Em novembro de 2001, lancei o livro Transatlânticos em Santos 1901/2001, que teve como objetivo mostrar, em textos e imagens, duas épocas distintas: uma em que o Porto de Santos fazia as vezes dos aeroportos dos dias de hoje, onde todos os viajantes que chegavam ou partiam nos navios de passageiros de longo curso ou cabotagem (navegação costeira), invariavelmente passavam pelo Cais Santista.
Na obra Transatlânticos em Santos
1901/2001, teve um capítulo, onde foi
colocado através de textos, o ponto de
vista de admiradores desses navios, que
recebeu o título Escritos Especiais.
E a outra, mais atual, ou seja, os novos dias de glória, onde podemos presenciar o retorno dos modernos transatlânticos de turismo.
Esse livro, que é o meu predileto dentre as cinco obras que já lancei, teve um capítulo que chamei Escritos Especiais, onde amigos também especiais, que apreciam o tema Transatlânticos, escrevessem o que bem entendessem, para que não ficasse somente o meu ponto de vista, no período de 1901 a 2001, dando assim, um maior brilho ao livro.
Na foto, o jornalista José Carlos Silvares, sendo entrevistado pelo SBT,
durante o lançamento do magistral livro Príncipe de Astúrias, que
abre o artigo com seu escrito “Navios Italianos, Deuses do Mar e Heróis
dos Portos”. Foto: Marina Silvares
Assim, nas próximas semanas, serão transcritos nesta coluna, textos desses nobres colaboradores, como forma de reconhecimento por suas belíssimas participações, cujos títulos são: Navios Italianos, Deuses do Mar e Heróis dos Portos – José Carlos Silvares, A Magia de Outros Tempos – Helena Maria Gomes, Viagem do Navio da Esperança – Armando Akio, A Indústria de Cruzeiros e os Transatlânticos – Cte. Gabriel Lobo Fialho, Os Grandes Transatlânticos da Década de 30: os Porta-ilusões de uma Geração – Nelson Salasar Marques, Os Memoráveis Transatlânticos – João Emílio Gerodetti, No Tempo dos Transatlânticos – Narciso de Andrade, Céu e Mar – Sérgio Moita, O Esplendor dos Mares – Narciso de Andrade, O Sonho não Acabou – Hélio Schiavon.
Cartão-postal retratando o pôster da
viagem inaugural dos anos 20 do transa-
tlântico Duílio da NGI, navio que marcou
grande presença em Santos.
Acervo: L. J. Giraud
Vamos abrir com chave de ouro com o texto de José Carlos Silvares, que retrata os navios de passageiros italianos no século passado.
Navios Italianos, Deuses do Mar e Heróis dos Portos
* por José Carlos Silvares
Os navios italianos de passageiros sempre foram a grande sensação em todos os portos do mundo, considerados verdadeiros deuses do mar, mas especialmente em Santos, onde deixaram milhares de imigrantes nos últimos 100 anos. Parte desse sucesso se deve a armadoras como a Navigazione Generale Italiana (NGI), a Lloyd Sabaudo Societá Anonima e a Cosulich Societá Triestina di Navigazione.
O Giulio Cesare da NGI , media 183,60m de comprimento, foi
encomendado em 1913 e fez sua primeira viagem para a América do
Sul em 04/05/1922, foi afundado em 1944 durante ataque dos aliados
em Trieste – Itália. Acervo: L. J. Giraud
Mas, a partir de janeiro de 1932, as três principais empresas de navegação da Itália se uniram, formando a Itália Flotte Riunite Cosulich – Lloyd Sabaudo – NGI, que passou a chamar-se em 1937 Italia Societá di Navigazione, ou Italian Line, como ficou mundialmente conhecida. O nome mudou novamente em 1952 para Itália Societá per Azione di Navigazione. A fusão se deu por imposição do governo italiano, para evitar a concorrência interna, fazendo assim frente às companhias de outros países que disputavam o concorrido mercado de navegação comercial de passageiros em todo o mundo.
Essas armadoras foram proprietárias de muitos navios que ainda hoje são lembrados, e aqui relacionados.
Da NGI – Sírio, Regina Margherita, Príncipe Umberto, Principessa Mafalda, Duca D’Aosta, Giulio Cesare, América, Duílio, Colombo, Augustus e Roma.
Da Consulich – Francesca, Sofia, Belvedere, Saturnia, Neptunia e Oceania (estes dois últimos torpedeados no dia 18 de setembro de 1941 pelo submarino britânico Upholder).
Do Lloyd Sabaudo – Príncipe di Udine, Tomaso di Savoia, Regina D’Italia, Rex D’Italia, e os famosos Conte Rosso, Conte Verde, Conte Biancamano e Conte Grande.
Guerra
Como a de outros países marítimos, a frota italiana sofreu muito com a Segunda Guerra Mundial e, depois do seu término, em 1945, apenas quatro dos navios retornaram aos serviços: Conte Grande, Conte Biancamano, Vulcania e Saturnia. Os dois primeiros foram muito populares na rota do Atlântico Sul e os demais na linha dos Estados Unidos, embora também tenham navegado para o Brasil, Uruguai e Argentina., transportando milhares de imigrantes europeus, principalmente da Itália.
Um dos navios mais belos dos anos dourados, foi o Giulio Cesare
que media 207,43m, que teve sua viagem inaugural em 27/10/1951,
aqui visto, passando em frente à Fortaleza da Barra – 1952. Notem que
a Ponta da Praia era quase totalmente desprovida de construções.
Foto: Boris Kauffmann – Acervo: L. J. Giraud
Outros dois navios da série Conte, o Rosso e o Verde, foram torpedeados na guerra. O primeiro em 24 de maio de 1941, no Mediterrâneo, por um submarino inglês; o segundo em 1944, por uma frota da Marinha dos Estados Unidos. Outro navio, o Conte di Savoia, lançado pelo Lloyd Sabaudo em 1932 para a linha Genova - Nova York, foi bombardeado pelos aliados perto de Veneza, a 11 de setembro de 1943. Ele e o Rex eram considerados os dois gigantes dos mares em sua época.
Pós-guerra
A nova geração, como ficaram conhecidos os novos transatlânticos construídos depois da Segunda Guerra, era formada pelos navios Giulio Cesare (de 1951), muito admirado nos portos de escala da América do Sul; o Andréa Doria (de 1953), que os italianos consideravam o mais belo navio que a Itália construiu; e o Cristoforo Colombo (de 1954), que escalou em santos entre 1973 e 1977. Este último tive o prazer de estar a bordo inúmeras vezes em suas escalas no Porto de Santos, inclusive na última viagem, a 5 de abril de 1977, quando o comandante Elio Balzano soou várias vezes a sirena, em sinal de saudades na despedida. Com 231 metros de comprimento e 29 mil toneladas, gêmeo do Andréa Doria, o Cristoforo Colombo foi demolido em Taiwan em 1983.
Esses navios foram típicos do conceito moderno da construção naval italiana, de dimensões e velocidade moderada, mas dotados de luxo, conforto e excelente cozinha, além de pessoal altamente treinado.
O Augustus, gêmeo do Giulio Cesare, fez sua viagem inaugural
em 04/03/1952. Foi um dos navios mais conhecidos que passaram
pelo Porto de Santos. A foto de José Dias Herrera, mostra o belo navio
durante manobra de desatracação. – 1953. Acervo: L. J. Giraud
Ainda na década dos anos 50, a linha italiana utilizava navios de passageiros e carga que deixaram seus nomes gravados em nossa Cidade, e eram conhecidos como Navegadores, por ostentarem os nomes dos grandes marítimos: Paulo Toscanelli, Sebastiano Caboto, Américo Vespucci, Ugolino Vivaldi e Marco Pólo. Aqui em Santos, na vitrina de uma casa de câmbio e turismo, na Rua Augusto Severo, apesar dos anos, ainda é exibida a maquete do Paolo Toscanelli.
Anos 60
O Leonardo da Vinci, que entrou em serviço em 1960, em substituição ao Andréa Doria, que afundou ao ser abalroado durante forte nevoeiro em Nova York, pelo transatlântico sueco Stockholm, tinha um belo e impressionante visual e navegou até 1976.
Em 1965 entraram em serviço dois outros gigantes: Michelangelo e Rafaelo, de 45.900 toneladas, que juntos formavam o mais belo par de supertransatlânticos. Depois de darem prestígio e glória à sua armadora, tiveram o fim triste dos grandes navios. Ambos foram vendidos ao Irã, em 1977. O primeiro serviu de dormitório para tropas antes de ser demolido no Paquistão, em 1992. O segundo foi afundado por míssil iraquiano em 1983.
Os demais tiveram também fim triste, mas pelos impiedosos maçaricos que os transformaram em sucata no estaleiro de La Spezia.
O bilhete de passagem do navio Conte Grande,
quando da viagem de Ezio Begotti, com destino
ao Rio de Janeiro em 1957. Acervo: L. J. Giraud
Dos maravilhosos transatlânticos que tiveram um passado de glórias, dois ainda navegam: o Augustus, que hoje é o Asian Princess, das Filipinas, e o Guglielmo Marconi, que foi vendido para a Costa Line e hoje navega como o Costa Riviera.
Muitos destes navios deixaram marcados seus nomes como heróis do estilo e da beleza no Porto de Santos e em instituições como a Societá Italiana de Santos.
O cardápio do M/N Giulio Cesare, da classe turística, servido no dia
18 de dezembro de 1964. Os navios italianos sempre foram conhecidos
pela boa comida oferecida aos seus passageiros. Acervo: L. J. Giraud
O italiano Andrea C, da Linha C, foi um dos navios mais conhecidos do
século passado. Esse navio inaugurou os serviços de cruzeiro marítimo
da famosa armadora no Brasil. – Década de 60. Acervo: L. J. Giraud
O transatlântico italiano Cristoforo Colombo da Italia di Navigazione,
atracado na estação marítima de Trieste – Itália. Foi um dos últimos
transatlânticos a escalar Santos, no fim da era dos navios de passa-
geiros de linha regular. Esse navio foi matéria no caderno Porto-Cidade
no Jornal da Orla da última semana de maio. Matéria assinada pelo
jornalista José Carlos Silvares. O cartão-postal foi presente do shiplover
Antonio Giacomelli. Acervo: L. J. Giraud