Domingo, 29 Dezembro 2024

Essa minha grande admiração pelos navios de passageiros dos anos dourados que continua até hoje através dos navios de cruzeiros, surgiu quando, menino, passeava pela orla das nossas praias, ou do calçadão da Ponta da Praia, na companhia de meu pai, e observávamos os navios que entravam ou saíam do nosso porto. Desses locais pitorescos, vi inúmeros transatlânticos que ficaram muito conhecidos e lembrados para todo o sempre. Como exemplo: o português Santa Maria, o francês Provence, o norte-americano Brazil, o britânico Arlanza, o argentino Rio de la Plata, o espanhol Cabo de San Vicente, entre incontáveis outros navios de passageiros.

 

O transatlântico Giulio Cesare, atracado no Porto do

Rio de Janeiro, junto à Praça Mauá, por volta de 1970.

Cartão postal Acervo: L. J. Giraud

 

Entretanto, dois transatlânticos de nacionalidade italiana tinham um destaque todo especial, o Giulio Cesare e o Augustus, que são os protagonistas do presente artigo.

 

A armadora Societá Itália di Navigazione foi proprietária de navios de passageiros que mantinham verdadeira multidão de admiradores, não somente em Santos, como nos demais portos de escala de transatlânticos da sua frota.

 

O célebre Augustus, navegando no canal de acesso do

Porto de Santos, visto do Iate Clube do Guarujá, no final

dos anos 60. Cartão-Postal do acervo: L. J. Giraud

 

Quando o Giulio Cesare e o Augustus, da Itália, escalavam em Santos, o movimento no cais do Armazém 16 e no Armazém de Bagagem (IV Externo) era simplesmente assombroso, pois o número de passageiros de embarque e desembarque era elevado. Sem mencionar os turistas em trânsito a bordo, os familiares e amigos e até os curiosos.

 

Como era intenso o movimento, conseqüentemente o número de malas e volumes diversos também era significativo. Havia longa espera para liberação das bagagens, inconveniente que poderia ser evitado se houvesse uma estação marítima.

 

Dado o elevado número de transatlânticos que escalavam na Cidade, bem que o porto merecia. Inclusive, no início dos anos 50, já se cogitara tal possibilidade, mas não foi realizada até a inauguração do Terminal de Passageiros da empresa Concais, no dia 23 de novembro de 1998.

 

Voltando ao Giulio Cesare e o Augustus. Ambos eram muito vistosos e luxuosos, além de apresentarem bons motivos para atrair imigrantes italianos instalados no Brasil e seus descendentes, que desejavam viajar com conforto.

 

Foto típica dos anos 60, tirada durante embarque de

passageiros (1963). Nota-se que as pessoas se vestiam de

uma forma mais requintada do que nas décadas subseqüentes.

Navio Augustus. Foto: Reprodução

 

Os dois transatlânticos ofereciam ar condicionado, proporcionando agradável temperatura ambiente, além de dispor, a bordo, de poderosa estação radiotelefônica, que podia ser utilizada pelos passageiros para comunicação com qualquer parte do mundo.

 

É preciso também mencionar das duas grandes galerias, quatro cinemas (um ao ar livre), dois elevadores, sala de ginástica, banco, escritório turístico, três salões de barbeiros e cabeleireiros, sala de jantar, três piscinas,. Salas de festa e amplos restaurantes.

 

A tripulação era sempre simpática, o que tornava os navios mais agradáveis aos passageiros. Vale lembrar que as acomodações da segunda classe do Giulio Cesare e Augustus eram melhores do que as da primeira classe de vários navios.

 

Atracado no cais do armazém de bagagens do Porto de Santos, o belo

Augustus momentos antes da partida para uma nova viagem

transatlântica. Na foto nota-se que após o movimento tropicalista

(Tropicália), as pessoas passaram a se vestir de uma maneira

descontraída. Foto: Acervo: L. J. Giraud

 

Os principais portos de escala dos dois transatlânticos eram: Barcelona (Espanha), Lisboa (Portugal), Dacar (Senegal, na África), Recife (Pernambuco), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina).

 

A cada escala do Giulio Cesare ou do Augustus em Santos eram destacadas a imponência, o luxo e a rapidez da travessia atlântica.

 

Segundo o encarregado de provisões do Giulio Cesare, Egidio Amoretti, em reportagem de A Tribuna de 1952, “falar em toneladas era coisa comum, visto que uma viagem redonda – que compreendia Gênova – Buenos Aires – Gênova – levava em média 34 dias”.

 

A foto reproduzida do jornal A Tribuna de Santos dá uma

perfeita idéia do que era o Giulio Cesare quando passava pela

famosa amurada da Ponta da Praia. Aqui visto em 1967, sendo

admirado por uma jovem da época.

 

O número médio de passageiros em casa um desses dois transatlânticos da Itália era em torno de 2 mil, mais tripulação de 517 pessoas.

 

O consumo de bordo era o seguinte: 30 toneladas de carne e aves, 26 de verdura, 24 de batata, alho e cebola, 21 de farinha de trigo, 11 de massas e arroz, oito de peixe, cinco de açúcar, 3,5 toneladas de frios, 2,5 de manteiga, uma tonelada de biscoitos e temperos, 1.800 quilos de café, 17 mil litros de leite, 1.600 quilos de geléia e 1.500 quilos de sucos, entre outros produtos alimentícios.

 

Nos navios, eram utilizadas 180 mil peças de roupa – toalhas de banho, lençóis, fronhas, toalhas de mesa – e 11 mil pratos, além de 27 mil copos.

 

O sempre lembrado Augustus visto pela popa, durante manobra de

atracação no porto de Santos por volta de 1953. Foto: José Dias Herrera.

Acervo: L. J. Giraud

 

Assisti às entradas do Giulio Cesare e do Augustus numerosas vezes, sobretudo na Ponta da Praia, o que constituía um belo espetáculo, pois os dois navios eram célebres e não havia pessoa que não parasse para vê-los, navegando no canal de acesso ao porto.

 

O Giulio Cesare escalou em Santos pela primeira vez em 11 de novembro de 1951 e o Augustus, em 17 de março de 1952.

 

Navegou o Giulio Cesare durante 22 anos. A última passagem por Santos foi em dezembro de 1972. A derradeira escala do Augustus ocorreu em janeiro de 1976.

 

O Augustus conseguiu sobreviver até os dias de hoje, escapando assim dos infames e impiedosos maçaricos. Atualmente é hotel flutuante nas Filipinas.

 

No longínquo ano de 1953, a foto clicada por José Dias Herrera

mostra o Giulio Cesare desfilando pela passarela natural da Ponta

da Praia. Acervo: L. G. Giraud

 

Com a desativação do Giulio Cesare e do Augustus da frota da Itália, ambos foram substituídos por dois outros navios que também marcaram época e deixaram muitas saudades nas pessoas da região da Baixada, o Guglielmo Marconi e o Cristoforo Colombo.

 

A lista de passageiros do Augustus,

datada de 17 de setembro de 1953,

informava que o seu comandante era o

capitão Luigi Gulinelli e dentre os ilustres

passageiros, estavam presentes oito

membros da famosa família Matarazzo.

Acervo: L. J. Giraud

 

Espero ter deixado um rastro de lembranças do Giulio Cesare e do Augustus, magníficos navios, que deixaram seus nomes imortalizados em letras de ouro, no livro do porto e da Cidade.

 

Ficha Técnica

Nome: Giulio Cesare

Tipo: Transatlântico

Estaleiro construtor: Cantieri Riuniti dell’Adriatico

Nº de construção: 1.756

Tonelagem de arqueação bruta (tab): 27.078t

Comprimento: 207 m

Boca (largura): 26 m

Velocidade de cruzeiro: 21.5 nós (40km/h).

Hélices: 2

Passageiros: Quando construído, 118 na 1ª classe, 196 na 2ª e 788 na 3ª (turística)

Após reforma de 1957: 178 passageiros na 1ª. 288 na 2ª e 714 na 3ª

Após a reforma de 1964: 215 na 1ª e 858 na turística

Tripulação: 440 pessoas

1ª quilha deposta: 28-7-1949

Lançamento ao mar: 18/5/1951

Viagem inaugural Gênova – Brasil – Prata: 27-10-1951

1ª viagem Gênova – Nova York: 4-6-1960

Chegada à Itália aquela que seria a última viagem: 14-1-1973

Desativação: 20-4-1973

 

Cartão-postal original da Itália di Navigazione, representando os

transatlânticos gêmeos Giulio Cesare e Augustus, que pela sua

linhas e alvura, se destacavam pelos portos por onde passavam.

Acervo: L. J. Giraud

 

Ficha Técnica

Nome: Augustus

Tipo: Transatlântico

Estaleiro construtor: Cantieri Riuniti dell’Adriatico

Nº de construção: 1.757

Tonelagem de arqueação bruta (tab): 27.090t

Comprimento: 207 m

Boca (largura): 26 m

Velocidade de cruzeiro: 21.5 nós (40km/h).

Hélices: 2

Passageiros: Quando construído, 118 na 1ª classe, 196 na 2ª e 788 na 3ª (turística)

Após reforma de 1957: 178 passageiros na 1ª. 288 na 2ª e 714 na 3ª

Após a reforma de 1964: 155 na 1ª e 978 na turística

Tripulação: 440 pessoas

1ª quilha deposta: 1º-6-1949

Lançamento ao mar: 19-11-1951

Viagem inaugural Gênova – Brasil – Prata: 4-3-1952

1ª viagem Gênova – Nova York: 19-1-1957

Última viagem Gênova – Nova York: 11-9-1961

Desativado no Porto de Nápoles: 15-1-1976

Adquirido por Great Shipping, Hong Kong: 1º-9-1976

Rebatizado Great Sea em: Setembro de 1977

Adquirido por Ocean king, da Libéria, e rebatizado Ocean King em: 1980

Rebatizado Philippines em: 1983

Rebatizado President em: 1985

Rebatizado Asian Princess em: 1988

Adquirido por Philippine Passaenger Lines: 1994

 

As despedidas eram momentos de grandes emoções, onde eram

vistas cenas comoventes de choro e abanos de lenços, tanto por parte

dos que se encontravam no cais, como também dos que estavam a

bordo. Era o momento em que a orquestra de bordo tocava músicas

memoráveis como as famosas canções Nel Blu Dipinto Di Blu (Volare),

1958, e Piove (Ciao Ciao Bambina), 1959, do célebre Domenico Modugno

e Johnny Dorelli e Se Piangi Se Ridi – 1965, de Bobby Solo e New Christy

Minstrels, que causavam um grande nó na garganta dos presentes. Na

foto, o Augustus em 1953. Foto: José Dias Herrera - Acervo: L. J. Giraud

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