Todos os anos quando se aproxima a temporada dos cruzeiros, e vejo amplamente noticiado a chegada de novos transatlânticos que vão participar da verdadeira festa, ao lado de outros navios que participaram das estações anteriores, me ponho a pensar: Por que o Brasil com seu belo e amplo litoral, que já é um pólo que atrai transatlânticos de várias nações, por ser um país tropical como o Caribe, e com uma vantagem, tufão é algo de muito raro, não possui ao menos um navio para cruzeiros, a exemplo de outros países.
O Almirante Jaceguay no período anterior à Segunda Guerra Mundial
era o navio de passageiros mais luxuoso da linha do Lloyd Brasileiro.
Participou do Cruzeiro de Maravilhas em junho de 1937, cujo roteiro
terminava em Manaus. Notem que o cartão-postal recebeu a assinatura
de todos os oficiais de náutica do navio. Acervo: L. J. Giraud
Se pararmos para pensar, tivemos inúmeras chances de ter uma fatia desse grande bolo. Melhor explicando, no passado, a operadora Exprinter, organizadora de grandes excursões, promovia essa atividade de turismo utilizando navios do Lloyd Brasileiro, entre eles, o Almirante Jaceguay e Almirante Alexandrino, cujo percurso era do Rio de Janeiro a Manaus, passando por 17 portos do Norte e Nordeste do País, ou seja, 4.000 milhas em águas brasileiras.
Esses navios eram especialmente preparados para esses cruzeiros, como o que foi feito pelo Almirante Jaceguay, em 25 de julho de 1937. O Jaceguay tinha capacidade para 270 passageiros e foi construído em 1912. Foi adquirido em 1926 pelo Lloyd Brasileiro para fazer a linha do Norte da Europa.
Anúncio publicado no jornal A Tribuna de Santos, do dia
13 de julho de 1937 com informações sobre a excursão
promovida pela Exprinter. Acervo: L. J. Giraud
Posteriormente foi para a linha Manaus – Buenos Aires. Vale lembrar que esse navio foi considerado na sua época, a unidade mais luxuosa do Lloyd, tanto que nos anos 30 levou o então Presidente Vargas em viagem pelo Norte do Brasil. Foi demolido em 1958. Perdemos essa oportunidade, de nos fixarmos nos cruzeiros marítimos.
Depois, nos anos 60, tivemos uma nova oportunidade de nos projetar nesse lucrativo mercado, isto é, com a chegada nos anos 60, dos Cisnes Brancos como ficaram conhecidos os inesquecíveis navios de passageiros: Rosa da Fonseca, Anna Nery, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina, que fizeram vários cruzeiros para as operadoras Exprinter e Agaxtur. O Rosa da Fonseca chegou a ser afretado para uma operadora estadunidense e fez cruzeiros entre Nova York e as Ilhas do Caribe.
Cartão-postal do Princesa Isabel, retratado da pintura óleo
sobre tela pintado por Antonio Giacomelli. Acervo: L. J. Giraud
É bom ressaltar, que eles possuíam uma tripulação da melhor qualidade, que não ficavam devendo nada às tripulações de outros transatlânticos das várias bandeiras que por aqui passavam.
Por várias razões e motivos, que aqui não serão levantados, mais uma vez perdemos essa oportunidade, pois os navios foram vendidos para outros países e fizeram muito sucesso. Será que não temos vocação para o ramo dos cruzeiros? Fica no ar essa pergunta que não tenho resposta.
Partida festiva do Rosa da Fonseca rumo a um cruzeiro,
coordenado pela Exprinter. Segunda metade da década de 1960.
Foto: José Dias Herrera. - Acervo: L. J. Giraud
Para nos consolar, vamos recordar o artigo que fiz para o jornal A Tribuna, publicado no dia 24 de março de 1998, que lembra a passagem do Odysseus, que foi o nosso sempre lembrado Princesa Isabel.
Se tudo tivesse dado certo, a história seria outra
Em um domingo, dia 22 de março de 1998, vi um interessante anúncio, cujo título era: “Ele não pode partir sem você!”. Aparecia um belo navio de porte médio, com o casco azul-marinho e superestrutura branca.
As informações do anúncio davam conta de que o transatlântico vinha de Buenos Aires, escalando em Santos no dia 2 de abril de 1998, de onde navegava para Lisboa.
Por um instante, observei a bela imagem, que me era muito familiar e, finalmente, o reconheci. Tratava-se do ex-Princesa Isabel, adquirido na Espanha pela Companhia de Navegação Costeira, do Rio de Janeiro. E então, vinha a Santos com o nome de Odysseus, a serviço da armadora grega Royal Olympic Cruises.
Fotografia tirada no salão de jantar do Rosa da Fonseca, quando
o mesmo fazia a ponte marítima Rio – Santos – 1967.
Foto: José Dias Herrera. Acervo: L. J. Giraud
O Princesa Isabel tinha um navio-irmão, o Princesa Leopoldina, também de casco branco.
Ambos faziam a linha de cabotagem e iam até Manaus, no Amazonas. Algumas vezes, iam até Buenos Aires. E ficaram muito conhecidos na ponte marítima Rio – Santos, nos anos de 67 a 68.
Tive o prazer de viajar nos dois, concordo com o que Nelson Antonio Carrera, pesquisador de assuntos marítimos, de Santos, escreveu sobre os Princesas, no artigo “Os Últimos Transatlânticos Brasileiros”, publicado na Revista de Marinha, de Lisboa, Portugal, no final de 97.
“Os Princesas foram desenhados e construídos com linhas clássicas, muito elegantes. No interior das embarcações, fazia-se notar o refino sóbrio e típico do mundo europeu”.
O Anna Nery quando ainda exibia na chaminé o belo emblema da Companhia Nacional de Navegação Costeira, onde Coaraci Camargo e Roberto Botti, este
último já falecido, foram oficiais de máquina. Esse navio ainda navega pelo Mediterrâneo, onde ainda faz muito sucesso, com o nome de Salamis Glory.
Acervo: Agaxtur
Ainda me recordo da viagem realizada no Princesa Isabel, em janeiro de 1968, na Ponte Marítima, cuja passagem foi comprada na Casa Branca de Turismo. Era um fim de semana na Cidade Maravilhosa, excursão onde muitas pessoas participavam. Era mais ou menos como um minicruzeiro dos dias de hoje.
O navio atracava no cais do Armazém 5 da Companhia Docas de Santos (CDS), atrás do edifício da Alfândega, e zarpava às 19 horas das sextas-feiras, para retornar do Rio de Janeiro no final das tardes dos domingos, chegando a Santos por volta das 7 horas da manhã da segunda-feira.
Os práticos, naquela minha viagem, foram Carlos Alberto Praça, na partida, e Edmar Botto de Mello, na chegada, ambos falecidos.
O belo cisne branco visto pela popa, em foto do amigo Julio Augusto
Rocha Paes. Fotografado em Santos em 1970. Acervo: L. J. Giraud
Uma das lembranças eram as fartas refeições e as muitas diversões oferecidas pelo navio.
Agora, passados mais de 30 anos da feliz viagem (completado em 1998), acredito que ao revê-lo, no dia 2 de abril, em nosso porto, além de me emocionar, com certeza, farei uma viagem no túnel do tempo, rumo àqueles anos dourados, em que às segundas, quartas ou sextas-feiras entrava um Princesa ou os famosos Anna Nery e Rosa da Fonseca, que já haviam sido transferidos para a frota da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e foram os últimos transatlânticos brasileiros. E que ainda poderiam ser nossos, se tudo tivesse dado certo.
O belo Odysseus, ex-Princesa Isabel, durante desatracação
fazendo giro , auxiliado pelo rebocador Pegasus da Saveiro
Camuyrano. A manobra foi assessorada pelo prático Fabio Melo
Fontes. Na foto, o autor radiante por ter visto o navio em que fez
um minicruzeiro ao Rio de Janeiro em 1968, do qual tem ótimas
recordações. Foto: Benê Siqueira -1998.
Para finalizar, recordo que no dia 2 de abril de 1998, chovia copiosamente, mas assim mesmo fui assistir a desatracação do Odysseus no Armazém 29, na companhia do advogado Benê Siqueira. Lá chegando, encontrei outros admiradores de navios, entre eles, Nelson Antonio Carrera e Emerson Franco da Silva. Assistimos a manobra de desatracação e seguimos rapidamente para a antiga ponte dos práticos, onde assistindo sob chuva, o Odysseus desfilando pela passarela natural da Ponta da Praia, com direito a vários apitos de despedida solicitado pelo prático e amigo Fabio Melo Fontes. Confesso que foi uma bela recordação. Será que um dia teremos um navio brasileiro, com tripulação brasileira, fazendo cruzeiros pela costa brasileira? Oxalá!
Excursionistas participantes do cruzeiro do Reveillon de
1963 para 1964. Destino: Buenos Aires. Foto: Agaxtur
Fonte:
“Transatlânticos e Cruzeiros Marítimos - O passado no presente”, de Laire J. Giraud, “Navios e Portos do Brasil”, de João Emilio Gerodetti e A Tribuna de Santos.