Domingo, 29 Dezembro 2024

A primeira vez que ouvi uma menção sobre a cábrea (guindaste flutuante) “Sansão”, lá pelos idos de 1952, foi na residência do sr. Francisco Passanante, na Av. Almirante Cochrane. Ele era um alto funcionário da Agência Marítima Martinelli, que ficava na Rua do Comércio esquina com a XV de Novembro.

 

O sr. Passanante era pai dos meus amigos de infância César e Ronaldo César. Na ocasião ele contou, que nas Docas, como todos se referiam à Companhia Docas de Santos (CDS), empresa privada que administrou o porto até 17 de novembro de 1980, havia um guindaste enorme que erguia milhares de quilos, como locomotivas. Na minha curiosidade de menino perguntei se o tal guindaste conseguia levantar uma casa. Ele sorriu e disse que conseguia erguer várias.

 

A cábrea Sansão que operou no Porto de

Santos durante 43 anos, descarregando

uma locomotiva do cargueiro estadunidense

Mormackstar - início da década de 1970. 

Reprodução.

 

Confesso que fiquei muito curioso para saber como era o tal “Sansão”, pois não tinha idéia da sua configuração. Para complicar um pouco mais a minha imaginação, pouco antes fora exibido num dos cinemas da Cidade, o filme “Sansão e Dalila”, produzido em 1949 por Cecil B. de Miller, com os atores da Metro Goldwin Mayer Victor Mature e Eddy Lamar (uma das mais belas estrelas de Hollywood na sua época).

 

Na belíssima matéria – “Guindaste Sansão de 48 anos será demolido”, do inesquecível jornalista Hélio Schiavon, no caderno Porto & Mar de A Tribuna de Santos, do dia 11 de março de 1999, conta que Sansão um dos mais intrigantes personagens bíblicos, cuja força estava relacionada aos seus cabelos, serviu de inspiração para os diretores da CDS para batizar a cábrea com esse nome.

 

Na foto do grande fotógrafo José Dias Herrera, uma barcaça

descarregada pela grande cábrea. Ao seu lado, o rebocador São

Paulo da Companhia Docas de Santos - 1952. Acervo: L. J. Giraud.

 

Voltando à minha infância, por volta de 1955, quando já pegava bondes e ônibus sozinho, todos os sábados pela manhã eu ia encontrar meu pai, o médico Laire Giraud, no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), que ficava na Praça da República, no local onde hoje é o estacionamento da Alfândega do Porto de Santos.

 

Naquela época todos trabalhavam aos sábados no período da manhã, inclusive os bancos. Essa jornada de trabalho era chamada de semana inglesa, por ter sido adotada pelos britânicos. Naqueles sábados, meu pai deixava o ambulatório do IAPM por volta das 10 horas e íamos passear pelas ruas XV de Novembro e do Comércio. Eu ficava contente ao passar pelas diversas agências marítimas que exibiam maquetes de navios nas vitrines.

 

Ao fundo, o Sansão, nas proximidades de belonaves da Marinha

dos Estados Unidos - 1953. Acervo: L. J . Giraud.

 

Assim vi alguns transatlânticos da época, como o “Ruyz”, o “Conte Grande”, o “Alcântara”, o “Vera Cruz” e o “Yapeyu”, entre outros. Em algumas ocasiões íamos até a estação das barcas do Itapema, como era chamado Vicente de Carvalho, onde  apanhávamos a barca de nome “Ademar de Barros” para um passeio pelo estuário. Era um verdadeiro tour de 15 minutos, onde víamos navios de várias nacionalidades fundeados e atracados ao longo do cais. Lembro de ter visto inúmeros transatlânticos nas proximidades do Armazém de Bagagem. Era um verdadeiro espetáculo.

 

Retornando à “Sansão”, protagonista deste artigo, num sábado nublado estávamos à bordo da grande barca em direção a Vicente de Carvalho, quando nas proximidades do escritório do Tráfego da Cia. Docas deparamos com uma verdadeira torre flutuante que navegava rebocada a contrabordo do rebocador “São Paulo”. Meu pai exclamou, é o “Sansão”! Foi assim que vi a grande cábrea pela primeira vez. Passados 53 ainda me recordo daquele sábado inesquecível.

 


No início de 1970, imagem mostra o Sansão sendo rebocado a
contra bordo por um dos rebocadores da CDS. Sua altura era
de 35 metros - 1971. Reprodução: Porto de Santos - MT - DNPVN.

 

No final da década de 90, da janela do meu escritório, com vista para as praças da República, Barão do Rio Branco e do cais, assisti o “Sansão” atracando no armazém 4, onde lá permaneceu por certo tempo. Até que em certa manhã avistei um rebocador da empresa Saveiros Camuyrano, removendo a velha cábrea para o armazém 6, local, que serviu de cemitério para os antigos guindastes que operavam na faixa portuária. Posteriormente foi dado início do humilhante desmanche de um dos mais famosos equipamentos do Porto de Santos. Foram dias de tristeza assistir aquele esquartejamento, até que tudo terminou num amontoado de ferro velho.

 

Contando um pouco desse herói, sua encomenda foi firmada em 23 de março de 1949, junto ao estaleiro holandês Industrieelle Handels Combinatie Holland, e começou a operar em 1951. Tinha capacidade para erguer 150 toneladas, era tripulado por 12 pessoas, media 34 metros de comprimento, 18,5 metros de largura, deslocava 692,3 toneladas, e seu custo foi de 1 milhão 628 mil florins.

 


O Sansão atracado no armazém 4,
nas proximidades da Praça Barão
do Rio Branco, no aguardo
do desmanche

 

No início o “Sansão” foi utilizado na movimentação de volumes pesados, como locomotivas, transformadores, turbinas, prensas, tratores. Com o passar do tempo foi empregado em várias outras operações, entre elas, o de salvamento de embarcações que foram a pique no porto por causas diversas, chegando até movimentar contêineres de 40 pés, isto é, quando a Docas não possuía equipamentos especiais para essa finalidade.        

 

Após 43 anos de trabalhos árduos, a honrosa baixa do célebre “Sansão” aconteceu no dia 22 de julho de 1994, no cais da Mortona (próximo à Capitania dos Portos), quando ficou em disponibilidade para leilão.

 

O Sansão executou inúmeras funções, muitas improvisadas,
como
a de içar contêineres, serviços hoje exeuctados
na maior parte por portêineres, como os pertencentes
ao Tecon. Foto: L. J. Giraud.

 

Foi adquirido pela firma  Ligiamar Comércio e Serviços Marítimos, em 1997, e o desmanche foi em 1999. Infelizmente muitas coisas têm fim, como no caso do “Sansão” que tanto colaborou no maior porto da América Latina.

 

Este artigo é mais uma homenagem ao jornalista Hélio Schiavon, que escreveu tudo sobre o Porto de Santos, merecendo assim que seu nome seja perpetuado num dos inúmeros locais do cais de Santos. – Autoridades, por favor, reconheçam essa verdade.

 

Na foto onde aparece o magistral prédio da Alfândega do Porto de

Santos, vemos à esquerda as árvores que cobrem o estacionamento,

onde ficava situado o IAPM - Instituto de Aposentadoria e Pensões

dos Marítimos. Por ironia dos destino, vemos a lança do cábrea Pará,

que por ser mais moderna ocupou do lugar do Sansão. Foto: L. J. Giraud.

 

Fontes

Porto de Santos – MT – DNPV – 1971, A Tribuna de Santos, Revista Docas de Santos.

 

Em tempo
O Porto de Santos perdeu na última semana mais um amigo, o despachante aduaneiro Ary Fernandes Leal Filho. Ary era muito conhecido nos meios portuários e fez muitos amigos, também em outros setores da Cidade. Estava sempre disposto a ajudar as pessoas e, em função disso, com certeza deixará muitas saudades entre os amigos.

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