Dia desses encontrei um amigo, também despachante aduaneiro, no belo prédio da Alfândega do Porto de Santos. Após uma pequena conversa, ele lembrou e elogiou um antigo texto no qual eu falava sobre os navios que passavam pela Ponta da Praia, no tempo dos navios de passageiros (que levavam pessoas de um porto a outro, como, por exemplo, de Santos para Lisboa).
O inesquecível transatlântico português Vera Cruz, gêmeo do
Santa Maria, passando pela Ponta da Praia em 1952.
Foto: Boris Kauffmann - Acervo: L. J. Giraud
O referido artigo foi publicado no jornal A Tribuna, na quinta feira 2 de junho de 2000. Por essa razão, resolvi reprisá-lo nesta coluna, o que certamente trará boas lembranças aos que vivenciaram a época. Eis o texto:
Um dos capítulos mais interessantes da história do Porto de Santos é, sem dúvida, a época dos grandes transatlânticos, com seus milhares de passageiros importantes: os artistas, políticos, milionários, personagens das mais variadas nacionalidades, visitando o País.
Para os santistas, dia de transatlântico no porto era dia de festa, e sempre houve um lugar muito especial para admirarem o desfile dos palácios flutuantes. Era a passarela natural da amurada da Ponta da Praia.
O navio misto (passageiros e cargas) de nacionalidade
italiana Alpe, passando pela antiga ponte dos práticos
por volta de 1952. Foto: José Dias Herrera. Acervo: L. Giraud
O apogeu dos transatlânticos foi no inicio do século, até quase o fim da década de 50, quando aos poucos o avião tomou lugar dos navios.
Ainda hoje, entretanto, a passagem de um simples cargueiro costuma ser reverenciada em silencio pelo publico.
O que dizer, então, daquele tempo glamouroso, quando os gigantescos transatlânticos entravam no estuário, cruzavam a Fortaleza da Barra e seguiam majestosos em direção ao porto?
O navio de passageiros espanhol Cabo San Vicente navegando
na altura da praticagem – 1970. Foto: José Carlos Rossini
Acervo: L. J. Giraud
Mais emocionante que a chegada, era só a partida.
Como no filme italiano E La Nave Va, de Federico Fellini, ver o navio passar era um acontecimento.
Milhares de pessoas se debruçavam sobre a amurada e esperavam ansiosas, até que o imponente transatlântico apontava atrás do Armazém do Entreposto de Pesca. La vinha ele, silencioso e sobranceiro, rasgando a água do estuário buscando o caminho do mar.
Memória
Foi desse local formidável, que sempre foi uma atração especial para mim, que pela primeira vez vi os mais famosos transatlânticos que visitaram o Porto de Santos.
A majestosa entrada do britânico Queen Elizabeth 2, na altura
do Clube Vasco da Gama - 1987. Acervo: L. J. Giraud (presente
do historiador Jaime Caldas)
Para citar alguns, comecemos pelos Andes, pelo Vera Cruz ou pelo Alcântara, além dos italianos Conte Biancamano ou Conte Grande.
E também Brazil, Argentina, Anna C, Cabo San Vicente, Charles Tellier, Provence, Enrico C, Rio de La Plata... A lista é longa.
Foi ainda da Ponta da Praia, desta vez da Ponte dos Práticos, que em 1953 observei a partida da maior esquadra norte-americana que já visitou Santos. Composta por dez destróier e dois cruzadores pesados, o Macon e o Albany, o grupo era liderado pelo porta-aviões Saipan.
Esse movimento inusitado deu muito trabalho ao serviço de praticagem. O primeiro navio zarpou às sete horas e o ultimo só deixou o cais às 13 horas. Durante todo esse tempo não entrou nem saiu nenhum outro navio mercante do porto.
Anúncio do Restaurante Vasco da Gama, na revista Santos, de
julho de 1971. Na época dirigida pelo já falecido Nivaldo Conrado.
Acervo: L. J. Giraud
Ainda na Ponta da Praia, de uma mesa do Restaurante Vasco da Gama, que era do mesmo grupo do tradicional Café Paulista, que ficava anexo ao clube e hoje não existe mais, vi pela primeira vez o transatlântico Eugenio C, que ficou conhecido dos brasileiros, porque freqüentou o Porto de Santos por mais de 30 anos.
Estava em uma mesa próximo da calçada, a noite era quente e passava um pouco de 21 horas, quando surgiu o navio todo iluminado. Foi um dos transatlânticos que mais me impressionou. E La Nave Va.
O ‘Queen’ é inesquecível
Um dos transatlânticos que mais impressionou a população santista foi o britânico Queen Elizabeth 2. Milhares de pessoas vindas de todo litoral, da capital e do interior, lotaram a Ponta da Praia para ver o famoso navio passar.
A imagem mostra um cargueiro da Blue Starline próximo à Ponte
dos Práticos, vendo-se ainda a lancha 25 de Janeiro da praticagem
e a lancha de turismo Loirinha, muito famosa nos anos 70 - 1971.
Acervo: L. J. Giraud
Pelo seu porte, luxo e fama, também foi um dos que mais me impressionaram em suas duas passagens por aqui.
Os transatlânticos que chegavam ao porto pareciam que desfilavam pelo estuário, antes de chegar ao Armazém de bagagens, que ficava na altura do 16. Naquele tempo, era a região de Outerinhos (nas proximidades onde fica a estátua da Nossa Senhora de Fátima) que vivia lotado de pessoas, que iam esperar ou se despedir dos passageiros.
Passarela
Até a segunda metade dos anos 40 , não havia o calçadão e a amurada atual. A Avenida Saldanha da Gama era um simples caminho, e não juntava tantas pessoas como anos depois.
Foi realmente após a construção da amurada que aquele trecho se tornou um verdadeiro mirante.
Os navios de cruzeiros compensam a perda dos antigos
transatlânticos. Na foto o Silver Shadow, em 1998.
Acervo: L. J. Giraud
Hoje, quando estou na Ponta da Praia sou invadido por uma sensação nostálgica, saudade dos antigos e grandes navios de passageiros e de cargas, que passavam tão perto e parecia que podíamos tocá-los.
Para compensar a perda das escalas freqüentes dos transatlânticos pela Ponta da Praia, por sorte ainda temos os navios de cruzeiros, que nos visitam durante as temporadas desses belos navios, e que chegam a lembrar um pouco dos longínquos anos dourados.
Do píer do pescador, é visto um grande numero de
admiradores de transatlânticos. Foto clicada a bordo do
MSC Armonia – dezembro de 2006. Acervo: L. J. Giraud