Sábado, 28 Dezembro 2024

Algumas coincidências me conduziram a este artigo, que vai desde um belo e raro cartão-postal do transatlântico francês Normandie e de uma fotografia do S/S Uruguay na época pertencia à American Republics Line, e posteriormente Moore-McCormack Lines, atracado na Praça Mauá, junto ao prédio da Touring Club no Rio de Janeiro, em 1939.

 

Capa do livro Carmen, que conta com

detalhes a vida da mais famosa brasileira de

todos os tempos, de autoria de Ruy Castro,

lançado em 2005 pela editora Companhia

das Letras – Nota 10 com louvor.

 

Recentemente acabei de ler o excelente livro de autoria de Ruy Castro, que conta em detalhes a vida de Carmen (com N) Miranda, a mais famosa brasileira do século XX, e com certeza até hoje. Por fim, no último fim de semana, assisti um documentário no Canal Brasil (TV a cabo), mostrando muitas fotos e cenas de vários filmes em que participou, bem como contando várias passagens de sua vida, como da era do rádio de carnaval carioca dos anos 30, do Cassino da Urca, da Broadway e de Hollywood nos anos glamourosos. A obra vale a perna ser lida pelos fatos envolventes que desconhecemos da grande estrela brasileira.

 

Os transatlânticos aqui mencionados têm muito a ver com Carmen Miranda. A bordo do Normandie veio o grande produtor da Broadway Lee Shubert, proprietário de aproximadamente 100 teatros, que a contratou, mas não queria levar para Nova York o seu conjunto o famoso Bando da Lua, composto de seis músicos. O Uruguay foi o transatlântico que a levou no caminho da glória, isto é, do Rio de Janeiro para Nova York.

 

O Normandie

O transatlântico francês Normandie fez sua viagem inaugural em maio de 1935, e conquistou a Fita Azul (honraria destinada aos navios de passageiros que registravam recordes nas travessias transatlânticas), realizando a viagem Le Havre à Nova York com a velocidade média de 29,98 nós por hora (55,5 quilômetros por hora). O transatlântico era um belo paquete de linhas elegantes. Nada destoava. Resumindo, unia a tecnologia e o bom gosto. Assim foi considerado o navio mais glamouroso que já existiu.

 

Raro cartão-postal do transatlântico francês Normandie, da Cie.

Générale Transatlantique, o primeiro navio a ultrapassar os 300m de

comprimento que atravessou a linha do Equador, e que veio para o

Carnaval carioca de 1939, onde Carmen Miranda participou de um

jantar na companhia de Lee Shubert e outros empresários do mundo

artístico. Acervo: L. J. Giraud

 

Ele só esteve uma vez no Brasil e foi no Carnaval de 1939, quando trouxe turistas norte-americanos para o Carnaval do Rio, e já estava se tornando famoso no mundo. Isso devido à queda da procura por passagens marítimas no inverno do Atlântico Norte. As passagens nesse cruzeiro marítimo giravam em torno de US$ 5.000 da época, hoje seria algo como US$ 40.000 (inflação corrigida) por pessoa. Havia também cabines de US$ 8.500. A vida do Normandie foi meteórica, mas durante quatro anos, até eclodir a Segunda Guerra Mundial, navegou com grandes personalidades, atores, estrelas, músicos e milionários dentre eles: Marlene Dietrich, Cary Grant, Lawrence Olivier, Douglas Fairbanks, Arturo Toscanini, Eugene de Rotchild, Ed Sullivan e muitos outros.

 

Mas a verdadeira obra-prima estava no seu interior como a grande sala de jantar com mil lugares, que ocupava a altura de três conveses. O salão de convívio era outra maravilha, sem deixar de mencionar a piscina interna e o luxo dos seus camarotes.

 


Pôster publicitário de cruzeiro ao Carnaval

carioca, aonde vieram quase dois mil

norte-americanos. Reprodução.

 

Quando o Normandie chegou ao Rio de Janeiro, não atracou devido ao seu grande calado e comprimento. Aos hóspedes de bordo, foram oferecidos vários passeios pelos locais mais pitorescos como: Pão de Açúcar, Cristo Redentor, além de passeios pelas belas praias, visita à famosa Confeitaria Colombo, entre outras atrações. À noite, foi oferecido o show da Carmen Miranda no famoso Cassino da Urca, dentre os que foram assistir o espetáculo, estavam: Lee Shubert, que já vinha orientado para contratar Carmen Miranda. Shubert ficou encantado e fez de tudo para levá-la para os Estados Unidos. No dia seguinte após o espetáculo, Carmen Miranda foi convidada por Shubert para jantar no majestoso Normandie, onde causou certo frisson a bordo, por ser notada pelos passageiros. Quem estava a bordo era o famosíssimo compositor norte americano Cole Porter, autor da conhecida música Night and Day, muito cantada por Frank Sinatra. Dizem que a música foi inspirada na beleza da Cidade Maravilhosa.

 

Passageiros do belo Normandie num dos

elegantes salões do navio francês, durante

momento social de bordo. Reprodução

 

Uma lembrança do amigo e comandante Carlos Eugenio Dufriche foi da visita de seus pais a bordo do transatlântico francês, de onde vieram maravilhados da beleza e impressionados por um jardim interno com várias espécies de pássaros.

 

Durante a guerra o navio foi requisitado pelo Governo estadunidense para ser utilizado como transporte de tropas. Durante a reforma, em fevereiro de 1942, sofreu terrível incêndio e adernou nas docas de Nova York, sendo vendido posteriormente como sucata. Triste fim para um dos mais belos navios de passageiros dos anos dourados.

 

O S/S Uruguay

Em 1938, quando a Comissão Marítima dos Estados Unidos estabeleceu a Frota da Boa Vizinhança, foram utilizados três transatlânticos da American Republics Lines, mais tarde da Moore-McCormack, O Brazil (com Z), o Argentina e o Uruguay, que mediam 186,84m de comprimento, 24,38m de boca (largura), deslocavam 20.773 toneladas e tinham capacidade para 750 passageiros. Foram construídos em 1928/1929. O Uruguay foi retirado da linha em 1954 e os outros em 1958, com a chegada dos novos navios de passageiros Brazil e Argentina.

 

Atracado junto ao Touring Club (à esquerda da foto) o

S/S Uruguay, que levou embora a nossa Pequena Notável para

a terra do Tio Sam. – 1939. Acervo: L. J. Giraud

 

No início alguns observadores achavam que esse empreendimento não ia dar certo, porque a demanda da América do Sul era pequena para utilização de grandes transatlânticos. Aconteceu o contrário a linha Nova York / Brasil, Uruguai e Argentina foi o maior sucesso, pois milhares de passageiros foram atraídos nessa rota. Assim, mais pessoas dos Estados Unidos visitando a América do Sul, assim como um maior número de sul-americanos dirigem-se para lá por várias razões como viagens de lazer; negócios e intercâmbio de estudantes. Foi o maior sucesso inclusive atraiu passageiros que iam sempre a Europa atrás dos belos navios confortáveis e atraentes que faziam aquela rota.

 

Mas foi no Uruguay que a nossa Pequena Notável foi para Nova York onde iniciou nova fase de sua carreira artística. Ruy Castro conta que Carmen Miranda embarcou no dia 4 de maio de 1939. A multidão tomou conta da faixa portuária o que dificultou a chegada de Carmen e Aurora Miranda no Touring Club, local onde ficava o armazém de bagagens do porto do Rio de Janeiro.

 

Foram na despedida: Francisco Alves Aracy de Almeida, César Ladeira, Almirante Dircinho e Linda Batista, Ciro Monteiro, Almirante e Moreira da Silva, entre muitos amigos. Faltando 10 minutos para a retirada da escada do navio, Carmen foi levada ao convés para responder ao povo que lhe acenava com lenços brancos. Pouco depois o Uruguay com 500 passageiros desatracava todo iluminado. O último a ser visto no cais foi Almirante chorando sozinho. O Uruguay chegou no porto nova iorquino em 17 de maio. Poucas semanas depois, Carmen já tinha alcançado grande sucesso na terra do Tio Sam.

 

Anúncio publicado no jornal A Tribuna de Santos do dia 3 de maio

de 1939, mostrando que o navio sairia nesse dia às 18h30 para o Rio

de Janeiro, onde no dia seguinte, embarcaria Carmen Miranda rumo

ao cenário internacional.

 

Vamos ver um texto resumido da vida de Carmen Miranda, que encontrei no Almanaque da Baixada Santista de 1974, produzido por Bandeira Jr, e redigido por Olao Rodrigues, onde a idéia de vários admiradores, era de ter uma via pública com seu nome, lá se vão 33 anos, e até hoje nada.

 

A Pequena Notável

Carmen Miranda Numa Via de Santos

Grupo de santistas, fãs da saudosa Carmen Miranda, tenta conseguir das autoridades municipais, homenagem a essa extraordinária artista brasileira batizando uma das nossas vias públicas com o seu inesquecível nome.

 

Pelo que a criadora da “Taí” fez na divulgação do Brasil no exterior em pessoa (participou de shows na Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Itália, Inglaterra, Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Havaí, Cuba e Finlândia) em filmes e em discos; pela simpatia que sempre demonstrou por nossa cidade, e justíssima a gratidão póstuma que se pretende.

 

Carmen Miranda no convés do S/S Uruguay,

pouco antes da partida do navio com destino

a Nova York. Reprodução.

 

Das muitas vezes que nos visitou, ora de passagem por via marítima, ora para atuar no palco do Coliseu e ao microfone das emissoras locais, a “Pequena Notável” jamais deixou de elogiar Santos e sua gente.

 

Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em Marco de Canavezes (Portugal) a 9 de fevereiro de 1909 e faleceu em Beverly Hills (Estados Unidos) no dia 5 de agosto de 1955.

 

Carmen, balconista de loja na rua do Ouvidor, começou a cantar em 1928 (seu primeiro sucesso foi o tango “Garufa”), e orientada pelo violonista e compositor Josué de Barros gravou seu primeiro disco, na Victor, com os números “Triste Jandaia” e “Dona Balbina”.

 

Foto tirada em Santos, no estúdio de Boris Kauffmann, que ficava

na Rua Amador Bueno, 165, durante passagem pela Cidade em 1936.

Na foto vemos: Aurora Miranda, o compositor Custódio Mesquita e a

grande Carmen Miranda. Um detalhe, eles foram levados por Nicolino

del Bosco, santista de 1902, que era um grande amigo dos artistas. No

canto direito superior, a assinatura do grande fotógrafo, que foi

Kauffmann. Reprodução

 

Estreando no rádio, em 1929, Carmen Miranda lançou a marcinha “Iaiá-Ioiô”, composta por seu mestre Josué, especialmente para essa ocasião.

 

Em 1930, com “Prá Você Gostar De Mim (Taí)” de Joubert de Carvalho, Carmen conquistou o Brasil de norte a sul” (Ary Vasconcelos), enquanto “a sua estréia numa revista marcada pelo escândalo lhe valeu a popularidade definitiva” assinala o musicólogo santista José Ramos Tinhorão (in Teatro & Cinema) comentando o debut teatral de Carmen Miranda na peça de Marques Porto e Luiz Peixoto “Vai Dar o Que Falar”. E deu mesmo...

 

Depois de outras experiências bem sucedidas no palco, Carmen Miranda apareceu, ao lado do comediante Palitos (tio do grande comediante Oscarito, que fazia dupla com o Grande Otelo no cinema nacional), no filme “A Voz do Carnaval”, feito em 1933, pelos cineastas Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro.

 

Cartão-postal mostrando a movimentada Avenida Rio Branco, na

época em que Carmen Miranda fazia grande sucesso em todo o Brasil,

em 1937. Acervo: L. J. Giraud

 

Em 1935, participou do filme “Alô, Alô, Brasil” (de Wallace Downey), e nas vésperas do carnaval desse ano atuou em nossa cidade, apresentando-se com Aurora Miranda (que lançava “Cidade Maravilhosa”), João Petro de Barros (“A Mulher Que Ficou na Taça”) e Custódio Mesquita, no palco do Coliseu e na Rádio Atlântica (12 de fevereiro).

 

Integrando a popular Caravana da Alegria – composta pelos melhores artistas do rádio brasileiro, Carmen voltaria a Santos no carnaval de 36 e 37.

 

Em 1939 – apoiada musicalmente pelo Bando da Lua (os futuros Miranda’s Boys) Carmen Miranda foi tentar a sorte na Broadway. E que sorte! Basta citar que na peça de estréia (“Street of Paris”) apareciam os novatos Abott e Costelo, Jean Sablon e Van Johnson, que, como ela, atingiram a fama mundial.

 

Equipe técnica deslocou-se, em 1940 de Holywood a Nova York especialmente para incluir dois números de Carmen no filme “Down Argentine Way” que abririam o caminho da Bomb Shell Brasilian na Meca do Cinema. Vieram depois: “That Night in Rio” e “Weekend in Havana”, em 1941; “Springtime in the Rockies” em 1942; “The Gang’s All Here/The Girls He Left Behind”, em 1943; “Four Jills in a Jeep”, “Greenwich Village” e “Something for the Boys”, em 1944; “Doll Face”, em 1945. “If I am Lucky”, em 1946; “Copacabana”, em 1947; “A Date With Judy”, em 1949; “Nancy Goes to Rio”, em 1950, e “Scarlet Stiff”, em 1955. Por essa época a star sambista tinha um dos mais altos salários da América do Norte e era considerada para imprensa ianque uma das 10 mais importantes personalidades femininas do Mundo.

 

A graciosa Carmen Miranda num de seus

filmes, quando já consagrada na Broadway

e em Hollywood. Reprodução.

 

A fantasia estilizada de baiana ganhou com nossa popular cantora dimensão internacional; elegantes lojas da Quinta Avenida lançaram para o mundo turbantes, tamancos, saias e balangandãs Carmen Miranda’s Way.

 

Casada em 1947, com o produtor de cinema David Sebastian, Carmen faleceu após apresentação no programa de televisão Jimmy Durante Show – que era líder de audiência de costa a costa da América do Norte.

 

Vale lembrar que Carmen Miranda, gravava seus discos no estúdio da Victor (do Grupo RCA), em São Paulo. Na maioria das vezes vinha do Rio de Janeiro para Santos a bordo de navios nacionais ou estrangeiros. Ao chegar em Santos, seguia para São Paulo de automóvel e algumas vezes pelo trem da São Paulo Railway.

 

Pensando bem, será que como estrela como Carmen Miranda, que levou o nome do Brasil para o mundo, quando ninguém sabia nada, ou quase nada, do nosso país, não é merecedora  de uma rua na nossa Cidade?

 

Muitos hão de dizer “mas ela não era santista”.Eu respondo: mas era brasileira, e esteve muitas vezes por aqui como também foi grande admiradora de Santos. O que seria uma grande homenagem à Pequena Notável, além de até enobrecer a nossa terra em muitos aspectos. Afinal de contas temos ruas com nomes de várias personalidades que nunca sequer pregaram um prego em Santos.

 

Fica aqui um singelo reforço na solicitação daquele grupo de admiradores, que em 1973 tentaram obter essa homenagem, mas não conseguiram. Viva Carmen Miranda, a brasileira mais famosa de todos os tempos!

Curta, comente e compartilhe!
Pin It
0
0
0
s2sdefault
powered by social2s

topo oms2

Deixe sua opinião! Comente!