Sábado, 28 Dezembro 2024

Este artigo sobre o transatlântico italiano Conte Grande é uma reprise, publicada no jornal A Tribuna do domingo 12 de novembro de 1995, há 12 anos. Ele foi escrito em parceria com Nelson Antonio Carrera, um dos maiores conhecedores de todos os tipos de navios do passado e do presente. O talentoso Nelson deu um toque especial e enriqueceu o texto com informações importantíssimas, que se somaram às minhas, cujo resultado segue abaixo.

 

Cartão-postal original da Itália Societá di Navigazione que

representava os navios Conte Grande e Conte Biancamano.

Foi distribuído durante os anos 50. Acervo: L. J. Giraud

 

Mas essa republicação deve-se a dois fatos. O primeiro, um e-mail do senhor de São Paulo de nome Antonio de Paula Mangravitti, filho de Antonio Mangravitti, já falecido, que foi cozinheiro do Conte Grande no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando o navio de passageiros ficou internado no Porto de Santos de junho de 1940 a abril de 1942, data em que foi vendido pelo governo brasileiro para os Estados Unidos e foi convertido em navio transporte de tropas.

 

Antonio Mangravitti foi proprietário da Cantina Conte Grande que, caso não esteja enganado, ficava situada no bairro do Cambuci, na capital paulista. Cheguei a passar nas imediações dessa cantina italiana nos anos 70 e 80, quando trabalhava em São Paulo, mas não tive o privilégio de saborear os seus deliciosos pratos.

 

Cartão-postal, fotografado quando o Conte Grande passava na altura

da Fortaleza da Barra Velha, após a primeira viagem depois da Segunda

Guerra Mundial. Ele veio com a proa lançada e com o casco pintado de

branco. Seu comprimento foi aumentado para 204 metros. – 1949.

Acervo: L. J. Giraud

 

O outro fato, foi um encontro dia desses com Nelson Carrera que passava pela Praça Mauá, o que ocasionou uma rápida e agradável conversa sobre navios. Diante desses dois acontecimentos, lembrei do presente artigo que segue abaixo:

 

O Legendário Transatlântico Conte Grande

As grandes linhas de navegação comercial registraram a sua história, onde o grande personagem sem dúvida, é o transatlântico.

 

Os mais variados projetos exibiam o que de mais profundo tinha um povo em seu âmago.

 

Assim era que as grandes nações com tradição marítima erigiam verdadeiros castelos flutuantes, em cujo interior a madeira, os vitrais, os adornos e os muitos murais nos salões de estar, salões de festa e até capelas foram reproduzidas magníficas obras de arte, que muito poucos tiveram a sensibilidade de analisar ao sabor das ondas, nas primeiras três décadas do século XX.

 

Castelos flutuante

É certo que os mais suntuosos castelos flutuantes foram inicialmente os alemães e os franceses, cuja atmosfera buscava a brisa alegre de climas tropicais, sem contudo omitir-se na evocação de temas domésticos.

 

Magnífica fotografia do verdadeiro Castelo Flutuante deixando

Santos numa tarde de 1952. Notem que o calçamento da Av. Saldanha

da Gama era de paralelepípedo, bem como o adorno e os pequenos

postes na amurada. Foto: José Dias Herrera – Acervo: L. J. Giraud

 

Discípulas da rainha dos mares (Grã-Bretanha) em arte e engenharia naval, França e Alemanha seriam rivais neste particular relativo à decoração dos grandes transatlânticos, pois do ponto de vista específico da técnica naval a Alemanha foi destaque de extremo perfeccionismo.

 

Enquanto os alemães e franceses ostentavam aos emigrantes o luxo e a pompa os castelos de seus monarcas, a Itália expandia seus estaleiros navais, onde só em finais da década de 20 grande transatlânticos seriam construídos.

 

Era nos aposentos dos grandes transatlânticos que o emigrante italiano, ao contrário do francês e do alemão, iria ao encontro da terra nova acomodado em ambientes que evocavam principalmente o desconhecido, despertando a curiosidade enquanto amenizava a tristeza de deixar o solo natal.

 

O transatlântico

O navio de passageiros Conte Grande foi construído nos estaleiros Stabilamento Técnico Triestino, em Trieste, Itália, e ficou pronto em março de 1928.

 

Fotografia tirada de uma jovem a bordo do belo

Conte Grande nas proximidades da piscina. Anos 50.

Acervo: J. C. Rossini

 

Para além da opulência palaciana dos Césares, a influência tropical era notável no paisagismo do salão de festas da primeira classe, ao estilo templar egípcio do salão de estar de igual categoria.

 

Um misto de estilos proporcionando uma interpretação livre na decoração desses salões cujos arcos a altura de três pavimentos evocava as mil e uma noites em um palácio do faraó do Egito, em um bosque da Índia ou ainda no milenar império dos mongóis.

 

Devastação

A Segunda Guerra Mundial varreria tudo a bordo do Conte Grande para sempre, paulatinamente, no Porto de Santos, durante o exílio no Brasil e, depois, mais duramente no período em que ele foi navio-transporte de tropas norte-americanas e aliadas.

 

A capitulação da Itália em 1943 abriu o caminho de volta do Conte Grande à Itália e suas linhas de navegação de passageiros.

 

O esplendoroso salão de jantar do Conte

Grande em 1933, que ocupava três decks

(pisos) de altura. Acervo: J. C. Rossini

 

Devolvido em 1947, na Base Naval de Newport News, na costa atlântica dos Estados Unidos, o Conte Grande era uma visão escabrosa de fim de guerra.

 

Depredação

A piscina interna do Conte Grande – cuja decoração evocava o Monte Fuji (do Japão) – desaparecera durante a conversão para o navio-transporte de tropas, como também toda a rica decoração interior, que, ao contrário dos Contes construídos na Grã-Bretanha, tinha predominância de tons sombrios bem britânicos. Os tetos e as colunas do Conte Grande em tom pastel conferiam uma ambiência mais clara e vivaz.

 

Na chegada ao porto de Gênova, Itália, o Conte Grande foi logo docado no Estaleiro Officine Allestimento Riparazione Navi. E foi um trabalho tão demorado e bem mais árduo que o da construção.

 

O presidente Truman, dos Estados Unidos, em discurso, pediu ajuda aos aliados, incluindo a Itália no bloco dos beneficiários. O auxílio norte-americano foi muito oportuno.

 

O Conte Grande entrando em Santos em 03/08/1949. Nota-se na

imagem do cartão-postal o antigo trampolim da Ponta da Praia, que

ficava em frente ao Clube de Regatas Saldanha da Gama. Essa a

imagem preferida do autor. Acervo: L. J. Giraud

 

O Senado dos Estados Unidos, em princípio, não aplaudiu. Os senadores, porém, acabaram por ceder à proposta do presidente Truman. E, logicamente, deu-se prioridade à reconstrução dos navios sobreviventes, em paralelo ao trabalho de varredura nos grandes portos onde se situavam os maiores estaleiros navais.

 

Dignidade

Ao contrário das madeiras-de-lei, pedrarias e cristais, as pranchas os revestiriam, devolvendo-lhe, embora limitada, a dignidade do grande transatlântico, que nascera no berço triestino.

 

O estilo Liberty, dos Estados Unidos, evocando ambientes havaianos, e mais especificamente o da Flórida adornariam os interiores do grande navio que, apesar do caráter permanente da linha do Brasil e Rio da Prata, viajaria diversas vezes à Nova Iorque nos anos 50, levando emigrantes europeus ao território norte-americano e conduzindo turistas à Itália.

 

O requinte do segundo período do Conte Grande (pós-guerra), embora muito abaixo do anterior, ainda encontrou meios dignos de reconduzi-lo aos novos tempos de paz.

 

O Conte Biancamano atracado no cais de Santos no início da

década de 1950. Ele fazia par com o Conte Grande. Acervo: L. J. Giraud

 

A piscina, antes climatizada, passou a ser ao ar livre, entre a primeira e a segunda chaminé. Nos salões e locais públicos, onde antes da guerra se recomendavam trajes a rigor, depois seriam mais leves.    

 

Futuro papa

Entre os ilustres passageiros do inesquecível transatlântico tiveram destaque o cardeal Pacelli, que mais tarde seria eleito papa, com o nome de Pio XII; o presidente da República do Brasil, Jânio Quadros; Giusfredo Santini (diretor-presidente de A Tribuna) e família; a família Matarazzo, além de artistas, políticos e homens de negócios. Também transportou a delegação soviética que se dirigia para a embaixada em Buenos Aires, Argentina.

 

O Conte Grande fazia par com o transatlântico italiano Conte Biancamano e despertava muito interesse nos portos onde os dois navios escalava.

 

Poucos sabem que o Conte Grande foi hóspede do Porto de Santos no período de junho de 1940 a abril de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, ele foi vendido ao governo norte-americano, que o rebatizou de Monte Cello.

 

A última escala do  Conte Grande em Santos foi em 30 de novembro de 1960, ha 35 anos, sem menção de que ele faria a sua derradeira passagem no porto. Em 1961, ele foi desmantelado no Porto de La Spezia, na Itália.

 

O belo perfil do cisne branco Conte Grande em fotografia oficial

da armadora Itália di Navigazione. – 1950. Acervo: L. J. Giraud

 

O Conte Grande, sem sombra de dúvidas, foi um dos navios que mais despertaram interesse no Porto de Santos.

 

Após uma derradeira viagem à Austrália, o Conte Grande foi vendido como sucata e demolido no Porto de La Spezia, Itália. Como disse o colaborador José Carlos Rossini e A Tribuna, na coluna Rota de Ouro e Prata, no mês de dezembro de 1992, na série de cinco artigos sobre o navio de passageiros: os estaleiros demolidores eram carrascos oficiais dos velhos transatlânticos de luxo.

 

Este artigo é oferecido à Antonio Mangravitti (in memoriam), ao seu filho Antonio de Paula Mangravitti, Nelson Antonio Carrera, aos jornalistas José Carlos Silvares, Armando Akio e Hélio Schiavon, José Carlos Rossini, Jaime Caldas, João Emilio Gerodetti, Ézio Begotti, Silvio Roberto Smera, Julio Augusto Rocha Paes, Edson Lucas, Antonio Giacomeli, Fabio Melo Fontes, Comandante Carlos Eugenio Dufriche, Feliciano Poço, Comandante Gabriel Lobo Fialho. Marcelo Machado, Emerson Franco R. da Silva, Wanderley Duck, Dorian Castello Miguel, Kelso Médici, Daniel R. Carneiro, Francisco Ancona, Leonardo Bloomfield, Luis Miguel Correia, Rafael Viva, Niceu Leme de Magalhães, Sérgio de Oliveira, Paulo Lapa, Gerson da Costa Fonseca, Marjorie Medeiros, Helena Maria Gomes, Marco Antonio Pedro, Paulo Monteiro, Benedito de Carvalho Siqueira, aos integrantes da Fundação Arquivo e Memória de Santos,  e in memoriam ao meu pai Laire Giraud, aos práticos Alberto Carlos Praça e Edmar Boto de Melo, e a todos que viajaram ou conheceram o célebre Conte Grande ou apreciam a sua bela e interessante história. Ressalto que os amigos shiplovers são tantos que peço desculpas pela omissão de algum deles.

 

O postal da Italia Flotte Riunite mostrando o Conte Grande (na

década de 30) com a pintura do casco na cor preta e com a proa reta,

com o passadiço decorado com madeira. Assim era o navio na época

em que ficou retido no porto de Santos. Acervo: L. J. Giraud

 

Ficha técnica

 

Nome: Conte Grande

Tipo: transatlântico

Bandeira: Itália

Comprimento: 199 m

Boca (largura): 24 m

Tonelagem: 25.661 t

Chaminés: 2

Propulsão: turbinas Parsons

Potência: 26.000 cavalos-vapor

Velocidade máxima: 22 nós (40,7 km/h)

Tripulantes: 530

Passageiros: 1588

1ª classe: 212

2ª classe: 502

3ª classe: 720

Classe cabine: 164

 

Fechando com chave de ouro, a bela aquarela do Conte Grande

passando pela passarela natural dos navios em Santos (Ponta da Praia),

pintada pelo amigo e artista plástico Julio Augusto Rocha Paes.

Acervo: L. J. Giraud

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