Certa ocasião, escrevi sobre os interiores dos transatlânticos do passado e, dentre as ilustrações apresentadas, estava a do navio de passageiros português Santa Maria, que foi muito conhecido no nosso porto por trazer vários imigrantes e levar a passeio os que já tinham prosperado, após árduo trabalho no Brasil.
O maravilhoso cartão-postal do navio de passageiros
Santa Maria. Sua viagem inaugural com destino ao Brasil,
foi em novembro de 1953. Acervo: L. J. Giraud
Por essa razão, vários portugueses que encontrei na rua perguntaram por que não divulguei mais imagens do navio. Respondi que, em próxima ocasião, apresentaria mais imagens.
Assim, com o intuito de cumprir o que prometi, este artigo é dedicado aos portugueses que conheceram o navio e seus descendentes, e uma homenagem a dois ilustres portugueses, o comandante Gabriel Lobo Fialho, diretor da Revista de Marinha, de Lisboa, e o autor do livro Paquetes Portugueses, Luís Miguel Correia, cujo livro forneceu informações importantes para este artigo, e a quem agradeço muitíssimo.
O paquete Santa Maria no estuário do porto de Santos, na
viagem inaugural, em grande gala (embandeirado). – 1953.
Foto: José Dias Herrera - Acervo: L. J. Giraud
Quanto ao meu primeiro — e último — contato com o Santa Maria, foi no Rio de Janeiro, no início de 1954. Ainda menino, fui a bordo com um tio que levaria um amigo que retornava a Portugal. Do cais da Praça Mauá, no Rio, avistei o belo navio e, por coincidência, na sua proa estava atracado o navio luso-panamenho North King — aqueles encontros do destino: essa imagem está gravada na minha mente até hoje.
Depois daquele encontro, nunca mais vi o Santa Maria, mas, mesmo assim, continuei a escutar fatos ocorridos com o transatlântico por passageiros que viajaram a bordo.
O inesquecível navio, fotografado quando se aproximava do cais, no
momento da sua atracação, aguardado por grande multidão. – Anos 50.
Após o término da Segunda Guerra Mundial, o ministro da Marinha de Portugal, almirante Américo Tomaz, assinou um despacho ministerial, que ficou conhecido como Despacho 100 e previa a construção de 70 navios, dos quais nove seriam transatlânticos.
Ainda em 1945 foram encomendados quatro navios de passageiros de 13 mil toneladas cada um, Pátria, Império, Angola e Moçambique.
Para a linha do Brasil, só em 1949 foi feita a encomenda do Vera Cruz e, em 1951, do Santa Maria, ao estaleiro belga Société Anonyme John Cockerill. Ambos os navios tinham linhas modernas para a época, e foram os primeiros verdadeiros paquetes (navios de passageiros) portugueses, segundo Luís Miguel Correia, autor do livro impecável Paquetes Portugueses, pois os anteriores eram mistos (cargas e passageiros). Assim, as naves gêmeas marcaram uma época.
com dois formidáveis navios que fizeram par na linha sul-americana. Aqui vemos
o seu gêmeo, o nada menos famoso Vera Cruz. Foto: Reprodução
Os novos transatlânticos, que marcaram a renovação da frota de navios, criaram um impacto grande, fazendo com que, paulatinamente, os veteranos fossem aposentados de maneira honrosa. Entre eles: Guiné, João Belo, Nyassa e, mais tarde, o Mouzinho e o Serpa Pinto.
O Santa Maria foi entregue a seu armador, a Companhia Colonial de Navegação (CCN), em 20 de outubro de 1953. O primeiro comandante foi Mário Simões da Maia.
A primeira viagem para a América do Sul foi em 12 de novembro de 1953, escalando Funchal, Salvador, Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires, ficando, assim, a CCN com dois navios formidáveis na linha sul-americana. O almirante Américo Tomaz veio a bordo na viagem inaugural do Santa Maria.
O bar de primeira classe do Santa Maria contava com um jardim
natural. Reprodução livro: “Paquetes Portugueses”, de Luís Miguel Correia.
Na viagem de 22 de junho de 1955, um passageiro ilustre embarcou no Rio, no Santa Maria, com destino a Lisboa. Era o vice-almirante Carlos Viegas Gago Coutinho.
O Santa Maria apresentava alguns detalhes modificados do Vera Cruz, pois foi o segundo e assim se tornou possível aprimorar mais o projeto.
Na viagem inaugural do Santa Maria, em novembro de 1953, a chegada a Santos foi movimentada, com muitos portugueses no porto. No Rio de Janeiro, houve tumulto: todos queriam entrar a bordo.
Vale lembrar que, em 1956, Portugal possuía 22 navios de passageiros, graças a Américo Tomaz, que sempre incentivou a construção de novos navios.
O Vera Cruz, gêmeo do Santa Maria, passando pela Ponta da Praia
na segunda escala no porto de Santos. – 1952. Foto: Boris Kauffmann.
Acervo: L. J. Giraud
Em princípio, a idéia era manter os gêmeos na linha da América do Sul, mas com a retirada do Serpa Pinto, alternavam-se na linha da América Central, sendo a viagem do Santa Maria para os portos da Venezuela. Em 19 de outubro de 1954, fez viagem também para Luanda, Lobito e Moçamedes, além de cruzeiros marítimos.
O Santa Maria levava emigrantes e, no retorno, trazia para Portugal os portugueses prósperos, em férias, juntamente com as famílias.
No dia 9 de janeiro de 1961, porém, o Santa Maria deixou Lisboa rumo à América Central, e durante a escala no porto venezuelano de La Guaira, exatamente no dia 20, entre os passageiros embarcados nesse porto entrou um grupo de guerrilheiros da Direção Revolucionária Ibérica de Libertação.
Os guerrilheiros eram opositores dos regimes de Franco e Salazar, e estavam sob o comando do capitão Henrique Galvão (exilado na Venezuela). No dia 22, o navio rumava para o Porto de Everglades, na Flórida, quando foi tomado de assalto.
No dia 25, um avião militar dos Estados Unidos avistou o Santa Maria e, finalmente, no dia 2 de fevereiro de 1961, o navio foi entregue às autoridades brasileiras, no Recife, onde desembarcaram os passageiros.
O paquete Infante Dom Henrique, em Lisboa, foi encomendado pela
Companhia Colonial de Navegação, teve sua viagem inaugural em 1961,
aqui visto com as cores da CTM – Companhia Portuguesa de Transportes
Marítimos, posteriormente passou a ser o Vasco da Gama e, por
último, Crown Wind, a foto é da última viagem do famoso navio, quan-
do do retorno de Moçambique em 24/12/1975. Foto: Luís Miguel Correia.
Graças a esse episódio, o Santa Maria tornou-se o navio português mais conhecido do mundo.
Naquele ano começou também a guerra em Angola e o governo português resolveu enfrentar a situação com o envio de forças militares. Assim, a CCN abandonou a linha do Brasil.
O fim da era dos transatlânticos portugueses deu-se com a ascensão do transporte aéreo, nos anos 60, fazendo com que começassem a navegar vazios e a serem retirados de serviço, a maioria sendo vendida como sucata.
O Santa Maria fez diversos cruzeiros marítimos na Ilha da Madeira e Caribe.
A partida da última viagem foi marcada para o dia 16 de abril de 1973, com destino à América Central. Mas, após a desatracação, o navio apresentou avaria nas máquinas. O Santa Maria voltou e atracou no cais de Alcântara (Lisboa) e os passageiros foram transferidos para aviões.
Mais tarde, com apenas 19 anos de existência, foi vendido para desmonte em Taiwan. Como já havia ocorrido com o Vera Cruz, o navio poderia ser aproveitado em cruzeiros marítimos, mas preferiram levá-lo ao corte dos vis maçaricos.
O Santa Maria deixou o cais da CCN, na Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, em 1.º de junho de 1973, em um dia de muito sol. Com a pintura do casco em ótima condição, não dava a impressão de um navio condenado.
Chegou a Kaohsiung, Taiwan, sob o comando de Amadeu Albuquerque, ex-comandante do Funchal, e atual comandante do Blue Dream R6, em 19 de julho de 1973, e ficou fundeado, pela última vez ao lado do Vera Cruz. Os gêmeos que nasceram na Bélgica acabaram juntos nas mãos do sucateiro Yuta Steel & Iron Works Co. Ltd. Um triste fim para dois navios que foram o orgulho de Portugal.