Quando tinha aproximadamente cinco anos, no início da década de 1950, duas músicas eram muito tocadas nas rádios. Uma era “Asa Branca”, do grande Luiz Gonzaga. A outra tinha a seguinte letra: “Peguei um Ita no norte e vim pro Rio morar / Adeus meu pai, minha mãe / Adeus Belém do Pará”.
O paquete Itapuhy, da Companhia Nacional de Navegação Costeira,
do acervo particular do comandante Carlos Eugenio Dufriche, um dos
Itas pequenos e que deu origem ao presente artigo. Imagem dos anos 30.
Depois, na casa do meu tio por afinidade, Gerson da Costa Fonseca, o escutei informando a um parente, que ia para o Rio de Janeiro a bordo do Itanagé na companhia da esposa Arlete. Achei o nome do navio muito estranho, para complicar mais, esse parente disse que já havia vindo do nordeste num outro Ita, o Itanagé, e que era um navio bom de se viajar.
Foi a partir daquele momento que entendi que Ita era o nome de uma série de navios de passageiros, todos contendo o prefixo Ita e pertenciam à Companhia Nacional de Navegação Costeira, mais conhecida simplesmente por Costeira. Confesso que nunca vi na minha vida um Ita, embora fossem navios muito famosos na navegação de cabotagem, do final do século XIX até o início dos anos 50.
Cartão-postal promocional , da época do lançamento dos novos navios da
Companhia Costeira, na linha Porto Alegre / Pará em 1928. Esses navios
inspiraram a canção “Peguei Um Ita No Norte”. Imagem do livro Navios e
Portos do Brasil nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças, de João Emílio
Gerodetti e Carlos Cornejo, lançado em 2006.
A lembrança da Costeira e por extensão dos Itas, deve-se ao fato de recentemente ter recebido por e-mail com uma belíssima imagem do amigo virtual Kelso Médici. A imagem é do navio Itapuhy, pertencente ao acervo portuário do comandante Carlos Eugênio Dufriche, residente no Rio de Janeiro, já lembrado algumas vezes nesta coluna. Essa imagem me deixou extasiado, por sua raridade e originalidade, a ponto de mudar radicalmente o texto da matéria que estava elaborando, para fazer esta.
No decorrer da minha vida, onde já atingi a marca sexagenária, conheci muitas pessoas que já haviam viajado nos Itas, mas a minha curiosidade na juventude era direcionada para outras áreas e não para os navios, o que foi uma pena, pois esse texto poderia estar recheado de mais informações da época em que os navios eram o principal meio de transporte entre o Norte e o Sul do País. Ainda bem que existem as pesquisas, que nos permitem trazer coisas e acontecimentos do passado para o presente.
A famosa nadadora brasileira
Maria Lenk foi para os Jogos
Olímpicos de Los Angeles, em
1934, a bordo do Itapagé. Vale
lembrar que Maria Lenk deu
nome ao Complexo Aquático,
onde foram realizadas as provas
de natação nos Jogos Pan-Ame-
ricanos 2007. Foto: A Tribuna
Muitos fatos podem ser lembrados dos Itas, como o nascimento do ex-presidente da República Itamar Franco a bordo de um desses navios; o transporte da delegação brasileira para os Jogos Olímpicos em Los Angeles a bordo do Itapagé, em 1934, onde uma das participantes foi a famosa nadadora Maria Lenk, falecida recentemente, e que deu seu nome ao complexo aquático onde foram realizadas as provas de esportes aquáticos dos Jogos Pan-Americanos deste ano de 2007, no Rio de Janeiro.
Uma outra curiosidade é que, até 1920, os comandantes dos Itas eram de origem britânica, que comandavam navios de aspectos impecáveis e tudo dentro de escalas rigorosamente cumpridas. Em 1956, o muito conhecido na época Carl Hoepcke sofreu grande incêndio, na altura de Itanhaém. Seus passageiros e tripulantes foram salvos pelo Itaquiatiá. Durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente no dia 26 de setembro de 1943, o Itapagé de 119 metros de comprimento foi torpedeado pelo submarino alemão U-161, quando navegava na costa do Estado de Alagoas, indo ao fundo do mar em quatro minutos. Dos seus 106 passageiros e tripulantes, 27 pereceram.
Meu pai, Laire Giraud, falecido em 1987, fez diversas viagens nos Itas entre os anos de 1935 e 1940, quando então cursava a Faculdade de Medicina, na antiga Capital Federal. O motivo da preferência dele pelas viagens marítimas era por ser mais fácil chegar ao Rio de Janeiro do que viajando por trem, pois havia necessidade de fazer baldeação em São Paulo para pegar uma outra composição férrea para aquele destino.
Vapor Itaúba, da Companhia Nacional de Navegação Costeira,
atracado no cais do Armazém 6 da antiga Companhia Docas de Santos.
Imagem dos anos 20. Acervo: Laire José Giraud
Já o prático Gerson da Costa Fonseca, 89 anos, lembra que o primeiro navio que manobrou na sua profissão foi o Itaquatiá, cuja atracação foi no antigo armazém 3 da Companhia Docas de Santos (esse local em breve fará parte do Complexo Marina Porto de Santos), em 1941.
Já o falecido Arthur Cavalotte, que foi presidente do Grupo Deicmar, recordava em suas conversas sobre o tema, que os navios da Costeira costumava atracar entre os armazéns 3 e 5 e era comum ver melancias trazidas do Sul do País para os mercados paulista e carioca estivadas no convés. E que era uma bela visão ver aquele amontoado da deliciosa fruta.
Por outro lado, Jaime Caldas conta que os tripulantes dos Itas costumavam trazer papagaios do Norte para aqui serem vendidos. Os pássaros ficavam expostos na popa junto com passarinhos de várias raças.
Cartão-postal do Ita pequeno Itajubá, que trouxe muitos emigrantes
do norte-nordeste do Brasil para os estados de São Paulo e Rio de
Janeiro. Imagem do livro Navios e Portos do Brasil nos Cartões-Postais
e Álbuns de Lembranças, de João Emílio Gerodetti e Carlos Cornejo,
lançado em 2006.
Havia três tipos de Itas, os pequenos com 60 metros, os médios com 90 metros e os grandes com aproximadamente 120 metros de comprimento.
Carlos Alberto Piffer tem outra recordação da armadora: “Lembro-me da minha primeira viagem, com meus pais, para São Sebastião, por volta de 1939. Partimos de Santos, no fim da tarde, a bordo do Itassucé. O jantar consistia de peru assado - um luxo para a época – e a mesa, os talheres e demais objetos eram impecáveis. A chegada em São Sebastião foi por volta da meia-noite. Mas uma das coisas mais marcantes da Costeira, era o belo emblema em bronze na chaminé, uma cruz-de-malta, que chamava muita atenção sobre a pintura da chaminé que era de um belíssimo preto fosco”.
Eis aqui alguns dos Itas que deixaram seus nomes gravados pelos portos por onde passaram: Itaité, Itaimbé, Itapagé (construídos na França), Itapé, Itaquicé e Itanagé, construídos na Escócia. Os de outra classificação, ou seja os Itas pequenos ou médios, que fazem parte o Itaberá, Itagiba, Itapuhy, Itapura, Itaquara, Itassucé, Itatinga, Itaquatiá, Itaipu, Itaguassú, Itajubá, Itapema, Itapuca e Itaúba, entre outros.
Vale lembrar que a Companhia Costeira foi fundada em 1882 pelos descendentes de um armador português, que imigraram para o Brasil, e o nome inicial da empresa era Lage & Irmãos. O dirigente dessa companhia que mais se destacou foi Henrique Lage, nascido em 14/03/1881 e falecido em 1941 em plena atividade, como chefe de várias empresas do grupo Lage.
Anúncio da Costeira publicado em A Tribuna
em 28 de Abril de 1938, com as saídas e destino
de alguns navios da sua frota. Um detalhe: os
escritórios da companhia ficavam na Praça Barão
do Rio Branco, 80, no Centro de Santos
No livro Navios e Portos do Brasil nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças, de autoria de João Emílio Gerodetti e Carlos Cornejo, os autores contam que na década de 1970, a maior parte da frota da Costeira aguardava demolição, abandonada num cemitério de navios, na Baía de Guanabara. Ali jaziam, lado a lado, como sucata enferrujada muitos dos paquetes que tinham sido orgulho da marinha mercante nacional. Destino em glória mas iniludível dos Itas, Aras e outras embarcações já muito esquecidas, amontoadas como ferro-velho e despedaçadas por serras e maçaricos. Naqueles cascos vazios encalhados no último porto somente ressoavam os ecos da história, conforme registrou Jorge Audi, na reportagem Onde Morrem os Itas, publicada na revista O Cruzeiro, em 5 de maio de 1971, que foi gentilmente apresentada pelo colaborador da obra Sérgio Montineri.
Em 1966, os navios da Costeira, por motivos econômicos, foram incorporados à frota do Lloyd Brasileiro, onde navegaram com o famoso emblema da Costeira por alguns anos até que fossem usados o da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro.
Referências
Transatlânticos em Santos – 1901/2001, A Tribuna de Santos e Navios e Portos do Brasil nos Cartões-postais e Álbuns de Lembranças.