de todos os tempos" do jornalista Geraldo Nunes, para o melhor livro sobre páginas de história de São Paulo. É formado um júri com pessoal do "O Estado de São Paulo", onde é levado em conta o interesse do assunto em relação à cidade de São Paulo. No nosso caso o que valeu foi o vínculo do livro com a Imigração, assunto fundamental na História da cidade.

 

O prêmio consiste num certificado e um almoço ou jantar no Restaurante Rubayat para duas pessoas. Gerodetti faz questão de frisar que parte do prêmio é dos amigos pela sua brilhante participação no livro.

 

O "Cap Polonio" atracado no Porto de Santos em 1925. 

Reprodução: Livro Navios e Portos do Brasil.

 

Da nossa parte, esta coluna oferece imaginariamente, o Troféu Shiplover aos autores, não só por esta obra, como também por outras que alcançaram grande sucesso, que são: Lembranças de São Paulo – A Capital Paulista, 1999, - O Litoral Paulista, 2001, - O Interior Paulista, 2003, - Lembranças do Brasil, 2004, - Ferrovias do Brasil, 2005.

 

Relendo o livro Navios e Portos do Brasil, encontrei um relato muito interessante, passado durante uma viagem no transatlântico “Cap Polonio”, que pertenceu à armadora alemã Hamburg-Sud. Foi lançado ao mar em 25 de março de 1914, no início da Primeira Guerra Mundial. Media 201,80 m de comprimento. Sua tripulação era composta de 460 pessoas e podia levar até 1.555 passageiros distribuídos em três classes.

 

O "Cap Polonio" atracado nas proximidades da Praça Mauá, no Rio

de Janeiro. O local é o mesmo onde hoje atracam os navios de

cruzeiros. Pela popa é visto o navio norte-americano "American

Legion".  Acervo L. J. Giraud

 

Sua primeira viagem para a América do Sul – Hamburgo/Buenos Aires com portos intermediários -, foi em 16 de fevereiro de 1922. Com a chegada do luxuoso “Cap Arcona” em 1927, o “Cap Polonio” passou para o segundo plano, mesmo com uma grande reforma que sofreu em 1931. Em 1935, foi vendido para demolição.

                

Mulheres decotadas e cavaleiros de smoking

Descrição vívida de uma viagem no “Cap Polonio”, a partir de Santos, por volta de 1925, foi a de Jayme Adour da Camara, na sua obra “Oropa, França, e Bahia documentário de viagem”:

 

O toque da corneta anunciava: Visitantes para a terra! O cais deserto, sem lenços de despedida. Só a chuva lá fora em um táxi cortando a noite, levando-me a saudade do último amigo. Vinte e três horas. Movimentos lentos. E o “Cap Polonio” foi se desprendendo, fazendo-se ao largo. No ar de maresias, um cheiro de café ensacado.

 

Grupo de brasileiros, a bordo do "Cap Polonio" durante

viagem à Europa, em 15 de fevereiro de 1926. - Reprodução:

Navios e Portos do Brasil.

 

Minha primeira noite de cabine. - Sobressaltos. Manhã de sábado. A sombra da terra a se mostrar fugidia pela vigia aberta. Praias do Estado do Rio. Ilhas marcando as águas verdes. Barcos cruzando, descendo e subindo bandeirinhas. Sinais de ingênua cortesia. O Cassino, o Leme. O Pão de Açúcar, posando para as máquinas dos viajantes. Todas as fortalezas. Canhões vigiando.

 

A cada avanço do vapor, a baía se mostra mais, se entrega. A cidade de arranha-céus incipientes aparece toda rendilha. Cinelândia, Avenida, o prédio do jornal “A Noite”. O “paquebot” não anda mais. Desce o ferro. Visita. Exibição de passaportes. Anunciam:

 

- Os senhores passageiros que descem no Rio!

 

Agora é o Cais do Porto. As Docas, os armazéns, alinhados. Finalmente, ligado á terra carioca. Embaixo só cabeças. Novos passageiros.

 

Na tarde escura de junho, o vapor vai costeando as praias fluminenses. Depois veio a tarde. Já não se avistam os contornos do continente. No tombadilho alguns passageiros ainda passeiam a sua curiosidade, de um para outro. Recostado na amurada vejo que se aproxima uma criatura que me interessa. Tipo de inglesa.  Recoberta de peliças exageradas, excessivas, mas elegantíssima. Em um certo  ar de vício a ensombrear-lhe os pestanudos. Acompanhada de uma usada matrona, a desconhecida percorre a passos largos o tombadilho, num circuito sem fim.

 

Cartão-postal da Hamburg-Sud mostrando

os portos de escala do "Cap Polonio" e de

outros navios da armadora alemã em1926.

Reprodução: Navios e Portos do Brasil.

 

E o vapor avança dentro da noite brasileira e sob o Cruzeiro do Sul, que lá em cima velava. No horizonte estendido o pisca-pisca de faróis prestimosos apontando os escolhos. Não consigo adormecer. Inteiramente só na minha espaçosa cabine de luxo, detenho-me a examinar os pequeninos detalhes do meu camarote. Pela vigia entra uma golfada de ar frio. Subo. O bar está lotado. No jardim-de-inverno, mulheres finas como galgos, de pernas esticadas, fumam cigarros ingleses. Cavalheiros graves se embriagam, lentamente, sorvendo, esvaziando aos poucos longos copos de “oxigenée”. Grupos vão se formando ruidosos e comunicativos:

 

- Como vê , meu amigo, um transatlântico é  muito mais acolhedor do que um expresso. Um expresso é estridente e solta fagulhas. O vapor é lento e dispões de todo o seu tempo. Nada mais lhe resta senão seguir, de seu próprio esforço, sem parar, durante longos dias, através das planícies salgadas e da solidão dos mares. A primeira lição do transatlântico é de renunciamento. Há todo uma ascetismo da partida. Partir, em primeira análise, é libertação. Partir é despojar-se da própria vida quotidiana.

 

O belo "Cap Arcona", que fez viagem inaugural em 1927, fazendo

com que o "Cap Polonio" perdesse um pouco do seu brilho. Acervo:

L.J. Giraud.

 

De hoje a dez dias, Lisboa. Dias longos sem horizontes. A bordo ainda o aspecto dos passageiros é de cerimônia, ainda não há a hábito da convivência. Descidos os toldos, vão tendo início os primeiros jogos, que primam pela falta de atrativo. Banhos na piscina e banhos ao Sol. Formas de mulheres e seios entremostrados. E assim as horas vão passando. Horas de almoço. Horas de chá, sinetas chocalhando, advertindo para o toalete do jantar de cerimônia . Mulheres decotadas e cavaleiros de smoking. Uma orquestra trepada em palanque apunhala os ouvidos da gente com saxofones, banjos, músicas americanizadas...

 

Cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro, mostrando o Pão de

Açúcar, a avenida Rio Branco e o prédio do Edifício ’’A Noite’’, no qual

até hoje funciona a Rádio Nacional, na Praça Mauá.

 

O “Cap Polonio” continua a contornar a terra brasileira. Imediações da Bahia, de Alagoas, céu sem nuvens. Jogos mais animados. Já se vem falando nos jogos equatoriais.

 

Tiveram início hoje os festejos equatoriais. A linha imaginária! O batismo dos neófitos. Ás 15 horas Neptuno irrompe a bordo acompanhado do seu séqüito. Banhos da criançada na piscina da popa. E á noite se sucedem as danças.

 

No cartão oficial da famosa Hamburg-Sud, vemos a pintura

do "Cap Polonio" em Lisboa, Portugal. - Acervo: L. J. Giraud.

 

Antes de finalizar este artigo, que é uma homenagem aos autores do livro Navios e Portos do Brasil, quero deixar um abraço grato ao grande radialista Geraldo Nunes, que apresenta o programa de segunda a sábado das 5 à 5h30, na Rádio Eldorado de São Paulo.

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